Sem que o país adote uma agenda governamental relacionada à expansão nacional, o retorno do crescimento econômico dificilmente ocorrerá.
Marcio Pochmann
Fonte: RBA
Data original da publicação: 28/01/2019
A ser mantido o prognóstico neoliberal de saída da crise na qual a economia se encontra desde 2015, o Brasil poderá chegar a 2020 inaugurando a primeira década perdida do século. Se considerar a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 2018 de 1,4%, conclui-se que os primeiros oito anos da década produziram variação média anual de ridículos 0,5% ao ano.
A última vez que o país registrou uma década definida como perdida foi nos anos 1980, cuja variação média anual do PIB foi de 1,6% (3,2 vezes maior que os oito primeiros anos da década de 2010). Nos anos 1980, o fim do regime político autoritário deixou como herança uma economia endividada e prisioneira do Fundo Monetário Internacional, contaminada por desconcertante inflação e desorganizadas contas públicas, além de generalizada pobreza e profunda desigualdade social.
Nos dias de hoje, todavia, predomina no governo o diagnóstico de que o país não consegue crescer porque o Estado se tornou obstáculo devido ao “gigantismo dos gastos que sufocam o setor privado e o impedem de fazer com que a economia volte rapidamente a se expandir”.
Nesse sentido, a superação da crise depende da continuidade aprofundada do atual curso do receituário neoliberal, único capaz de impor o brutal apequenamento estatal que libere os capitalistas para tomarem as rédeas do crescimento econômico.
Ainda que dominante, o prognóstico neoliberal encontra-se equivocado. A começar pela falsa afirmação de que o entrave está no Estado quando, na realidade, a tutela pública é parte fundamental da solução para a crise atual.
O apregoado argumento na desorganização das finanças públicas não resiste à análise da evolução das informações oficiais, uma vez que a piora nas contas governamentais não provém do abuso de gastos. Pelo contrário, deriva de significativa redução na arrecadação tributária, gerada por desaceleração e recessão da economia, desindustrialização, desonerações fiscais excessivas e outras razões.
Enquanto no período de 2007 a 2010, por exemplo, a despesa e a receita primárias cresceram relativamente parelhas (9,8% e 9,5% como média anual, respectivamente), percebe-se que no momento seguinte (2011 a 2014), a arrecadação desabou para variação média anual de 0,2% frente à desaceleração importante dos gastos de 3,5%.
Com a recessão econômica de 2015 e 2016, as receitas decresceram em -0,7% como média anual e as despesas foram concomitantemente contraídas para variação média anual de 0,6%, o que significa estabilização do gasto público, não o seu crescimento abusivo como equivocadamente tratado pelos neoliberais.
Isso, por si só, ajudaria a entender como ocorreu o agravamento do déficit primário nas contas públicas. Quanto mais cortar as despesas públicas, que influenciam a dinâmica da economia, mais difícil o país retomar o crescimento e, com isso, o obstáculo na expansão consistente das receitas governamentais.
Ademais, a trajetória de ascensão no déficit nominal do setor público encontra-se diretamente associada ao aumento da gastança, sem limites, com os juros da dívida, sempre estimulada por juros elevadíssimos pagos pelo próprio governo. O desvio dessa constatação favorece o caminho mais simples para iludir a população, prosseguindo a consolidação neoliberal da primeira década perdida do século 21.
Da mesma forma que porta-vozes do receituário neoliberal insistem em depositar nas despesas de pessoal do Governo Central a pecha de fora do controle. Ao contrário, o que se verifica no acompanhamento do total do gasto público com pessoal ativo e inativo era que para o ano de 2017, equivalia a 4,3% do PIB, enquanto em 2002, representava 4,8% do PIB.
Se considerar para o mesmo período de tempo, a evolução das despesas públicas com pessoal e juros encontra-se o principal vilão do déficit nominal. No ano de 2017, por exemplo, o pagamento com juros da dívida pública pelo governo federal foi 5,2% do PIB, ao passo que em 2002 era de 2,8% do PIB.
Resumidamente, a despesa pública com juros em 2017 foi 21% superior ao conjunto de gastos com pessoal no governo federal, enquanto em 2002, os juros da dívida pública equivaliam a 58,3% do que o governo federal comprometia com o pagamento das despesas de pessoal ativo e inativo.
Sem que o país inverta as prioridades impostas pelo neoliberalismo, o retorno do crescimento econômico dificilmente ocorrerá, o que levará a consolidar a previsão da primeira década perdida do século 21.
Por conta disso que o centro da agenda governamental deveria estar relacionado à expansão sustentada da economia nacional, com imediata implantação de plano emergencial permitindo à conta pública voltar a se acomodar, com pequenos ajustes.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.