Poucas vezes um processo na Corte Europeia de Justiça, em Luxemburgo, causou tanto alvoroço quanto o de uma jovem romena desempregada que exigia o pagamento de benefícios sociais na Alemanha. O caso Dano tornou-se símbolo da disputa sobre a ameaça que uma onda de imigrantes pobres supostamente representaria para os fundos de seguridade e previdência social dos países mais ricos da União Europeia.
A situação de Elisabeta Dano, de 25 anos, e seu filho Florin é exemplar: ela vive desde 2010 com a irmã em Leipzig e nunca trabalhou, nem na Romênia, nem na Alemanha. As autoridades sociais lhe pagaram o Kindergeld (equivalente ao salário-família), e um adiantamento temporário para sua manutenção. Em seguida, solicitou benefícios do Hartz IV, a ajuda social para desempregados de longo prazo, mas sem sucesso. Em reação, ela abriu ação contra as autoridades. Dada a importância do caso para a jurisprudência, o Tribunal Social de Leipzig o remeteu à Corte Europeia.
Decisão clara
O veredicto proferido na terça-feira (11/11) pela corte em Luxemburgo é claro: sob certas condições, as normas europeias permitem aos países acolhedores negarem a prestação da ajuda social a imigrantes.
Para uma permanência de três meses a cinco anos, como no caso Dano, os economicamente inativos devem dispor de fundos próprios suficientes para sobreviver. Senão, o país anfitrião pode recusar benefícios a alguém que imigrou apenas para se beneficiar de seus programas de assistência. No entanto, ressalvou a Corte Europeia, cada caso deve ser examinado individualmente e o veredicto não deve ser usado para negar de forma generalizada o pagamento de benefícios sociais a imigrantes desempregados.
O caso tem como pano de fundo o conflito de interesses e de interpretação jurídica entre a Comissão Europeia e os países-membros da UE, neste caso a Alemanha. O problema acirrou-se no início deste ano, quando entrou em vigor a liberdade de circulação na UE para os cidadãos da Romênia e da Bulgária.
No contexto do caso Dano, a Comissão Europeia tomou uma posição, ao pedir que a Alemanha facilitasse o acesso aos benefícios do Hartz IV. O fato foi duramente criticado pelos políticos conservadores da União Social Cristã (CSU), partido irmão da União Democrata Cristã (CDU), da chefe de governo Angela Merkel.
Em fevereiro, Berlim criou um grupo de trabalho para elaborar novas regras com o fim de prevenir “abuso social”. Por pressão da CSU, inclui-se no debate a questão de como negar o direito ao salário-família a alguns imigrantes. Agora, a Corte Europeia de Justiça deu à política alemã pelo menos uma diretriz para a continuação do debate.
Reações positivas
“Estou feliz. É um grande veredicto”, comentou Thomas Mann, encarregado de assuntos sociais da bancada da CDU no Parlamento Europeu. Segundo ele, a corte emitiu uma mensagem clara e, sobretudo, agora há elementos para enfrentar os populistas do partido Alternativa para a Alemanha (AfD). Agora, estes não têm mais como propagar sua polêmica barata de que na Europa não há regras nem proteção contra o abuso dos sistemas sociais, diz Mann.
Sua colega social-democrata Jutta Steinruck também saudou a decisão da corte. pois “confirma a prática jurídica alemã e, sobretudo, cria uma segurança legal para as administrações municipais”. Ela se refere ao fato de que, em casos semelhantes, alguns tribunais têm expedido veredictos bem diferentes do atual. Na Renânia do Norte-Vestfália, por exemplo, alguns requerentes venceram a causa e as comunidades tiveram que pagar os benefícios.
Mas Steinruck ressalvou que, embora se deva coibir o abuso da liberdade de circulação na UE, a imigração é, em geral, um grande ganho para a Alemanha. Tampouco se deve criar uma sociedade de duas ou três classes, no tocante aos benefícios sociais: esse equilíbrio precisa ser estabelecido pela política, insistiu.
Alemanha ganha mais com imigrantes
O professor Herbert Brücker, por sua vez, critica grande parte do debate como mera retórica politicamente aquecida. “Não existe parasitismo social na Alemanha”, assegura o docente do Instituto de Pesquisa de Mercado de Trabalho e Profissões (IAB, na sigla em alemão), de Nurembergue. Afinal, ao todo foram identificados apenas 195 casos de suspeita de fraude social no pais.
Além disso, a decisão da corte de Luxemburgo significa, essencialmente, que para a Alemanha tudo continua como está. “Embora o número de beneficiários búlgaros e romenos dos programas sociais tenha aumentado em cerca de 66% durante o ano, percentualmente eles ainda estão abaixo da quota dos alemães e outros estrangeiros que obtêm o Hartz IV”, relata Brücker.
Ele aponta, ainda, que no balanço final o sistema de aposentadoria e seguro de saúde alemão ganha mais com as contribuições dos trabalhadores romenos e búlgaros, do que a previdência social gasta com eles. O IAB constatou também que, ao contrário dos preconceitos correntes, especialmente os romenos estão bastante bem integrados no mercado de trabalho alemão.
Fonte: Deutsche Welle
Texto: Barbara Wesel
Data original da publicação: 12/11/2014