Pode-se dizer que a economia é uma ciência onde a defasagem de tempo entre causa e efeito, aliada ao advento das big datas e as grandes crises das últimas décadas, abre a necessidade de uma revisão das teorias consideradas dogmáticas.
Os novos caminhos da pesquisa econômica foram o tema da TV GGN Nova Economia desta quinta-feira, onde o jornalista Luis Nassif conversou com os economistas Leda Paulani, João Furtado e Gabriel Galípolo.
Professora titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, Leda Paulani lembra que a relação entre a teoria econômica e a realidade atual “sempre foi complexa, desde os inícios da ciência econômica”.
“Tem uma história da ciência econômica que está, de certa forma, relacionada com os eventos da realidade e que cujos desdobramentos se veem até hoje”, diz Leda, lembrando da retirada das classes da teoria econômica após a grande crise da metade do século XIX.
“A ciência econômica nasce com as classes sociais (trabalhadores, empresários, proprietarios de terra, latifundiários, a pequena burguesia, os profissionais liberais), ela nasce com as classes sociais, como variáveis da teoria econômica – e a revolução marginalista abole as classes”, diz a professora. “Não existe mais classe, só os agentes econômicos – todos nós somos agentes econômicos, ora produtores ora consumidores e ponto”.
Isso abriu espaço para a elaboração de modelos onde todos são considerados indivíduos iguais, dando origem ao conceito de microeconomia (teoria dominante até meados do século XX). “A crise de 1929 enseja uma série de discussões dentro da teoria econômica e o surgimento do Keynes – que vai jogar muitos dos pressupostos da teoria econômica por terra e vai criar uma nova área da pesquisa econômica que é a macroeconomia”.
Embora Keynes tenha dominado as discussões até o começo dos anos 70, ele passa a dar lugar aos liberais do ponto de vista econômico, que passaram a ocupar os espaços a partir do final dos anos 70. “Os dogmas neoliberais que tem por trás de si a teoria economia mainstream voltam com tudo, e eles começam a dominar tudo”, diz a professora da FEA-USP. Contudo, a acadêmica diz que os modelos estão colocados em xeque desde a crise de 2008 e após a pandemia de covid-19.
Os conflitos sociais por trás da economia
Nassif lembra que os conflitos em torno das teorias econômicas tem por base a luta de classes. “Essa questão dos cartéis: a escola de Chicago traz a teoria de que com mobilidade de capitais você não tinha mais a questão do cartel, e então o nascimento de superempresas permitia ganhos de escalas sem ter os problemas da concentração… No fundo você tem um interesse do mercado, interesse financeiro de um lado e o interesse do setor produtivo do outro”.
Contudo, o que chama a atenção é a forma como a opinião pública aceita de forma acrítica.
Segundo João Furtado, professor da USP, a chamada revolução marginalista (que afirma que o preço final de qualquer produto é também determinado pela relação oferta/demanda, não somente pelo custo de produção) “foi uma forma que os interesses dominantes encontraram para esconder o conflito social e a existência de diferentes perspectivas na sociedade”.
“Nós deixamos de ser trabalhadores, capitalistas, latifundiários, deixamos de ter esses indivíduos que estavam presentes nas ideias econômicas há pelo menos 200, 250 anos e agora somos todos iguais”, diz Furtado.
“Esta operação de magia é uma operação fundamental, é o primeiro passo porque depois vem outros passos – o passo da repetição, da imprensa que desde há muito tempo ouve sempre as mesmas pessoas que dizem sempre as mesmas coisas”, diz Furtado.
Como reverter esse quadro?
Sócio-diretor da Galípolo Consultoria, Gabriel Galípolo lembra do período em que atuava em um grande banco. “Quando você municiava demais de informação aqueles que vão tomar decisões (gestores, aqueles que estão sentados em uma mesa), você corre o risco de atrapalhar o sujeito, porque se você estiver muita informação, você talvez não tenha convicção, você tenha dúvidas”.
Depois de estranhar como o processo dessas convicções entre agentes de mercado era feita, Galípolo diz que “em algum momento acontece uma mágica e aquilo se transforma em uma coisa externa, ela se aliena e ela virou uma coisa que foi imposta, que surgiu ali e que não surgiu do mercado, não surgiu desse consenso da conversa, mas surgiu de um mercado que é uma coisa externa, que tá imposta”.
E diante dessas imposições e do questionamento dos dogmas existentes por conta da crise, Galípolo diz que a “a economia vai precisar da ajuda das outras áreas de conhecimento neste momento de crise (…) A minha sensação é que a economia nasce e se desenvolve à sombra da luz que a física gerou”.
O economista ressalta que, na verdade, “o dinheiro é tempo, e não que o tempo é dinheiro – e o dinheiro subverteu a lógica da brincadeira”.
“A economia tem duas dois tipos de linha: uma linha que tem dinheiro e tem tempo, um tempo que não é sempre igual”, diz Galípolo, lembrando que esse raciocínio tem em Karl Marx seu ponto de partida. “Do outro lado, você tem essa turma do dinheiro neutro, que se você emitir dinheiro você gera inflação”.
Sobre o impacto da crise de 2008 na teoria econômica, Galípolo diz que a crise “faz o mesmo estrago para a teoria quantitativa da moeda que ter colocado um ser humano na lua por terraplanismo . Ficou uma coisa tão sem sentido, tão desconexa da realidade, que se você assistir o que falou o presidente do Fed ele disse o seguinte ‘meus queridos, a gente não sabe muito bem o que a gente está fazendo, a gente não entende muito bem como isso aqui funciona e então nós vamos fazer devagar”.
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Fonte: GGN
Data original da publicação: 28/01/2022