Brasil troca empregado formal por ambulante de comida e motorista de Uber

Leonardo Sakamoto

Fonte: UOL
Data original da publicação: 13/08/2018

Para sobreviver à crise, trabalhadores expulsos do mercado formal tornaram-se vendedores ambulantes de comida e motoristas de aplicativos como o Uber.

Dados do IBGE, publicados em reportagem de Ana Conceição, no Valor Econômico, desta segunda (13), mostram que áreas como alimentação e transporte foram destino de muitos que perderam o emprego formal. Com isso, já contam com mais trabalhadores do que no início da crise.

Na comparação entre o segundo trimestre deste ano e o de 2014, o setor de “alimentação e alojamento” teve aumento de 1,1 milhão de pessoas (alta de 26%) e o de “transporte, armazenagem e correio”, 409 mil (+9,6%). Some-se a isso outros também conhecidos pela informalidade, como o “serviço doméstico”: aumento de 234 mil (+4%) e “outros serviços” (que inclui manicure, cabeleireiro, manutenção, entre outros), com uma alta de 607 mil (15%).

Como explicou Cimar Azeredo, coordenador para a área de Trabalho e Rendimento do IBGE, esses setores são mais aderentes à informalidade.

Enquanto isso, construção civil demitiu 1,25 milhão (queda de 16%), a indústria, 1,25 milhão (- 9,5%) e a agropecuária, 1,27 milhão (-13%) – no caso deste último setor, também haveria influência do processo de incorporação de tecnologia, incluindo a mecanização.

Ou seja, a crise não está apenas jogando milhões de pessoas para a informalidade, mas também mudando a composição do emprego em setores da economia.

Enquanto a economia não der sinais resistentes de melhora e a confiança dos empresários aumentar, a geração de empregos com carteira assinada (postos de trabalho de melhor qualidade, maior renda e direitos garantidos) também vai continuar derrapando na indústria e construção civil.

Avançar no corte de direitos dos trabalhadores a fim de agilizar contratações de mão de obra, como sugerem alguns, apenas fragilizaria ainda mais os mais vulneráveis. Afinal, não é que o emprego formal não será viável se a crise persistir. O país como um todo é que não será viável.

Ambulantes de comida

Essa percepção vem sendo mostrada pelo IBGE em seus números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua já há algum tempo. Em janeiro, matéria da Folha de S.Paulo mostrou que 11% dos novos postos de trabalho precários eram de pessoas que resolveram vender comida na rua para sobreviver. Ao todo, 253,7 mil pessoas estavam trabalhando nessa atividade no terceiro trimestre de 2016. E 501,3 mil no mesmo período de 2017. Desses, 414,3 mil trabalhavam por conta própria.

Lembrando que trabalhar para si mesmo pode ser uma benção quando é o resultado de um movimento empreendedor voluntário e não como uma forma de buscar sobrevivência diante da falta de oportunidades. Ou seja, quando a corda aperta no pescoço e o desespero aparece.

Com a crise, aumentou a procura por comida mais barata do que a servida em lanchonetes e restaurantes, como explicou Cimar Azeredo, em janeiro. Daí, percebendo isso, a população desempregada tratou de se arrumar e correu para garantir oferta de alimentos mais baratos aonde havia demanda para tanto. É de um vendedor de tapioca que perdeu emprego em um restaurante, aliás, a frase que traduz bem essa realidade na referida reportagem: “Este é o lado bom de trabalhar com comida: se não vender, a gente come. De fome a gente não morre”.

Para o IBGE, postos informais vão desde empregos sem carteira, passando por pessoas que resolveram se virar por conta até trabalhadoras empregadas domésticas sem contrato. Para um trabalhador em situação de necessidade, trabalho precário é trabalho mesmo assim e ajuda a pagar as contas no final do mês e sustentar a família. Mas esse tipo de serviço não garante o pacote básico de proteção para ele e sua família, mantendo-os em um grau preocupante de vulnerabilidade social e econômica.

Poderíamos dizer que a retomada dos empregos tem ocorrido através de postos de trabalho precarizados, que não garantem férias remuneradas, 13o salário, descanso semanal, licença maternidade, limite de jornada, enfim, nenhum dos direitos mais básicos que não foram sustados pela Reforma Trabalhista capitaneada por Michel Temer. E que esse crescimento na informalidade é uma etapa anterior à geração de empregos formais. O problema é que, escavando mais a fundo, verifica-se que não está havendo uma retomada de fato.

Desalento

Cerca de 4,6 milhões de pessoas desistiram de procurar emprego no primeiro trimestre deste ano por desalento. Esses contingente está fora da força de trabalho por não acreditar que exista oportunidade ou espaço para no mercado, não contar com experiência ou qualificação, ser considerado muito jovem ou muito idoso, não encontrar serviço no local de residência ou não ter conseguido trabalho adequado.

No último trimestre do ano passado, o número era de 4,3 milhões, segundo dados da PNAD Contínua.  A taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2017 foi de 13,7% e a do mesmo período deste ano, 13,1%. O governo Michel Temer tem dito que o desemprego (somando formais e informais) caiu no período – mas foi só porque aumentou o número de pessoas que, desanimadas, desistiram de procurar serviço. Elas representam 4,1% da força de trabalho.

Somando os desalentados às pessoas que gostariam de trabalhar mais e os que desistiram de procurar emprego, chegamos a 24,7% – o que representa uma força de trabalho de 27,7 milhões.

Como já disse aqui, o desalento da falta de emprego está relacionado ao desalento da política. A sensação é de que boa parte da população, aturdida, está deixando de acreditar na coletividade e buscando construir sua vida tirando o Estado da equação.

O que deixa o Estado livre para continuar servindo à velha política e a uma parte do poder econômico e abrindo as portas para autointitulados “salvadores da pátria” cujas propostas superficiais para o combate ao desemprego passam pela retirada de mais direitos trabalhistas.

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

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