Nas primeiras duas semanas do governo de Jair Bolsonaro, parte da mídia e os investidores têm comemorado a ascensão da Bolsa de Valores. Na quinta-feira (17), por exemplo, o Ibovespa, “principal indicador da bolsa” do país, ultrapassou 95 mil pontos pela primeira vez, o que decorreria das expectativas positivas para a economia brasileira, segundo analistas. O dólar comercial, cotado a R$ 3,87 no último dia útil de 2018, fechou em R$ 3,748 na quarta-feira (16).
Mas o que a Bolsa em alta e câmbio em baixa significam para o trabalhador e a sociedade? “A valorização da Bolsa significa que uma parte dos investidores está ficando mais rica, provavelmente. Mas isso não quer dizer que as empresas necessariamente vão investir mais ou contratar mais pessoas”, diz Guilherme Mello, economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na verdade, não há uma correlação direta entre investimento, emprego e bolsa, afirma. “Você pode fazer qualquer teste estatístico que não vai encontrar essa correlação clara entre bolsa e crescimento econômico. Para o trabalhador, não faz tanta diferença a valorização da Bolsa.” A ressalva é que, em tese, considerando que as empresas estão mais valorizadas e com mais dinheiro, poderiam pensar em investimentos.
“Mas ninguém pode garantir que vão investir. E, se investirem, vão gerar empregos no Brasil? Ou vão investir, por exemplo, em máquinas e equipamentos produzidos fora do país e, portanto, até reduzir o número de empregos aqui?”, questiona Mello.
A análise do também economista Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, é semelhante. “Não existe relação direta. Depende dos motivos que influenciam esses movimentos na Bolsa. Os investidores estão apostando nesse governo, que está mostrando o que é: ruim para os trabalhadores e para a sociedade”, afirma.
Para ele, não se pode generalizar e dizer que a Bolsa subir é ruim para os trabalhadores, por exemplo, ou vice-versa. “O que tem relação direta com o interesse da sociedade são as políticas de governo, que, essas sim, podem prejudicar os trabalhadores. Basta ver a taxa de desemprego elevada e a informalidade crescente, o que não é de hoje, diga-se, mas vêm com as políticas do governo Michel Temer, agora mantidas ou intensificadas por Bolsonaro.”
Guilherme Mello observa que a composição dos investidores, hoje, “é muito curiosa”. Os estrangeiros estão “vendidos”, ou seja, tiraram dinheiro, pois sua confiança está longe de ser alta, em relação ao Brasil. “Inclusive porque, lá fora, as coisas estão complicadas e eles preferem ficar no título do Tesouro americano. Mas também pela situação brasileira, que não inspira confiança mesmo. Já os investidores brasileiros estão empolgados, e faz tempo. Já no primeiro turno da eleição, desembarcaram do PSDB e foram de cabeça para Bolsonaro. Querem políticas mais duras, tanto economicamente como em costumes.”
A questão é que, se o país voltar a crescer, isso pode dar fôlego maior a esse entusiasmo, mas se o cenário der sinais de que não há recuperação sustentável, a conjuntura muda. Para o professor da Unicamp, no curto prazo, a tendência é de valorização do câmbio e ações em alta.
Mas o cenário externo é crucial no médio e longo prazo. E ele não é promissor. “Donald Trump (presidente norte-americano) está em dificuldade. O Brexit está difícil. As bolsas, de modo geral, não estão bem e ainda há a guerra comercial entre Estados Unidos e China. Se isso continuar, a euforia inicial com o governo Bolsonaro deve se reverter”, aponta Mello.
A cotação do dólar nesta quinta (R$ 3,748) registrou leve alta pelo terceiro dia seguido, motivada pela tensão entre Estados Unidos e China, segundo o mercado. Ou seja, turbulências podem evaporar quaisquer previsões.
As expectativas dos investidores se depositam em grande parte nas privatizações e na reforma da Previdência. Neste último caso, eles esperam que os bancos ganhem muito com os fundos privados de capitalização.
Câmbio
A tendência de valorização da moeda, no longo prazo, vai minando a capacidade de competição da indústria brasileira. Não é por acaso que a China controla a taxa de câmbio e a deixa sempre suficientemente desvalorizada, para manter sua indústria competitiva.
“O câmbio (a moeda local) valorizado tem um efeito de curto prazo que parece positivo: os importados ficam mais baratos, a inflação se reduz e as pessoas sentem que podem comprar mais. Isso pode incentivar o consumo. Mas, num segundo momento, se o câmbio se mantém valorizado, é inevitável que a renda, a produtividade e o emprego caiam”, diz Guilherme Mello.
A vida do exportador fica difícil e a indústria nacional sofre. “Crescer via exportação fica mais difícil. O que sobra é crescer via mercado interno, mas aí precisa resolver a questão da renda e salário. Como isso não está sendo resolvido e tende a se agravar com a reforma da Previdência, porque as pessoas tenderão a poupar, não tem consumo das famílias e, portanto, falta investimento.”
Por fim, sobra o gasto público, um dos maiores fomentadores do crescimento. “Mas o gasto público está garroteado pela Emenda Constitucional 95 (do teto de gastos). Não sobra nada. Se isso acontecer, o otimismo dos investidores domésticos não se mantém”, conclui Mello.
Fonte: RBA
Texto: Eduardo Maretti
Data original da publicação: 18/01/2019