Por que os capitalistas fazem de tudo para não promover o pleno emprego? Porque enfraquece seu poder sobre os trabalhadores. O economista marxista polonês Michal Kalecki explicou cada detalhe dessa pervertida equação.
Michał Kalecki
Fonte: Jacobin Brasil
Tradução: José Carlos Ruy
Data original da publicação: 30/09/2020
Propostas recentes feitas pelos socialistas para um programa nacional de garantia do emprego colocaram o pleno emprego – que já foi objeto central do debate político no mundo industrializado – de volta à agenda. Mas o pleno emprego é mais do que uma questão técnica. Toca na contradição política mais sensível da sociedade capitalista: o equilíbrio de poder entre trabalho e capital.
Um dos primeiros autores a explorar este tema foi o economista polonês Michal Kalecki, autor do clássico ensaio Aspectos políticos do pleno emprego (1943).
Escrevendo em um momento em que a economia keynesiana começava a penetrar na discussão política no Ocidente, Kalecki advertiu que uma política de pleno emprego, após o fim da guerra (que ocorreu em 1945) exigiria a superação dos grandes obstáculos políticos representados pelos capitalistas e seus representantes.
O pleno emprego, escreveu Kalecki, causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo ímpeto à oposição empresarial. A demissão deixaria de ter seu papel como medida disciplinar. A posição social do chefe seria minada, e a autoconfiança e consciência de classe dos trabalhadores cresceria. “Disciplina nas fábricas” e “estabilidade política” são mais apreciadas do que os lucros pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe diz-lhes que o pleno emprego duradouro não é bom do ponto de vista do capital, e que o desemprego é parte integrante do sistema capitalista “normal”.
Apresentamos a seguir o texto completo da análise presciente de Kalecki.
Atualmente uma sólida maioria de economistas pensa que, mesmo num sistema capitalista, o pleno emprego pode ser assegurado por um programa de gastos governamentais, desde que exista um plano adequado para empregar toda a força de trabalho existente e forneça suprimentos adequados.
Se o governo realiza investimentos públicos (por exemplo, constrói escolas, hospitais e rodovias) ou subsidia o consumo de massa (por abonos familiares, redução da tributação indireta ou subsídios para manter baixos os preços dos bens de primeira necessidade) e se, além disso, essas despesas são financiadas por empréstimo e não por tributação (que poderia afetar negativamente o investimento privado e o consumo), a demanda efetiva por bens e serviços pode aumentar até o ponto em que o pleno emprego seja alcançado. Os gastos do governo aumentam o emprego não só direta, mas indiretamente, uma vez que a renda mais elevada que resulta dele leva a um aumento secundário na demanda por bens de consumo e investimento.
Pode se perguntar onde o público obterá o dinheiro para emprestar ao governo se ele não reduzir seu investimento e consumo. Para entender esse processo, é melhor imaginar por um momento que o governo pague seus fornecedores em títulos públicos. Em geral, os fornecedores não reterão esses títulos, mas os colocarão em circulação ao comprar outros bens e serviços, e assim por diante, até que finalmente esses valores mobiliários alcancem pessoas ou empresas que os retêm como ativos que rendem juros. Em qualquer período de tempo, o aumento total de títulos públicos em posse (transitória ou final) de pessoas e empresas será igual aos bens e serviços vendidos ao governo. Assim, o que a economia empresta ao governo são bens e serviços cuja produção é “financiada” por títulos públicos. Na realidade, o governo paga os serviços, não em títulos, mas em dinheiro, mas emite simultaneamente títulos e, assim, drena o dinheiro; e isso é equivalente ao processo imaginário descrito acima.
O que acontece, no entanto, se o público não está disposto a absorver todo o aumento dos títulos do governo? Oferecerá finalmente aos bancos a aquisição de dinheiro (notas ou depósitos) em troca deles. Se os bancos aceitarem essa oferta, a taxa de juros será mantida. Caso contrário, os preços dos títulos cairão, o que significa um aumento na taxa de juros, e isso estimulará o público a deter mais títulos. Segue-se que a taxa de juros depende da política bancária, em particular da do banco central. Se esta política visa manter a taxa de juros em um determinado nível, isso pode ser facilmente alcançado, por maior que seja a quantidade de empréstimos do governo. Tal foi e é a posição na guerra atual [a Segunda Grande- NR]. Apesar dos déficits orçamentários astronômicos, a taxa de juros não aumentou desde o início de 1940.
