Leonardo Sakamoto
Fonte: UOL
Data original da publicação: 16/05/2019
Jair Bolsonaro afirmou que há milhões de trabalhadores desempregados “que não têm como ter emprego porque o mundo evoluiu” e eles “não estão habilitados a enfrentar um novo mercado de trabalho, a indústria 4G”. A declaração foi dada a repórteres durante a viagem que faz a Dallas, nos Estados Unidos, e registrada pelo jornal O Globo.
O presidente, provavelmente, se referia ao termo “indústria 4.0” (pelo menos, é o que gostaríamos de acreditar), que se refere a tecnologias de automação e troca de dados. Isso inclui inteligência artificial, big data, impressão em 3D, biologia sintética. Seria uma quarta fase da revolução industrial.
Na verdade, a falta de formação nessa área não é uma questão apenas de quem está fora do mercado de trabalho. Poucos entendem o que significa essa tecnologia e um número ainda menor está preparado para atuar nessas áreas – o que será um dos grandes desafios não só para o país mas também para o mundo nas próximas décadas. Os problemas de qualificação que temos à nossa frente, contudo, são bem mais prosaicos e possíveis de serem atenuados pelo governo – desde que esse governo esteja realmente interessado.
Estamos falando, por exemplo, em combater o analfabetismo digital. Na última pesquisa disponível do IBGE, a internet chegava a 74,9% dos domicílios no Brasil. Dos 17,7 milhões lares em que não havia acesso à rede, 22% deles não contavam com alguém que sabia usar a internet. A proporção de quem tem 60 anos ou mais e acessou a internet pelo menos uma vez nos três meses anteriores à pesquisa foi de 31,1%. E isso para o básico, ou seja, o acesso. Mas precisamos de trabalhadores que saibam escrever códigos de programação. O problema é que o número de brasileiros capacitados para isso deve ser menor do que aqueles que acreditam que a Terra é plana.
“Tenho pena, tenho. Faço o que for possível, mas não posso fazer milagre, não posso obrigar ninguém a empregar ninguém”, afirmou o presidente.
Ele não precisa ter pena, muito menos obrigar alguém, até porque empregar não é um favor, mas um negócio de compra e venda de força de trabalho em nome de salário e lucro. Mas o governo deve adotar medidas e não ficar apenas apostando todas as fichas na Reforma da Previdência, na Reforma Tributária e nas privatizações de estatais.
Os 13,4 milhões de desempregados e os 28,3 milhões de subocupados não vão reduzir se a economia não sair do lugar, se o Estado brasileiro não agir com políticas para aquecer o mercado interno e gerar postos de trabalho.
Bolsonaro reclama que não tem culpa pelo alto patamar de desemprego. Nisso ele tem razão, uma vez que estamos vivendo as consequências de decisões de governos anteriores. Mas até agora não apresentou sua política nacional para o emprego e a qualificação de mão de obra – ausência que não contribui com a construção de saídas e que deve sim ser colocado em sua conta. Formar trabalhadores é fundamental não apenas para aumentar a chance de empregá-los, mas também para permitir o ganho de produtividade que o país tanto precisa.
Na mesma fala, o presidente criticou, novamente, a metodologia do cálculo de desemprego do IBGE, que segue padrões internacionais, afirmando que o número é subdimensionado.
O instituto calcula a estimativa dos que estão em busca de emprego, dos que trabalham menos do que gostariam, dos que desistir de procurar emprego porque acham que não vão encontrar e daqueles que não estão trabalhando, nem procurando serviço.
Lançar dúvidas sobre o termômetro é típico de quem não sabe atacar as causas da febre para reduzi-la.
O fato do presidente desdenhar das ferramentas de seu governo baseadas em métodos científicos, aliás, ajuda a explicar a falta de cuidado que ele tem com o financiamento da pesquisa científica e da produção de conhecimento no país.
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.