Brasil tem 2,7 milhões de menores no trabalho

Em 12 de junho, as preocupações não são – ou não deveriam ser – apenas qual é o melhor presente do Dia dos Namorados. Hoje, se comemora, pela 15ª vez, o Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil, sem muito para festejar, no entanto, especialmente no que diz respeito à evolução da mentalidade social sobre o assunto. Com o aval de boa parte dos brasileiros que ainda consideram vantajoso começar a trabalhar cedo, 2,7 milhões de crianças entre 5 e 17 anos estão nessa situação, muitas sob o argumento de que “é melhor trabalhar do que ir para o crime”. Quando a exploração é travestida de preocupação, fica mais fácil ignorar o problema social exposto diariamente nas ruas, seja na forma de pequenos vendedores ambulantes, empacotadores de compras ou vigias de carros.

Mas, apesar de o senso comum dizer o contrário, especialistas concordam que não há relação direta entre começar a trabalhar cedo e se livrar de uma trajetória de crimes. Se fosse simples assim, 85% dos detentos do Carandiru, em São Paulo, não teriam começado a trabalhar ainda na infância, como mostra a dissertação de mestrado do hoje desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná. Na verdade, a relação está mais perto de ser a contrária, já que o trabalho infantil leva muitos jovens a saírem da escola ou subaproveitarem as aulas, e a baixa escolaridade é um fator em comum entre a maioria dos presos.

Sem estudo de qualidade e explorados desde cedo, o potencial de crescimento profissional e financeiro dessas pessoas é mais baixo que o das que começaram mais tarde. A frustração, ao se dar conta disso, também é maior. Sônia (nome fictício), por exemplo, ficou três anos sem estudar quando foi trabalhar como doméstica em uma casa de família, aos 14 anos. A patroa, que se recusava a pagar um salário e controlava até o que ela vestia, não entendia o porquê de mantê-la na escola, já que a menina já tinha um emprego. “Esse é um vício que precisamos romper. Para que cresçam bem e ajudem no desenvolvimento da sociedade, crianças e adolescentes precisam estar na escola”, defende a gerente-executiva da Fundação Abrinq, Denise Cesario.

Outro obstáculo que precisa ser vencido, na opinião dela, é o de usar como exemplos pessoas que trabalharam cedo e se tornaram bem-sucedidas. “O fato é que elas se deram bem apesar disso, não por isso. São exceções bem pontuais e não refletem a grande maioria dos casos”, garante Denise. Ela acrescenta que, como o processo de escolarização fica prejudicado nessas situações, certamente a criança estará menos preparada para o mercado de trabalho. “De forma geral, ela não terá condição de ser preparar para concorrer com quem tem os direitos assegurados.”

Foi preciso muita insistência para que Sônia voltasse a frequentar uma sala de aula, e só durante a noite, após trabalhar das 6h até o último minuto antes de a professora começar a falar. Devido à rotina pesada de trabalho, quase nunca conseguia fazer os deveres de casa ou estudar. Ela terminou o ensino médio e ficou longe de crimes – e também de amizades, porque estava sempre cansada e com pressa –, mas a renda nunca evoluiu muito. Hoje, as 38 anos, Sônia continua ganhando pouco mais que um salário mínimo como empregada doméstica.

Menos chances

Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ilustra bem a relação entre trabalho precoce e a evolução educacional. Uma criança que trabalha de forma integral durante a infância diminui para apenas 25% as chances de terminar o ensino primário, constatou o autor da pesquisa, Emerson Ferreira Rocha. “Em outras palavras, pessoas que trabalharam dessa maneira têm apenas um quarto das chances de completar o ensino primário, em comparação com as que não trabalharam antes dos 18 anos”, explica o pesquisador, no estudo.

Essa relação se repete em todas as categorias de trabalho juvenil, a não ser o de adolescentes em tempo parcial. Só três em cada 10 crianças que conseguem terminar o primário e ainda trabalham têm chances de ir até o fim do ensino fundamental, comparando com as que apenas estudam. “Quem trabalhou durante a infância, de maneira geral, também não completou o ensino fundamental”, observou o pesquisador. Até entre as que, apesar do trabalho infantil, concluíram o ensino fundamental, há ainda a tendência à evasão durante o ensino médio – as chances de conclusão dessa etapa sao de 33% para as crianças que trabalham em tempo integral e de 58% para as que trabalham em tempo parcial.

Coincidentemente ou não, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram o que a maioria dos presos no Brasil são jovens e de baixa escolaridade. Dos quase 600 mil detentos, apenas 2 mil (0,4%) têm diploma de nível superior. 5,6% são analfabetos e 46% sequer terminaram o ensino fundamental.

Mesmo entre as crianças que continuam na escola, apesar do trabalho, o rendimento costuma ser bastante prejudicado. Em geral, são repetentes, não conseguem prestar atenção e estão quase sempre cansadas, afirma a ministra Kátia Magalhães Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), uma das gestoras nacionais do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho. Segundo ela, 90% das crianças que trabalham têm algum tipo de defasagem escolar. “Já teve mais evasão por esse motivo. Atualmente, com políticas públicas, é menos comum que elas se afastem completamente da escola. Mas o índice de aprendizagem é bem inferior”, pondera.

A procuradora Valesca de Morais, do Ministério Público do Trabalho (MPT), reforça que colocar uma criança para trabalhar faz com que ela se acostume a não ter os direitos respeitados. “É incompatível com o desenvolvimento social. Se ela se acostumou quando pequena, vai levar para a vida adulta. Quando crescem, elas aceitam trabalhos precários, sem carteira assinada, sem salário mínimo, porque já estão acostumadas com isso. São menos exigentes”, explica.

Fonte: Estado de Minas
Texto: Alessandra Azevedo
Data original da publicação: 12/06/2017

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