A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou a receber dados do Ministério do Trabalho e Previdência que dão conta dos buracos no orçamento destinado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) para a área em 2023.
Um dos dados que mais preocupa o grupo da equipe de transição responsável pela área de trabalho é o orçamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável por cursos profissionalizantes, segundo Clemente Ganz Lúcio, membro do grupo de trabalho e diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) entre 2004 e 2020.
Para o próximo ano, o Conselho Deliberativo do fundo indicou ao grupo a necessidade de um orçamento de aproximadamente R$ 300 milhões para investimentos e formação profissional no Brasil. O Ministério, no entanto, alocou pouco mais de R$ 20 milhões.
Ao Brasil de Fato, Ganz Lúcio comentou esse e outros dados e deu um panorama geral do que a equipe de transição tem encontrado na gestão atual, que classificou como uma “terra arrasada”. Leia os princiais trechos da entrevista:
Brasil de Fato: Qual é o tamanho do rombo de recursos no Ministério do Trabalho e Previdência?
Clemente Ganz Lúcio: Só para você ter uma ideia, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador [Codefat], que é quem aporta recursos para fazer formação profissional, indicou que o orçamento deveria reunir em torno de R$ 300 para fazer investimentos e formação profissional no Brasil todo, como proposta para o ano que vem. Esse ano também foi indicado um valor semelhante.
Mas o Ministério alocou um pouco mais de R$ 20 milhões. Portanto, em torno de 6% a 7% daquilo que foi indicado como necessário fazer. Então falta simplesmente 95% do recurso para fazer investimento em formação profissional.
Se você multiplicar por dez o que eles colocaram no orçamento, ainda vai faltar R$ 100 milhões. É uma situação dramática. Você tem que multiplicar por quinze ou vinte vezes o valor que foi colocado no orçamento.
Para gente ter noção do tamanho do problema que está posto: para fazer intermediação de mão de obra, que é buscar postos de trabalho para pessoas desempregadas, não há um centavo. Não há recurso previsto para fazer intermediação de mão de obra.
Que é um outro programa, diferente do conselho, certo?
Exatamente. No caso, o Ministério do Trabalho tem que fazer investimento em formação profissional, qualificar as pessoas, tem que pagar o seguro-desemprego e tem que permitir com que o Estado ofereça para as pessoas desempregadas oportunidades de trabalho, que é a chamada intermediação. O Estado procura posto de trabalho para aquelas pessoas que estão desempregadas. Não há recurso pra fazer esse tipo de iniciativa.
Pensando que isso é algo que deve estar presente no território brasileiro, tem estados onde o Ministério do Trabalho tem uma equipe com duas pessoas. Tem duas pessoas do Ministério do Trabalho para fazer esse serviço no estado todo. Como é que o Ministério do Trabalho naquele estado com duas pessoas vai executar uma política pública?
É como se dissesse: eu vou chegar no hospital de cinco andares, dezenas de salas, quantos profissionais tem? Tem três enfermeiros para cuidar do hospital. Mas como é que faz isso? Não dá. É impossível o país continuar com esse quadro dramático de carências.
É uma percepção de brutal abandono da máquina pública, o que é um pouco coerente com o governo presente, ou seja, um governo que diz que o Estado tem que ser mínimo e, portanto, foi abandonando toda a capacidade do Estado em executar políticas públicas.
Qual é a visão geral do que o grupo de trabalho tem encontrado?
A equipe de transição está fazendo um diagnóstico da situação do Estado brasileiro, da organização dos ministérios, das áreas, das políticas e dos programas olhando para quais políticas e quais atividades que estão sendo executadas, quais que foram paralisadas e quais que estão no congelador porque não tem recurso.
No geral, há uma identificação de uma carência estrutural de recursos orçamentários para executar as políticas públicas. Muitas das políticas públicas implementadas nos governos Lula e Dilma foram descontinuadas, encerradas ou desmobilizadas. Não é pouco. O que a gente está encontrando é uma terra arrasada. É como se a gente estivesse chegando numa cidade e encontrando todos os prédios destruídos.
Há um diagnóstico de uma situação muito difícil de ser reestruturada. O que nós vamos indicar na equipe de transição é um pouco esse quadro de diagnóstico para a futura equipe ministerial poder tomar iniciativas visando recuperar a capacidade, pelo menos parcial, do Estado, reestabelecer prioridades com o trabalho e a partir daí começar a estruturar aquilo que serão as políticas que o novo governo irá implementar.
E em outras áreas?
Ouso dizer que não haverá ministério que não terá indicação de graves problemas e de descontinuidade. Por exemplo, na questão ambiental, o grupo de transição já identificou mais de 400 atos que fragilizam nosso meio ambiente, autorizam o desmatamento, falta de fiscalização, garimpo em terra indígena…
Vai para a área de saúde, o pessoal identifica que não tem um centavo para fazer o Farmácia Popular. O SUS, a partir de janeiro não tem recurso para continuar o tratamento de câncer.
Na educação, não há um centavo para comprar livro. Então, 12 milhões de crianças ficarão sem livros nas escolas públicas. Não há recurso nem para fazer o Enem, porque não tem recurso alocado.
Para cada porta que se abre, parece que há uma tragédia. A situação dos problemas é muito desoladora do ponto de vista de olhar para tudo que precisa ser reconstruído e refeito se nós queremos de fato colocar novamente o Estado em condições de executar de forma correta e adequada as políticas públicas.
A reconstrução não será rápida e exigirá um sobretrabalho, um esforço monumental. Não só de servidores, mas também de toda a sociedade.
A PEC da Transição, ao que tudo indica, conseguirá abranger somente o Bolsa Família e num determinado período. Quais caminhos o governo de transição pretende apontar, além da proposta, para solucionar esse quadro? E também quais serão as primeiras medidas efetivas?
É provável que o futuro governo precise tratar ao longo do ano rever o Teto de Gastos, reorganizar o orçamento público e propor uma nova ordem e organização do orçamento público. A ideia deve ser a de recolocar um padrão de financiamento para o Estado, provavelmente colocando em debate uma reforma tributária para recuperar a capacidade de financiamento e reposicionar as políticas.
Tem etapas que precisarão ser seguidas pelo novo governo para poder dar conta de recolocar o Estado brasileiro em um patamar efetivo de atendimento às demandas das políticas. Não vai dar pra recuperar tudo ao mesmo tempo, e o governo vai precisar indicar prioridades, porque é impossível fazer tudo ao mesmo tempo. Provavelmente de partida faltará recurso.
Como devem se dar essas discussões no âmbito do Congresso Nacional, visto que boa parte dos parlamentares se colocarão como oposição ao governo Lula?
Essa é uma condição que o presidente Lula tem feito diretamente junto com o vice-presidente Alckmin e com os parlamentares. Esse é um objetivo que o governo eleito está construindo, que é estabelecer um padrão republicano de relação entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional, garantindo a autonomia dos poderes, com um funcionamento harmonioso entre o governo eleito, o novo Congresso e as urgências do Estado brasileiro.
Trata-se de ter uma agenda deliberativa e propositiva entre o Executivo e o Congresso Nacional. O presidente Lula tem procurado o diálogo justamente para articular e conformar essa base parlamentar que dê condições de tratamento dessas questões, o que não quer dizer que será fácil.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Caroline Oliveira
Data original da publicação: 06/12/2022