Pode-se objetar que as despesas do governo financiadas por empréstimos causarão inflação. Para isso, pode-se responder que a demanda efetiva criada pelo governo age como qualquer outro aumento na demanda. Se mão de obra, plantas e matérias-primas estrangeiras estão em ampla oferta, o aumento da demanda é atendido pelo aumento na produção. Mas, se o ponto de pleno emprego for atingido e a demanda efetiva continuar a aumentar, os preços subirão de modo a equilibrar a demanda e a oferta de bens e serviços. (Na situação de excesso de emprego de recursos como o que testemunhamos atualmente na economia de guerra, um aumento inflacionário dos preços foi evitado apenas na medida em que a demanda efetiva por bens de consumo foi reduzida pelo racionamento e pela taxação direta). Segue-se que, se o objetivo da intervenção do governo é alcançar o pleno emprego, mas deixa de aumentar a demanda efetiva que pode provocar, não há necessidade de ter medo da inflação.
Esta é uma apresentação crua e incompleta da doutrina econômica do pleno emprego. Mas é suficiente para familiarizar o leitor com a essência da doutrina e assim capacitá-lo a seguir a discussão subseqüente dos problemas políticos envolvidos.
É preciso afirmar, primeiro, que, embora a maioria dos economistas esteja de acordo em que o pleno emprego pode ser alcançado através dos gastos do governo, esse não foi o caso, nem mesmo no passado recente. Entre os opositores dessa doutrina, havia (e ainda existem) proeminentes “especialistas econômicos” intimamente ligados ao setor bancário e à indústria.
Isso sugere que há uma base política na oposição à doutrina do pleno emprego, embora os argumentos avançados sejam econômicos. Isso não quer dizer que as pessoas que os defendem não acreditam em sua economia, embora isso seja ruim. Mas a obstinada ignorância é geralmente uma manifestação de motivos políticos subjacentes.
Há, no entanto, indicações ainda mais diretas de que uma questão política de primeira classe está em jogo aqui. Na Grande Depressão, na década de 1930, os grandes negócios sempre se opuseram a experimentos para aumentar o emprego pelos gastos do governo em todos os países, exceto na Alemanha nazista. Isso se viu claramente nos EUA (oposição ao New Deal), na França (o experimento de Leon Blum [primeiro ministro socialista, 1936-1937, 1938, e depois em 1946-1947 – NR]) e na Alemanha antes de Hitler. Não é fácil explicar essa atitude. Claramente, maior geração de emprego beneficia não só os trabalhadores, mas também os empresários, porque seus lucros aumentam. E a política de pleno emprego descrita acima não prejudica os lucros porque não envolve qualquer tributação adicional. Na crise, os empresários anseiam por um boom; mas por quê não aceitam de bom grado o boom sintético que o governo é capaz de oferecer? É essa questão difícil e fascinante com a qual pretendemos lidar neste artigo.
As razões para a oposição dos “líderes industriais” ao pleno emprego que os gastos do governo permitem podem ser subdivididas em três categorias: (1) não gostam da interferência do governo na questão do emprego como tal; (2) não gostam da direção dos gastos do governo (investimento público e subsídio ao consumo); (3) não gostam das mudanças sociais e políticas decorrentes da manutenção do pleno emprego.
Examinaremos cada uma dessas três categorias de objeções à política de ação do governo em detalhes.
Vamos tratar primeiro da relutância dos “capitães da indústria” em aceitar a intervenção do governo em matéria de emprego. Toda ampliação da atividade do Estado é encarada com suspeita pelos empresários, mas a criação de emprego pelos gastos do governo tem um aspecto especial que torna a oposição particularmente intensa. Sob um sistema de laissez-faire, o nível de emprego depende em grande parte do chamado “estado de confiança”. Se isso deteriorar, o investimento privado declina, levando a uma queda da produção e do emprego (tanto diretamente como por efeito da queda da renda sobre o consumo e o investimento). Isso permite aos capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política do governo: tudo o que pode abalar o estado de confiança deve ser cuidadosamente evitado, porque causaria uma crise econômica. Mas uma vez que o governo aprende o truque de aumentar o emprego por meio de suas próprias compras, esse poderoso dispositivo de controle perde sua eficácia. Portanto, os déficits orçamentários necessários para realizar a intervenção do governo são considerados perigosos. A função social da doutrina das “finanças sólidas” é tornar o nível de emprego dependente do estado de confiança.
