Baque no emprego em 2015 pressionará mudança de hábito dos jovens e os “nem-nem-nem”

Diversos setores da economia, analistas e até o próprio governo já sentenciaram: 2015 será um ano de aperto, de muitos ajustes e de índices de crescimento com poucos dígitos – se houverem. O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV-RJ), Rodrigo Leandro de Moura, concorda e ainda prevê uma desvalorização da renda do trabalhador. Além disso, não descarta aumento no índice de desemprego. Cenário ruim, mas que para ele também pode levar a uma ruptura de um ciclo de jovens que não estão procurando emprego, trabalhando e nem estudando, os nem-nem-nem. “Isso talvez seja uma tendência. Pode começar a reverter, estabilizar ou até cair. Esses jovens serão forçados a ajudar a família. Assim, os nem-nem-nens talvez comessem a fazer parte do mercado de trabalho. E isso pode forçar um aumento da renda e participação no índice da População Economicamente Ativa – PEA”, destaca, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.

Moura ainda destaca que foi justamente a melhora do trabalho e da renda nos últimos anos que fez surgir essa geração “bancada” pelos pais, que preferiram deixar os filhos mais livres para os estudos. “Por um lado alongaram seus ciclos de estudos, mas por outro estimulou uma parcela de jovens a ficarem ociosos”, completa. Agora, diante da necessidade de reversão do quadro, pontua a educação como forma de assegurar uma melhor qualificação para quem entra no Mercado de Trabalho. Hoje, acredita que nem mesmo quem tenha ficado estudando mais consegue boas colocações. “Resumindo: tem que melhorar a qualidade da educação, que é um dos fatores para melhorar a produtividade no trabalho, para que, então, isso proporcione maior rendimento no futuro para o jovem que estuda por mais tempo”.

Nessa conversa sobre perspectivas para 2015, focando em trabalho e nos desafios para acabar com o ciclo dos nem-nem-nem, o economista ainda destaca o papel da escola e da sociedade, além do próprio governo. Políticas de distribuição de renda, ações inclusivas e o debate sobre programas de qualificação profissional eficientes e os desafios impostos a negros e jovens também estão na pauta do bate-papo.

Rodrigo Leandro de Moura é mestre e doutor em Economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (EPGE/FGV-RJ). Hoje, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV-RJ) e professor da Graduação em Economia da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EBEF/FGV-RJ). Entre os temas de sua área de pesquisa, estão mercado de trabalho e economia da educação.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os principais desafios a serem enfrentados em 2015 pelo Governo Dilma Rousseff, no que diz respeito a geração de emprego e renda?

Rodrigo Leandro de Moura – O desafio vai ser uma consequência da atual conjuntura econômica e dos ajustes que a equipe econômica vai ter que fazer. São ajustes de âmbito fiscal, como aumento de impostos, corte de gastos, e monetário, como aumento da taxa de juros. Isso deve segurar o crescimento econômico em 2014 e devemos ficar com o crescimento perto de zero e 2015. Não deve ser muito diferente disso, falando em crescimento real. E, consequentemente, esse longo período de fraco desempenho econômico, deve gerar demissões mais do que admissões e isso deve impulsionar o desemprego. E o desemprego deve tirar um pouco do poder de barganha dos trabalhadores e, consequentemente, a renda do trabalho deve crescer menos. Não deve ficar muito acima da inflação. Aliado a isso, também, tem a questão dos preços represados. Vai haver reajuste de energia elétrica, de combustível e isso deve pressionar ainda a inflação, mesmo com a economia desaquecida. Isso são fatores adicionais para segurar o crescimento real dos salários.

IHU On-Line – E, diante desse cenário, o que pode ser feito para que a taxa de desemprego não aumente?

Rodrigo Leandro de Moura – No curto prazo, pelo menos para esse ano, não tem muito que ser feito. O governo tomou algumas medidas que podem gerar um menor aumento do desemprego. Quais medidas são essas? Por exemplo, a desoneração da folha salarial. Essa desoneração, que se tornou permanente para a maior parte dos setores, foi um claro sinal de que o governo está procurando estimular a demanda por trabalho. Ou, pelo menos, segurar um pouco a retração pela demanda das empresas por novos trabalhadores. Isso deve fazer com que as demissões não sejam tão aprofundadas ou, pelo menos, incentive as empresas a reter os trabalhadores. Assim, o desemprego não deve subir tanto.

