Associações de Juízes e Procuradores do Trabalho lamentam lei de terceirização geral

Na noite da última quarta-feira (22/03), foi tirado da gaveta e aprovado a toque de caixa um projeto de lei de 1998 que permite, dentre tantas outras pautas, a terceirização total das atividades pelas empresas. O projeto que irá agora para a sanção presidencial contou com a articulação do próprio Michel Temer, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (PMDB-RJ), o presidente do Senado Eunício Oliveira (PMDB-CE), os quais decidiram priorizar uma lei do então governo FHC e deixou de lado o texto articulado por Eduardo Cunha, em 2015.

No meio jurídico, o projeto gerou indignação. Tanto a Associação dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), quanto a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), emitiram nota de repúdio ao projeto de lei.

Para a Anamatra, cuja nota tem repercutido muito nas redes sociais, a proposta, induvidosamente, acarretará para milhões de trabalhadores no Brasil o rebaixamento de salários e de suas condições de trabalho, instituindo como regra a precarização nas relações laborais.

A Associação lamentou o projeto e lembrou dos danos da terceirização: “não se pode deixar de lembrar a elevada taxa de rotatividade que acomete os profissionais terceirizados, que trabalham em média 3 horas a mais que os empregados diretos, além de ficarem em média 2,7 anos no emprego intermediado, enquanto os contratados permanentes ficam em seus postos de trabalho, em média, por 5,8 anos”.

Já a Associação dos Procuradores destacou que “o tratamento discriminatório conhecidamente dispensado aos trabalhadores terceirizados faz com que a remuneração destes seja, em geral, bastante inferior àquela paga aos trabalhadores diretos (em média, 25 a 30% a menos), mesmo quando estes possuem a mesma qualificação acadêmica dos não terceirizados”.

Em um último ato de esperança por um ato favorável ao trabalhador vindo de quem justamente conspirou para a aprovação dessa medida, a ANPT conclamou Michel Temer “a vetar integralmente o referido projeto de lei, preservando, com isso, a dignidade e a vida do trabalhador brasileiro e o valor social do trabalho, fundamentos basilares da República Federativa do Brasil”.

Veja a nota da Anamatra na íntegra

1 – A proposta, induvidosamente, acarretará para milhões de trabalhadores no Brasil o rebaixamento de salários e de suas condições de trabalho, instituindo como regra a precarização nas relações laborais.

2 – O projeto agrava o quadro em que hoje se encontram aproximadamente 12 milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de contratados diretamente, números que podem ser invertidos com a aprovação do texto hoje apreciado.

3 – Não se pode deixar de lembrar a elevada taxa de rotatividade que acomete os profissionais terceirizados, que trabalham em média 3 horas a mais que os empregados diretos, além de ficarem em média 2,7 anos no emprego intermediado, enquanto os contratados permanentes ficam em seus postos de trabalho, em média, por 5,8 anos.

4 – O já elevado número de acidentes de trabalho no Brasil (de dez acidentes, oito acontecem com empregados terceirizados) tende a ser agravado ainda mais, gerando prejuízos para esses trabalhadores, para a Sistema Único de Saúde e para Previdência Social que, além do mais, sofrerá impactos negativos até mesmo pela redução global de recolhimentos mensais, fruto de um projeto completamente incoerente e que só gera proveito para o poder econômico.

5 – A aprovação da proposta, induvidosamente, colide com os compromissos de proteção à cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho previstos no art. 1º da Constituição Federal que, também em seu artigo 3º, estabelece como objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

6 – A Anamatra lamenta a aprovação do PL nº 4302/98, firme na certeza de que não se trata de matéria de interesse do povo brasileiro e de que a medida contribuirá apenas para o empobrecimento da nação e de seus trabalhadores.

7 – Desse modo, conclama o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Dr. Michel Temer, a vetar o projeto, única hipótese de afirmar os princípios constitucionais que asseguram dignidade e a cidadania aos trabalhadores.

Veja a nota da ANPT na íntegra

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), entidade que congrega os membros do Ministério Público do Trabalho (MPT) de todo o país, vem a público, tendo em vista a aprovação, na data de ontem, pela Câmara dos Deputados do PL 4.302/1998, que libera a terceirização para todas as atividades, sem quaisquer garantias para os trabalhadores, expor sua posição oficial sobre os efeitos que referido projeto de lei trará ao país e às relações de trabalho no Brasil, caso venha a ser sancionado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República.

É certo que, atualmente, o Estado Brasileiro já vive um estágio de hiperterceirização, com mais de 12 milhões de trabalhadores terceirizados, o que equivale a cerca de 27% do número total de trabalhadores com contrato de trabalho formalizado. Com a aprovação do PL nº 4.302/1998, a regra será o trabalhador ser terceirizado, invertendo toda a lógica bilateral-protetiva do Direito do Trabalho.

Ao contrário do alegado pelos seus defensores, o incremento da terceirização agravará a crise econômica vivenciada pelo nosso país e contribuirá sobremaneira para o aumento dos índices de desemprego no Brasil, hoje em torno de 13 milhões de pessoas, pois se sabe que os trabalhadores terceirizados enfrentam uma maior rotatividade no emprego, com tempo médio de permanência no trabalho de 2,6 anos, enquanto os trabalhadores diretos ficam, em média, 5,8 anos no mesmo posto.