A antipatia dos líderes empresariais por uma política de gastos do governo torna-se ainda mais aguda quando se considera onde o dinheiro seria gasto: o investimento público e o subsídio ao consumo de massa.
Os princípios econômicos da intervenção do governo exigem que o investimento público seja restrito a objetos que não competem com os negócios privados (por exemplo, hospitais, escolas, rodovias). Caso contrário, a lucratividade do investimento privado poderia ser prejudicada, e o efeito positivo do investimento público sobre o emprego compensado, pelo efeito negativo do declínio do investimento privado. Essa concepção combina muito bem com os empresários. Mas o escopo para investimentos públicos desse tipo é bastante limitado, e existe o perigo de que o governo, ao adotar essa política, possa eventualmente ser tentado a nacionalizar transportes ou serviços públicos de modo a ganhar uma nova esfera de investimento.
Poder-se-ia, portanto, esperar que os líderes empresariais e seus especialistas fossem mais favoráveis aos subsídios ao consumo de massa (por meio de abonos familiares, subsídios para manter baixos os preços de artigos de primeira necessidade etc.) do que ao investimento público; pois, ao subsidiar o consumo, o governo não estaria embarcando em nenhum tipo de empreendimento. Na prática, no entanto, esse não é o caso. De fato, subsidiar o consumo de massa é combatido muito mais violentamente por esses especialistas do que o investimento público. Pois aqui está em jogo um princípio moral da mais alta importância. Os fundamentos da ética capitalista exigem que “você ganhará seu pão com seu suor” – a menos que você tenha meios privados.
Consideramos as razões políticas da oposição à criação de emprego pelos gastos do governo. Mesmo que essa oposição fosse superada – como pode ocorrer sob a pressão das massas – a manutenção do pleno emprego causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo ímpeto à oposição empresarial. De fato, sob um regime de pleno emprego permanente, as demissões perderiam seu papel como medida disciplinar. A posição social do chefe seria minada e a autoconfiança e a consciência de classe dos trabalhadores aumentariam. Greves por aumentos de salário e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política. É verdade que os lucros seriam maiores sob um regime de pleno emprego do que sob o laissez-faire, e mesmo o aumento dos salários resultante do maior poder de barganha dos trabalhadores, sendo menos provável a redução nos lucros do que o aumento nos preços e, portanto, afetando negativamente apenas os interesses rentistas. Mas “disciplina nas fábricas” e “estabilidade política” são mais apreciadas do que os lucros pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe diz-lhes que o pleno emprego duradouro não é saudável do seu ponto de vista, e que o desemprego é parte integrante do sistema capitalista “normal”.
Uma das funções importantes do fascismo, como tipificado pelo sistema nazista, foi remover as objeções capitalistas ao pleno emprego.
A aversão à política de gastos do governo como tal é superada sob o fascismo pelo fato de que a máquina estatal está sob o controle direto da parceria entre grandes empresas e o fascismo. A necessidade do mito de “finanças sólidas”, que serviu para impedir o governo de compensar uma crise de confiança por gastos públicos, deixa de existir. Em uma democracia, não se sabe como será o próximo governo. Sob o fascismo não há governo próximo.
A antipatia pelos gastos do governo, seja com investimento ou consumo público, é superada pela concentração de gastos públicos em armamentos. Finalmente, “disciplina nas fábricas” e “estabilidade política” em regime de pleno emprego são mantidas pela “nova ordem”, que vai desde a supressão dos sindicatos até os campos de concentração. A pressão política substitui a pressão econômica do desemprego.
O fato dos armamentos serem a espinha dorsal da política de pleno emprego fascista exerce uma profunda influência sobre o caráter econômico dessa política. Os armamentos em larga escala são inseparáveis da expansão das forças armadas e da preparação de planos para uma guerra de conquista. Eles também induzem ao rearmamento competitivo de outros países. Isso faz com que o objetivo principal dos gastos passe gradualmente do pleno emprego para assegurar o efeito máximo do rearmamento. Como resultado, o emprego torna-se “excessivo”. O desemprego não é apenas abolido, mas uma aguda escassez de trabalho prevalece. Gargalos surgem em todas as esferas, e estes devem ser tratados pela criação de um grande número de controles. Essa economia tem muitas características de uma economia planejada, e às vezes é comparada, de maneira ignorante, ao socialismo. No entanto, esse tipo de planejamento está fadado a aparecer sempre que uma economia coloca para si um certo alvo de produção elevada em uma esfera particular, quando se torna uma economia-alvo da qual a economia de armamento é um caso especial. Uma economia de armamentos envolve, em particular, a redução do consumo em comparação com o que poderia haver sob o pleno emprego.