Existem outros fatores estruturais que estão ao largo das medidas do governo que podem também auxiliar para segurar o desemprego. Quais fatores são esses? Um deles é demografia. Um menor crescimento da população faz com que a população economicamente ativa venha num crescimento menor também, e isso já vem acontecendo há algum tempo. Se estiver crescendo menos, faz com que o desemprego não suba tanto . Nas regiões metropolitanas, inclusive, está caindo.

E tem o fenômeno dos nem-nem-nem, que parece que voltou a crescer, pelo menos na análise da Pesquisa Nacional pela Amostra de Domicílio – Pnad, realizada pelo IBGE, de 2012 para 2013. São jovens que não estudam, não trabalham e nem procuram emprego. O índice não está num maior nível histórico, mas está num percentual alto. Isso pode segurar ainda um pouco o índice de desemprego – já que esses jovens não estão no mercado e nem tentando entrar. E tem, ainda, os próprios jovens que ainda estão estudando num período maior.

Mas, esse ano de 2015, por todos esses fatores que citei – e que devem influenciar na perda de renda – vai forçar membros da família que não vinham participando a voltar a participar do mercado de trabalho e da geração de renda. Provavelmente a renda das famílias vai diminuir por causa da desvalorização do salário ou até porque algum membro perdeu o emprego. E esse aumento – ou recuperação – de participação na renda da família vai vir do jovem. São os que estão estudando por mais tempo ou aqueles que são nem-nem-nem que devem ajudar a recompor a renda.

IHU On-Line – Você já fala em um momento em que o jovem pode vir a deixar de ser nem-nem-nem. Mas, voltando um pouco, quais fatores levam um jovem a ser nem-nem-nem?

Rodrigo Leandro de Moura – O percentual de jovens nessa situação vem crescendo há alguns anos e isso foi impulsionado pela forte melhora na renda das famílias na década passada e início dessa década. E isso, principalmente, por causa de melhora da renda via mercado de trabalho, fez com que os pais ganhassem mais e proporcionassem para os jovens mais oportunidade de estudarem. Por um lado alongaram seus ciclos de estudos, mas por outro estimulou uma parcela de jovens a ficarem ociosos. Talvez, estudaram até um determinado período, mas pararam de estudar, não quiseram mais trabalhar e nem procurar emprego.  Talvez os pais não tenham estimulado muito, deixando os filhos mais dependentes. Essa geração de nem-nem-nem possa ter surgido por causa disso.

IHU On-Line – Então, agora, com uma possível piora na geração de renda, o senhor acredita numa reversão desse quadro?

Rodrigo Leandro de Moura – Isso talvez seja uma tendência. Pode começar a reverter, estabilizar ou até cair. Esses jovens serão forçados a ajudar a família, nesse contexto em que os membros começam a perder emprego, não ter uma renda tão boa. Assim, os nem-nem-nens talvez comessem a fazer parte do mercado de trabalho. E isso pode forçar um aumento da renda e participação no índice de População Economicamente Ativa – PEA.

IHU On-Line – Quais são os desafios de governos, escolas e da própria sociedade para quebrar esse ciclo de inércia do jovem nem-nem-nem?

Rodrigo Leandro de Moura – Não é uma solução fácil. Quando se fala nesse jovem, fala-se numa faixa etária de 15 até 24 anos. Uma parte está no Ensino Médio e outra parte no Ensino Superior. O governo tornou ou está tornando obrigatório cursar e concluir o Ensino Médio – embora a gente não saiba se realmente é cumprido. Isso é uma boa solução. Temos, também, que tentar segurar o jovem na escola. Para isso, não vejo outra forma se não melhorar a qualidade de nossas escolas, do nosso ensino. Melhorar a qualidade de nossas escolas proporcionará àqueles que estudam mais um prêmio, ganho salarial melhor.

Isso estimularia os jovens a estudar por mais tempo. Logicamente, teria também que estar associado a economia voltar a crescer e a voltar a oferecer salários altos. Mas isso, por sua vez, também depende de melhorar a produtividade do trabalho,  que tem relação direta com a qualidade de educação. A população está estudando por mais tempo, mas o ensino não é melhorado.

Resumindo: tem que melhorar a qualidade da educação, que é um dos fatores para melhorar a produtividade no trabalho, para que, então, isso proporcione maior rendimento no futuro para o jovem que estuda por mais tempo. E também é preciso adotar outras medidas para melhorar a produtividade do trabalho como: melhorar a infraestrutura, ambiente de negócios, regras regulatórias mais estáveis e claras… Isso tudo poderia gerar maior produtividade no trabalho, gerando maior crescimento e melhores oportunidades de emprego.