É público e notório que a terceirização, de um modo geral, tem causado a degradação das relações de trabalho no Brasil, com redução significativa dos direitos dos trabalhadores e da qualidade do emprego. A estratégia de otimização dos lucros mediante a terceirização está fortemente baseada na precarização do trabalho. A presença de um terceiro, no caso a empresa terceirizada, entre a empresa tomadora-contratante e o trabalhador, certamente gerará uma significativa redução de salários e benefícios e de investimentos em qualificação profissional e em saúde e segurança do trabalho, tendo em vista que ambas as empresas terão que obter lucro nessa relação trilateral, que só acontecerá à custa dos direitos dos trabalhadores terceirizados, fato que causará certamente o empobrecimento geral da classe trabalhadora e uma ainda maior concentração de renda no nosso país.

Dentre seus principais efeitos danosos para os trabalhadores brasileiros encontram-se o descaso com as condições de saúde e segurança no trabalho, a redução de direitos, a exigência de jornadas excessivas ou superiores aos limites legais, a maior rotatividade no emprego e a dispersão e falta da representatividade sindical.

Os acidentes e as mortes no trabalho são a faceta mais terrível da terceirização no país. Dados estatísticos comprovam que os trabalhadores terceirizados estão muitos mais sujeitos a infortúnios no local de trabalho do que os trabalhadores contratados diretamente. De cada 10 acidentes de trabalho, 8 acontecem com terceirizados; de cada 5 mortes por acidente de trabalho, 4 são de terceirizados. A falta de investimento em segurança e de treinamento e a pouca capacidade técnica e econômica das empresas contratadas são os principais fatores. Setores como o da construção civil, o petrolífero e o elétrico estão dentre os campeões de acidentes de trabalho entre terceirizados. Apenas em 2011, das 79 mortes corridas no setor elétrico, 61 foram de trabalhadores de empresas terceirizadas (dados da Fundação Comitê de Gestão Empresaria – COGE). Esses números alarmantes impactam profundamente nos cofres do Sistema Único de Saúde e da Previdência Social, gerando gastos com atendimentos hospitalares e com pagamento de benefícios previdenciários, impactando negativamente todo o sistema de Seguridade Social.

Além de estarem muito mais sujeitos a acidentes e mortes no trabalho, o tratamento discriminatório conhecidamente dispensado aos trabalhadores terceirizados faz com que a remuneração destes seja, em geral, bastante inferior àquela paga aos trabalhadores diretos (em média, 25 a 30% a menos), mesmo quando estes possuem a mesma qualificação acadêmica dos não terceirizados.

Não bastasse a remuneração bem menor, os trabalhadores terceirizados realizam uma jornada de trabalho semanal de 3 horas a mais do que os trabalhadores diretos.

Além de todos esses prejuízos sociais, a terceirização indiscriminada, liberada com a aprovação do PL 4.302, trará como consequência, caso não vetada, a não inclusão social de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, vez que com a pulverização do desenvolvimento das atividades da empresa tomadora mediante contratação de empresas terceirizadas, haverá muito menos empresas com mais de 100 funcionários, aquelas que, por força do art. 93 da Lei nº 8.213/1193, tem a obrigação legal de contratar pessoas com deficiência, o que gerará ainda mais exclusão social a esses cidadãos.

Não bastassem esses efeitos maléficos para os trabalhadores, ao permitir a terceirização sem quaisquer limites e garantias, o PL 4.302 agravará ainda mais a crise econômica e de arrecadação do Estado, pois, ao permitir a redução material de direitos e benefícios, mediante a diminuição significativa da renda do trabalhador, acarretará a redução da arrecadação de impostos. Além do mais, o projeto trará como consequência o aumento da sonegação fiscal e do não recolhimento de impostos, tendo em vista ser comum que as empresas terceirizadas, por não possuírem, em geral, uma razoável capacidade econômica, acabam por não honrar todos os compromissos fiscais, trabalhistas e previdenciários.

A aprovação do PL 4302 também permitirá a terceirização irrestrita no serviço público, em clara burla à regra constitucional do concurso público, o que trará, sobremaneira, uma diminuição da eficiência do Estado, já tão deficiente na prestação de serviços, vez que se sabe que, em muitas das vezes, o trabalhador passa a prestar serviços para o Estado com o pagamento de alguma “dívida” de campanha, sendo seu compromisso como seu padrinho político, em detrimento do interesse público. Fora isso, há casos em que a terceirização no serviço público tem sido utilizada para irrigar campanhas de políticos como uma “troca” pelo fechamento de contratos com o Poder Público, situações que possivelmente aumentarão nesse novo cenário.

Assim, considerando a experiência e a forte atuação da ANPT, do MPT e dos seus procuradores no âmbito da terceirização, não há dúvidas de que a aprovação do PL nº 4.302/1998, ou seja, liberando a terceirização para quaisquer das atividades das empresas e do Estado, incrementará os índices de desemprego no Brasil, possibilitará a redução material de direitos dos trabalhadores brasileiros, dentre eles remuneração e benefícios, e, sobretudo, aumentará os índices de acidentes de trabalho, inclusive fatais, e de doenças ocupacionais no Brasil, o que representará imenso retrocesso social para nosso país, expandindo a desigualdade social presente na sociedade brasileira.

Ante todas essas razões, cabe à Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, entidade representativa dos membros do Ministério Público do Trabalho, órgão constitucional incumbido da defesa da ordem jurídica trabalhista e dos direitos sociais e individuais indisponíveis dos trabalhadores alertar o Excelentíssimo Senhor Presidente da República das consequências nefastas que o texto do PL 4.302 acarretará ao Brasil e a seu povo, conclamando Sua Excelência a vetar integralmente o referido projeto de lei, preservando, com isso, a dignidade e a vida do trabalhador brasileiro e o valor social do trabalho, fundamentos basilares da República Federativa do Brasil.

Fonte: Justificando
Data original da publicação:  24/03/2017

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