O sistema fascista começa com a superação do desemprego, desenvolve-se em uma economia de armamento e termina inevitavelmente em guerra.
Qual será o resultado prático da oposição a uma política de pleno emprego pelos gastos governamentais em uma democracia capitalista? Vamos, adiante, tentar responder a esta questão com base na análise das razões para essa oposição. Argumentamos que se pode esperar a oposição dos líderes da indústria em três planos: (1) oposição em princípio aos gastos do governo com base em um déficit orçamentário; (2) oposição a este gasto direcionado tanto para o investimento público – que pode prenunciar a intrusão do Estado nas novas esferas de atividade econômica – quanto para subsidiar o consumo de massa; (3) oposição à manutenção do pleno emprego e não apenas à prevenção de quedas profundas e prolongadas.
É preciso reconhecer que o estágio em que os “líderes empresariais” poderiam se dar ao luxo de opor-se a qualquer tipo de intervenção governamental para aliviar uma recessão é mais ou menos passado. Três fatores contribuíram para isso: (1) pleno emprego durante a atual guerra; (2) desenvolvimento da doutrina econômica do pleno emprego; (3) em parte como resultado desses dois fatores, o slogan “O desemprego nunca mais” está agora profundamente enraizado na consciência das massas. Esta posição é refletida nos recentes pronunciamentos dos “capitães da indústria” e seus especialistas. Há acordo sobre a necessidade de que “algo deve ser feito na queda”; mas a luta continua, em primeiro lugar, sobre o que deve ser feito durante a recessão (ou seja, qual deve ser a direção da intervenção do governo) e em segundo lugar, o que deve ser feito apenas na recessão (ou seja, apenas para aliviar as quedas em vez de assegurar permanente pleno emprego).
Nas discussões atuais sobre esses problemas, surge aqui e ali idéia de neutralizar a recessão, estimulando o investimento privado. Isso pode ser feito diminuindo a taxa de juros, reduzindo o imposto de renda ou subsidiando o investimento privado diretamente. Que esse esquema deva ser atraente para os negócios não é surpreendente. O empreendedor continua sendo o meio pelo qual a intervenção é conduzida. Se ele não sentir confiança na situação política, ele não investirá. E a intervenção não envolve o governo nem em “brincar” (investimento público) ou “desperdiçar dinheiro” em subsidiar o consumo.
Pode-se mostrar, no entanto, que o estímulo ao investimento privado não fornece um método adequado para prevenir o desemprego em massa. Existem duas alternativas a serem consideradas aqui. (1) A taxa de juros ou imposto de renda (ou ambos) é reduzida drasticamente na queda e aumentada no boom. Nesse caso, tanto o período quanto a amplitude do ciclo de negócios serão reduzidos, mas o emprego não apenas na recessão, mas mesmo no boom pode estar longe de estar cheio, ou seja, o desemprego médio pode ser considerável, embora suas flutuações sejam menores. (2) A taxa de juros ou imposto de renda é reduzida na queda, mas não aumentada no boom subsequente. Nesse caso, o boom durará mais, mas deve terminar em uma nova recessão: uma redução na taxa de juros ou imposto de renda não elimina, é claro, as forças que causam flutuações cíclicas em uma economia capitalista. Na nova crise, será necessário reduzir a taxa de juros ou o imposto de renda novamente e assim por diante. Assim, num futuro não muito remoto, a taxa de juros teria que ser negativa e o imposto de renda teria que ser substituído por um subsídio de renda. O mesmo aconteceria se fosse tentado manter o pleno emprego estimulando o investimento privado: a taxa de juros e o imposto de renda teriam que ser reduzidos continuamente.
Além desta fraqueza fundamental do combate ao desemprego estimulando o investimento privado, existe uma dificuldade prática. A reação dos empresários às medidas descritas é incerta. Em certas situações, eles podem ter uma visão muito pessimista do futuro, e a redução da taxa de juros ou imposto de renda pode então por muito tempo ter pouco ou nenhum efeito sobre o investimento e, portanto, sobre o nível de produção e emprego.