É preciso, ainda, aprimorar o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec. Há desistências por muitas razões. Talvez o jovem não consiga conciliar com o trabalho, o conteúdo não é voltado para o trabalho, há a questão de transporte. Enfim, mesmo sendo uma forma de ensino gratuita, tem que melhorar o desenho do Pronatec. É uma boa iniciativa. Entra justamente num gargalo que temos, de trabalhadores com Ensino Médio altamente técnicos. E isso é importante na nossa fase de desenvolvimento econômico.  Precisamos, principalmente, copiar a tecnologia de fora. Não somos tão desenvolvidos para gerar tecnologia, é preciso bons trabalhadores com Ensino Médico completo. Principalmente com ensino técnico completo. Porém, a educação profissional como um todo tem que melhorar bastante.

IHU On-Line – Levando em consideração a importância que o senhor dá para o papel da escola e da educação de qualidade para formação do jovem trabalhador, como assegurar que o jovem de periferia consiga acessar isso tudo? Lembrando que, muitas vezes,  jovens que vivem em periferias tem de buscar essa escola já estando inserido no mercado de trabalho.

Rodrigo Leandro de Moura – O que faz os jovens desistir é a baixa qualidade de ensino, a falta oferta de emprego. Precisamos tentar reduzir também a rotatividade da mão de obra, pois o jovem também troca muito de emprego. É preciso melhorar os programas de treinamento de estágios. Existem programas como os do Centro de Integração Empresa Escola – CIEE, que procuram fazer isso. No entanto, precisamos de um programa de base, de educação de base. O jovem tem que ter uma educação de base boa, com programas educacionais focados. Existem jovens que vem de estruturas familiares piores e é preciso reduzir esse degrau de desigualdade no começo do ciclo de vida. Assim, deixando todos num mesmo nível.

É, logicamente, o ensino público que tem que melhorar. Estamos falando de jovens de famílias muito pobres, que tem que cursar ensino fundamental e médio em escola pública. E aí que precisamos melhorar toda a estrutura de rede pública. Infraestrutura, carreira dos professores, salários. A sociedade demanda isso e os governos precisam fazer escolhas, dar preferência para algumas ocupações. E isso, com certeza, envolve investir mais nos professores para terem uma carreira bem definida. Acho que assim você reduz as desigualdades de oportunidades. Se o jovem tem uma base melhor, ele avança melhor, fica mais estimulado e consegue atingir níveis de ensino maiores. E tem, ainda, a questão de oferecer cursos de requalificação para aqueles que talvez tenham algum déficit educacional. Isso também é uma das razões de muitos desistirem do Pronatec. Eles tem um déficit educacional de base muito grande e chegam nas escolas técnicas de educação profissional sem conseguir absorver o conteúdo. Isso é um problema grave.

IHU On-Line – E nesse cenário, de economia apertada e pouco emprego, como vê as políticas de redistribuição de renda? Qual seu papel?

Rodrigo Leandro de Moura – A política social doa para que as pessoas principalmente mais velhas, que já não conseguem inserção no mercado de trabalho, que não tem mais como se requalificar, que talvez trabalharam muito tempo no setor informal e não tem direito à Previdência. Isso é importante. Lógico que outras políticas como o Bolsa Família tem efeito um pouco controverso. Tem alguns condicionantes importantes que faz com que obrigue o jovem a se matricular na escola. Só que o Bolsa Família, de alguma forma, desestimulou a procura pelo trabalho.

Políticas sociais são importantes para reduzir as desigualdades, principalmente a pobreza, mas é preciso tomar cuidado para não estar gerando algum incentivo perverso. O Bolsa Família tem um pouco esse problema.

Mas, ainda existe o Benefício Prestação Continuada. É um programa importante para pessoas idosas e com deficiência cuja renda familiar é bem baixa. Houve uma mudança no seguro desemprego agora também. Como estava desenhado, também gerava um objetivo perverso. Muitos trabalhadores forçavam a demissão. Muitos eram jovens e forçavam essa demissão para receber o seguro desemprego. E forçavam a demissão justamente no período de férias escolares, no final do ano. Agora, isso vai ficar um pouco mais difícil. Apesar de pegar alguns trabalhadores desprevenidos, o que é ruim, no aspecto do jovem vai obrigar ele a ir atrás, estudar, procurar um novo emprego, ficar menos dependente do seguro desemprego.

