Austeridade para a aposentadoria

Em um governo pressionado pela crise econômica, uma posição assumida no início de 2015 pode se inverter drasticamente em poucos meses. Em sua primeira entrevista após assumir o Ministério da Previdência, Carlos Gabas criticou os descontos nos vencimentos dos aposentados pelo fator previdenciário e defendeu um novo cálculo para as aposentadorias: mulheres teriam direito integral ao teto do INSS caso o tempo de contribuição e sua idade somassem 85 anos. No caso dos homens, a soma deveria ficar em 95 anos. A proposta, como o próprio ministro frisou em fevereiro, era uma demanda conjunta das centrais.

Na segunda-feira 15, Gabas aderiu, porém, ao discurso de austeridade da equipe econômica. Segundo ele, seria um “caos” se o mecanismo 85/95, aprovado pelo Congresso, fosse sancionado pela presidenta Dilma Rousseff e afirmou que a nova regra geraria um gasto extra de cerca de 3 trilhões de reais nos próximos 45 anos. Dilma viu-se em uma situação delicada: as previsões catastróficas de seu subordinado incentivavam o veto. Ao mesmo tempo, impor uma derrota aos trabalhadores e ao Congresso poderia azedar ainda mais uma relação já bastante abalada.<

Na quarta 17, Dilma buscou o consenso. A presidenta vetou o projeto aprovado no Congresso e editou a Medida Provisória nº 676. No novo texto, a fórmula 85/95 valerá até o fim do próximo ano. A partir de 2017, o mecanismo será gradativamente acrescido em 1 ponto até 2022, quando exigirá que a soma da idade com o tempo de contribuição seja de 90 anos para as mulheres e 100 para os homens. Com a fórmula progressiva, o governo estima economizar 50 bilhões de reais até 2026.

Enfrentar o rombo da Previdência é inevitável em um país cuja população envelhece exponencialmente e viverá uma transição demográfica a partir de 2030. Na segunda 15, Gabas apresentou aos presidentes das centrais uma previsão tenebrosa, na tentativa de convencê-los da necessidade de se buscar uma “alternativa sustentável”. Segundo as projeções do Ministério da Previdência, se hoje nove trabalhadores sustentam um aposentado, serão apenas dois em 2060. A principal crítica do governo sobre estabelecer o mecanismo 85/95 sem a progressão era o fato de ele não acompanhar o incremento na expectativa de vida da população. Segundo as estimativas, a taxa, atualmente em 73,5 anos, deve chegar a 81,2 anos em 2060.

Do ponto de vista social, é complexo medir o impacto das novas medidas. Os profissionais mais humildes, que tendem a começar a trabalhar mais cedo, eram os mais prejudicados pelo fator previdenciário. Para não sofrerem descontos em suas aposentadorias, mulheres precisavam estar na ativa até os 60 anos e homens até os 65. Ao valorizar também o tempo de contribuição, a nova fórmula favorece na teoria aqueles que ingressaram de forma precoce no mercado de trabalho. Por outro lado, integrantes das classes C e D tendem a passar menos tempo em empregos formais ao longo de sua carreira. Sob este aspecto, a aposentadoria com base no tempo de contribuição pode ser prejudicial.

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Especialistas divergem sobre o novo mecanismo. O economista Eduardo Fagnani, da Unicamp, acredita que as novas regras corrigem a injustiça do fator previdenciário, mas continuam rígidas em comparação aos parâmetros internacionais. “Poucos países do mundo exigem 35 anos de contribuição para alguém com 60 anos. Muitos sequer exigem tempo de contribuição, apenas tempo de trabalho.” Sobre o aumento progressivo do mecanismo, Fagnani define: “É uma jabuticaba”.

Já o economista Marcelo Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, acredita que uma regra baseada na idade mínima seria mais justa. “O novo mecanismo beneficia principalmente as classes média e alta. Os segmentos mais pobres raramente se aposentam por tempo de contribuição, pois tendem a permanecer por um período menor em um emprego formal.” Segundo Caetano, a fórmula trará uma economia aos cofres da Previdência nos próximos cinco anos. “Agora, muitos devem adiar a aposentadoria para ter direito integral ao benefício.” A médio e longo prazo, o especialista acha, porém, que o efeito da prorrogação será sobreposto pelo aumento no valor dos benefícios e pelo ingresso de mais cidadãos no sistema previdenciário.

Embora reconheça que parte das previsões pessimistas do governo esteja contaminada pela conjuntura econômica, Caetano ressalta o problema estrutural da Previdência. “Devíamos ter aproveitado o momento das vacas gordas para fazer um reforma ampla.” Fagnani, por sua vez, ataca a política de juros atual. “Com um gasto de pouco mais de 10% do PIB, a Previdência beneficia diretamente quase 30 milhões de brasileiros. Mas a taxa de juros fixada em 14% beneficia apenas uma dezena de rentistas e custa ainda mais ao Estado.”

Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores, valoriza a conquista do 85/95, mas vai discutir com o Congresso e o governo a nova proposta. “Queremos amenizar a progressividade.” Por não abarcar o interesse dos trabalhadores com menor estabilidade profissional, Freitas defende que o novo mecanismo seja transitório. “Por isso, queremos discutir não apenas a Previdência, mas todo o sistema de seguridade social e sua sustentabilidade. Temos de aumentar a taxação das fortunas e combater a sonegação de impostos.”

A decisão de Dilma representa uma vitória parcial para as centrais e apazigua a revolta dos trabalhadores com as mudanças que dificultam o acesso ao seguro-desemprego, sancionadas também na quarta 17. Não é, porém, definitiva. O Congresso, diante do veto, pode voltar a discutir o tema.

Fonte: Carta Capital
Texto: Miguel Martins
Data original da publicação: 26/06/2015

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