por Charles Soveral
O assédio moral vem sendo usado como um instrumento para que alguns gestores apliquem no serviço público a lógica administrativa mercantilista, que estabelece uma concorrida competição, submetendo muitos trabalhadores a um regime de violência e pânico. A opinião é de José Roberto Montes Heloani, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na área de Gestão, Saúde e Subjetividade. O entrevistado esteve em Porto Alegre no dia 4 de novembro participando do II Seminário Assédio Moral – Estado, Poder e Assédio, organizado por diversas instituições no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Conforme Heloani, o Brasil, assim como ocorre em muitos países periféricos ao capitalismo central, vive uma privatização do serviço público. Ele explica que a lógica aplicada nas empresas privadas passou a vigorar paulatinamente também no setor público. “Esse fenômeno chegou a todas as áreas públicas, com destaque na Saúde e Educação, que eram áreas onde o assédio moral era uma exceção e hoje tristemente se tornou uma rotina”, denuncia ele.
O pesquisador da Unicamp observa que áreas como a própria Justiça e até mesmo setores como as polícias Federal e Militar não estão imunes a esse tipo de violência contra os trabalhadores. “A Polícia Federal, hoje em dia, é um paradigma em matéria de suicídio. O número de policiais federais que se matam é inacreditável. Na Polícia Militar, acontece a mesma coisa. As universidades seguem o mesmo caminho e isso dá bem a medida do que estamos vivenciando”.
Para Heloani, é necessário reconhecer que o assédio moral é algo grave que pode destruir a vida de uma pessoa. “É fundamental perceber que esse fenômeno, muitas vezes, é construído de forma pensada para submeter os trabalhadores a uma lógica mercantilista mesmo no serviço público. É preciso enfrentar a questão não apenas no campo jurídico, mas também no político e no gerencial como uma reação organizada e efetiva, especialmente as organizações de defesa dos trabalhadores como os sindicatos, que nem sempre estão preparados para a questão”, observa ele.
Heloani trabalha com o conceito de assédio moral há mais de duas décadas. Ele se aproximou do tema no decorrer de sua careira acadêmica. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Heloani, que fez mestrado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas/SP e doutorado em Psicologia pela PUC-SP, viu o assédio moral ganhar grandes proporções quando o Brasil abriu as portas para os conceitos advindos da globalização produtiva. “A preocupação com o tema veio naturalmente, quando ficou evidente que as ondas de globalização e novos conceitos do trabalho começaram a chegar ao Brasil. Eu percebia os efeitos desta nova lógica em todos os lugares já a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990”, relembra ele.
Para o pesquisador da Unicamp, atualmente já está disseminado o conceito de assédio moral, mas as formas de combatê-lo ainda são pouco eficazes. Para agravar o quadro, certo número de pessoas aceita que um colega ou companheiro de trabalho seja vítima dessa violência e se calam para evitar que eles mesmos percam seu espaço no trabalho. “O isolamento da vítima é muito eficaz como prática de assédio moral. Um exemplo clássico é o caso do trabalhador que nunca é avisado sobre as reuniões ou, quando é avisado, é sempre em cima da hora. Ou ele não participa ou quando participa não está suficientemente preparado. Assim, aquele trabalhador, por conta dessa situação, perde o retorno das coisas que estão acontecendo no ambiente de trabalho, perde a concentração, acaba por decrescer em termos produtivos e reforça os argumentos de que ele já não é uma peça útil dentro da organização”, assinala.
Destaca o professor da Unicamp que a vítima é isolada, sofre uma tortura psicológica contínua e é removida até dos círculos de convivência, acabando por desenvolver a depressão e ficando muitas vezes sem o apoio da própria família. “É o crime com ‘luvas de pelica’, o crime quase perfeito que não deixa rastros. O pior é que isso funciona muitíssimo bem. O resultado muitas vezes pode ser trágico”, conclui ele.