IHU On-Line – Como o senhor vê hoje os desafios enfrentados pelos negros no mercado? Acredita que, em função das questões econômicas, deve ser quem mais vai sofrer com queda de emprego e renda em 2015?

Rodrigo Leandro de Moura – Existem evidências que apontam que pode existir discriminação no mercado de trabalho com relação ao negro, tanto em termos de acesso ao emprego como discriminação salarial. Não apenas o negro, mas a mulher e os mais pobres também. São eles que sofrem mais quando o mercado de trabalho começa a desaquecer, a inflação começa a ficar mais alta. Como, infelizmente, a maior parte dos menos escolarizados são negros e pobres, é justamente esse grupo que é mais impactado quando o desemprego aumenta. Tanto em termos de perda de poder aquisitivo da renda como em termos de perda de emprego. E o jovem também, é dos que mais sofre quando há uma recessão. Então, o jovem, negro e de família pobre é o mais impactado. O jovem sofre numa recessão porque, em geral, ele está no início de um ciclo de trabalho, tem menos experiência e em geral demite-se primeiro. Como está no começo, pouco tempo no emprego, o custo da demissão dele é bem menor.

IHU On-Line – E como proteger esse negro jovem de famílias mais pobre?

Rodrigo Leandro de Moura – São necessárias políticas sociais mais focalizadas para esse grupo. Nos Estados Unidos há alguns programas que tentam acompanhar esse jovem desde a infância. Quando o programa é bem desenhado, principalmente programas de pré-escola, programas de início da educação formal, faz com que o jovem melhore muito seu desempenho ao longo da vida dentro da escola. Lógico que o investimento nele tem que ser contínuo, não adianta investir só na pré-escola e parar. E aquele que já está numa idade mais avançada, já é adolescente jovem, também precisa de políticas de prevenção. Porque o jovem, independente da raça, em geral entra no crime aos 13, 14 anos. Então, essa fase, ou até numa idade um pouco anterior a essa, é crucial. É um período crítico para você evitar a entrada do jovem no crime. Por isso é importante ter políticas sociais mais focadas nesse jovem. E, de forma geral, é esperar a economia voltar crescer, oferecer melhores empregos e aperfeiçoando. Uma forma de fazer isso é através dos programas de estágios. É preciso ter programas de governo escola. Tem que estimular mais essas parcerias, talvez oferecendo alguma isenção tributária para as empresas que fazem parcerias com escolas.

IHU On-Line – A reforma trabalhista andou pouco nesses 12 anos de Governo do PT. Tem expectativa de que haja algum avanço nesse ano que parece ser tão complicado para a economia?

Rodrigo Leandro de Moura – Não, acho que não. Porque, primeiro, isso é uma coisa que tem que ser dialogada com os sindicatos e o desemprego ainda está muito baixo. É mais fácil ser discutida uma reforma trabalhista quando o desemprego está mais alto. Eu acho isso um aspecto importante, a gente poder flexibilizar mais as relações trabalhistas para que se mantenha um desemprego mais baixo. Infelizmente, nem acordos entre patrões e trabalhadores dentro da mesma empresa são respeitados. Não pelos empregados ou patrões, mas na verdade não são válidos pela própria Justiça do Trabalho. Muitas vezes são feitos acordos, a Justiça do Trabalho entra no meio e dá ganho de causa muitas vezes para os trabalhadores. Então, acho que é importante avançar na questão da flexibilização porque isso também é uma das formas de impulsionar a produtividade do trabalho e manter o desemprego no nível baixo. Lógico, quando há uma recessão, quando o mercado de trabalho está mais flexível o emprego aumenta mais rápido, mas quando sai da recessão o desemprego cai mais bem rapidamente. Seria necessário avançar nessa reforma, mas acho que dificilmente vai conseguir isso.

IHU On-Line – Gostaria de destacar mais alguma questão?

Rodrigo Leandro de Moura – De fato acho, que esse ano a gente ainda vai ter uma deterioração do mercado de trabalho. A taxa de desemprego ainda vai ficar baixa e vamos ver se recupera em 2016. Isso é importante para que o desemprego não continue crescendo em 2016.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
Entrevistador: João Vitor Santos
Data original da publicação: 22/01/2015

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