O Assédio Moral só se viabiliza a partir da cumplicidade dos demais, solapando a solidariedade e a cooperação entre os indivíduos, até mesmo porque quem silencia hoje pode ser a vítima amanhã.
Ivanira Pancheri
Fonte: Estado de Direito
Data original da publicação: 06/11/2017
A hodierna crise ética que permeia a sociedade brasileira e também, internacional, por óbvio, favorece o Assédio Moral. É indispensável assim, reconhecer a dimensão ética no Assédio Moral, ou melhor, a absoluta ausência de qualquer conteúdo de eticidade. Noutras palavras, impossível compreender o fenômeno do Assédio Moral do trabalho alijado desta situação disfuncional e violenta que o Brasil, e o mundo, tem vivenciado.
Destarte, necessita-se vislumbrar a relação antiética ou aética nas condutas dos assediadores, antecipando o exame do problema, num enfrentamento prévio, com redução de danos materiais e humanos. Observe:
“O manipulador do assédio moral é movido por diversas motivações, que variam da inveja ao desejo de poder. Porém, qualquer que seja a motivação, revela um desvirtuamento de caráter; deixa de praticar certas ações que contemplam a ética e a moral, para realizar propósitos mesquinhos e sem nenhum conteúdo de nobreza, afastando-se assim da busca e da conquista do bem.” (1)
Além disso, ao lado da atávica personalidade do assediante, há todo um microcosmo que propicia o Assédio Moral: cuida-se de um sistema totalmente refratário ao Homem e ao trabalho humanizado.
Atualmente, diante da globalização, do capitalismo, da economia neoliberal, cujo discurso traduz-se na competição, no lucro, na maior produtividade, no menor custo operacional, na redução de postos de trabalho, fácil é a propagação do Assédio Moral, porque inexiste qualquer respeito à dignidade do ser humano de quem se cobra marcos inalcançáveis e inexecutáveis em detrimento de sua saúde física, mental e social dentro de um ambiente laboral tóxico gerido de maneira cruel e arbitrária e irresponsável para com o indivíduo.
Desta feita, relevante perceber que o Assédio Moral atinge as bases de qualquer democracia constitucional ao desrespeitar a Dignidade do Trabalhador. E, assegurar o tratamento do empregado sob os Direitos Humanos torna-se ordinário comando ético. Constatar a coisificação do trabalhador, o injusto trato desigual a que o assediado é submetido, sua violenta estigmatização são imprescindíveis para a sensibilização de todos e para o entendimento real do problema com vistas a desenvolver políticas públicas e barrar o Assédio Moral.
Cogente é aperceber que o Assédio Moral só se viabiliza a partir da cumplicidade dos demais, solapando a solidariedade e a cooperação entre os indivíduos, até mesmo porque quem silencia hoje pode ser a vítima amanhã. E, ainda que o “bom ambiente laboral” seja indiscutivelmente responsabilidade do empregador – iniciativa privada ou administração pública – estamos a discutir sobre um problema ético-moral que a todos nós se apresenta.
Enfim, o custo ético do Assédio Moral não se cinge aos tristes desfechos fatais que, por muitas vezes, acometem as vítimas, mas também ao peso da defesa inexorável de uma natureza humanizada.
Atente: “Segundo Confúcio, ‘uma injustiça feita a um só homem é uma ameaça para toda gente’. (…). Tais ensinamentos demonstram a repercussão no seio da sociedade em relação a determinados atos, mesmo quando cometidos contra uma só pessoa.
Assim o é em relação ao assédio moral, direcionado a uma vítima, mas com repercussões sociais devastadoras.” (2)
Reconhecer afinal, este estado de guerra de eticidade traz-nos a responsabilidade para o nosso cotidiano, na promoção de desenvolvimento de uma sociedade ética e justa.
Referências
(1) SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Ética e Assédio Moral: uma visão filosófica. Disponível em: http://www.sociologia.org.br/tex/pscl82ibes.htm. Acesso em: 01 ago. 2015.
(2) Ibidem.
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.