Mesmo aqueles que advogam o estímulo ao investimento privado para combater a depressão freqüentemente não se baseiam exclusivamente nele, mas imaginam que deveria estar associado ao investimento público. No momento, parece que os líderes empresariais e seus especialistas (pelo menos alguns deles) tenderiam a aceitar um investimento público financiado pelo empréstimo como meio de aliviar as quedas. Parecem, no entanto, continuar a ser consistentemente contrários à criação de emprego e ao subsídio ao consumo, mantendo o pleno emprego.
Esse estado de coisas talvez seja sintomático do futuro regime econômico das democracias capitalistas. Na crise, seja sob a pressão das massas, ou mesmo sem ela, o investimento público financiado por empréstimos será assumido para evitar o desemprego em grande escala. Mas, se forem feitas tentativas de aplicar esse método a fim de manter o alto nível de emprego alcançado no boom subsequente, é provável que haja forte oposição por parte de líderes empresariais. Como já foi argumentado, o pleno emprego duradouro não é do seu agrado. Os trabalhadores “sairiam do controle” e os “capitães da indústria” estariam ansiosos para “ensinar-lhes uma lição”. Além disso, o aumento de preços na recuperação é desvantajoso para pequenos e grandes arrendatários.
Nessa situação, é provável que uma aliança poderosa surja entre os grandes negócios e os acionistas rentistas, e provavelmente encontrariam mais de um economista para declarar que a situação era manifestamente infundada. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes empresas – que em geral têm influência sobre o governo – provavelmente induziria o governo a retomar a política ortodoxa de reduzir o déficit orçamentário. Uma queda se seguiria, na qual a política de gastos do governo voltaria a ser adotada.
Esse padrão político de ciclo de negócios não é inteiramente conjectural; algo muito semelhante aconteceu nos EUA em 1937-38. O colapso do boom no segundo semestre de 1937 foi devido à drástica redução do déficit orçamentário. Por outro lado, na aguda crise que se seguiu, o governo rapidamente reverteu para uma política de gastos.
O regime do ciclo político dos negócios seria uma restauração artificial da posição tal como existia no capitalismo do século 19. O pleno emprego seria alcançado apenas no auge do boom, mas as quedas seriam relativamente leves e de curta duração.
Um progressista deve estar satisfeito com um regime do ciclo político de negócios, como descrito acima? Acho que deveria se opor a isso por dois motivos: (1) não garante o pleno emprego duradouro; (2) a intervenção do governo está vinculada ao investimento público e não abraça o subsídio ao consumo. O que as massas agora pedem não é a mitigação das quedas, mas a sua total abolição. Nem o uso mais completo dos recursos resultantes deve ser aplicado a investimentos públicos indesejados apenas para fornecer trabalho. O programa de gastos do governo deve ser dedicado ao investimento público apenas na medida em que tal investimento seja realmente necessário. O restante dos gastos governamentais necessários para manter o pleno emprego deve ser usado para subsidiar o consumo (por meio de abonos às famílias, aposentadorias por idade, redução da tributação indireta e subsídio de necessidades). Os opositores de tais gastos públicos dizem que o governo não terá nada a ganhar com isso. A resposta é que a contrapartida desse gasto será o maior padrão de vida das massas. Não é este o propósito de toda atividade econômica?
O “capitalismo de pleno emprego” terá, é claro, que desenvolver novas instituições sociais e políticas que refletirão o aumento do poder da classe trabalhadora. Se o capitalismo puder se ajustar ao pleno emprego, terá incorporado uma reforma fundamental. Caso contrário, ele se mostrará como um sistema fora de moda que deve ser superado.
Mas talvez a luta pelo pleno emprego possa levar ao fascismo? Talvez o capitalismo se ajuste dessa forma ao pleno emprego? Isso parece extremamente improvável. O fascismo surgiu na Alemanha contra um fundo de enorme desemprego, e se manteve no poder pela garantia de pleno emprego, enquanto a democracia capitalista não conseguiu fazê-lo. A luta das forças progressistas pelo emprego é, ao mesmo tempo, um meio de impedir o retorno do fascismo.
Michał Kalecki (1899–1970) foi um economista polonês.