A precarização pode criar dificuldades estruturais e, portanto, de longo prazo para uma retomada mais adequada às possibilidades e às necessidades da população.
Lauro Veiga Filho
Fonte: GGN
Data original da publicação: 18/03/2022
A crise sanitária, causada pelo SARS-CoV-2, provocou redução “sem precedentes” tanto na força de trabalho, formada por pessoas com emprego e desempregadas, mas que ainda buscavam colocação no mercado, quanto no total de ocupados, na descrição dos economistas Janaína Feijó e Paulo Peruchetti, assistente de pesquisa da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), refletindo um consenso entre especialistas nesta área. A pandemia causou estragos maiores entre aqueles trabalhadores que já estavam na informalidade, empregados principalmente no setor de serviços e com níveis de escolarização mais baixos.
O mercado passou a ensaiar uma recuperação depois de ter atingido a maior taxa de desemprego na série histórica recente, com os 13,8% registrados ao longo de 2020 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 2012. Os microdados da pesquisa, divulgados recentemente, apontam Janaína e Peruchetti, mostram, no entanto, que parte relevante dessa recuperação se deve à expansão do número de trabalhadores informais, que tendem a ser menos escolarizados e estão em funções que remuneram mal”.
Não se trata de mera situação conjuntural, a ser facilmente superada quando a economia conseguir se livrar da atual equipe econômica e de seu desgoverno e voltar a crescer de forma mais constante e substancial. A precarização pode criar dificuldades estruturais e, portanto, de longo prazo para uma retomada mais adequada às possibilidades e às necessidades da população. “Nesse sentido, um problema que já existia antes da pandemia, tem se acentuado no pós-pandemia, revelando a persistente fragilidade com a qual o mercado de trabalho tem se deparado ao longo dos últimos anos”, pontuam Janaína e Peruchetti.
Dúvidas persistentes
No quarto trimestre de 2021, segundo a PNADC, o total de pessoas ocupadas chegou a 95,7 milhões, depois de cair para níveis historicamente reduzidos, superando ligeiramente os níveis de 2019, constatam os economistas. Esse comportamento levou a taxa de desocupação para 11,1% no trimestre final do ano passado, “nível um pouco mais baixo do que o observado no trimestre imediatamente anterior (12,6%) e se aproximando dos patamares registrados no final de 2019”, anota a dupla de economistas em estudo divulgado no Blog do Ibre. A retomada “lenta e gradual” os indicadores do mercado de trabalho, acrescentam Janaína e Peruchetti, não foi potente o suficiente para desfazer as “muitas dúvidas” que ainda permanecem em relação à “qualidade da recuperação do emprego e sobre o enfretamento de velhos problemas que foram intensificados durante a pandemia da Covid-19”.
Janaína e Peruchetti observam, num exemplo, que uma “parte relevante dessa recuperação se deve à expansão do número de trabalhadores informais, que tendem a ser menos escolarizados e estão em funções que remuneram mal”. Esse “quadro de fragilidade” ganha maior evidência ainda quando se considera o “elevado número de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas”. São pessoas com 14 anos ou mais que trabalham menos de 40 horas semanais, mas que estariam dispostas a trabalhar mais para assegurar o seu sustento e de suas famílias.
O total “de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas vem crescendo consideravelmente desde o fim da recessão econômica de 2014-2016”, observam eles. No quatro trimestre de 2015, a PNADC registrava 4,1 milhões de trabalhadores subocupados, total que cresceu em torno de 66% até o mesmo período de 2019, passando a somar 6,9 milhões de pessoas – quer dizer, um aumento de pouco mais de 2,7 milhões de pessoas naquelas condições “em apenas quatro anos”, em grandes números.
Aquela tendência foi interrompida momentaneamente em 2020, “mais precisamente no auge da pandemia, no segundo trimestre, e se deve ao fato de que muitas pessoas deixaram de trabalhar e saíram da força de trabalho”, prosseguem Janaína e Peruchetti. Num momento seguinte, já em 2021, a recuperação do nível de emprego veio acompanhada e impulsionada também pelo avanço renovado do número de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas.
Subocupados e informais
Entre o segundo trimestre de 2020 e o mesmo período do ano seguinte, aquele contingente aumentou em algo próximo a 8,7%. “Embora no quarto trimestre de 2021 tenha ocorrido uma desaceleração em relação aos trimestres anteriores, o nível ainda permanece muito elevado (7,4 milhões de pessoas, em tono de 7,7% do total de empregados no Brasil), inclusive quando comparado com o reportado no quatro trimestre de 2019”. Nessa comparação, o total de subocupados continuava, no final de 2021, quase 7,0% acima dos níveis observados dois anos antes.
A tendência preocupa, entre outros fatores, indicam Janaína e Peruchetti, porque 84% dos subocupados encontram-se no setor informal, sem direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, sem Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e sem Previdência. São ocupações que pagam, na média, salários muito mais baixos. Os dois economistas mostram que a remuneração média dos subocupados por insuficiência de horas, no quatro trimestre de 2021, era equivalente a 37,5% dos salários de quem não estava naquela condição. Mais precisamente, o rendimento atingia R$ 965 mensais, em termos reais, diante de R$ 2.570 para os demais, ou seja, 62% mais baixos. “Este cenário é extremamente preocupante pois reforça e retroalimenta a situação de precarização da mão-de-obra”, constatam Janaína e Peruchetti.
Distribuição regional e nível de ensino
Nordeste e Sudeste abrigavam, ao final do ano passado, respectivamente 38,0% e 37,8% das pessoas subocupadas. Mas no quarto trimestre de 2015 a proporção havia sido bem maior no Nordeste, com a fatia da região chegando a 45,8% diante de 30,5% no Sudeste, onde esse tipo de fragilidade parece ter se agravado em maior velocidade no período. De toda forma, a situação continuava mais grave entre os nordestinos, já que os subocupados respondiam por 13% da mão de obra, frente a 8,3% no Norte, 6,5% no Sudeste, 4,8% e 5,0% no Sul e no Centro-Oeste, pela ordem.
Os subocupados sem ensino médio completo correspondiam a 48,5% dos subocupados, chegando a 37,2% entre aqueles com ensino médio completo e ensino superior incompleto. Apenas 14,4% tinham ensino superior completo (acima dos 10,4% anotados em 2015). No trimestre final de 2021, 54,9% dos subocupados eram mulheres e 64% se identificavam como pardos ou negros.
Houve uma mudança de intensidade nesses dados também. As pessoas com ensino médio incompleto representavam 59,8% dos subocupados até o quatro trimestre de 2015, chegando a 29,8% no caso dos trabalhadores com ensino médio completo e ensino superior incompleto. Assim, em torno de 40,2% dos subocupados tinham ensino médio e superior completos, fatia que subiu para 51,6% no quarto trimestre de 2021.
Lauro Veiga Filho é jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.