O despertar do Chile, as eleições na Bolivia, o fracasso de Macri, na Argentina, ainda não foram suficientes para despertar a chamada inteligentzia brasileira.
Luis Nassif
Fonte: GGN
Data original da publicação: 27/10/2020
A definição abaixo está em um blog de Análise de Economia em Tempo Real.
O aluno entra no curso de economia e aprende como agentes racionais atuam em mercados sem atrito, produzindo um resultado que é melhor para todos. Só mais tarde aprende as distorções e perversidades que caracterizam o comportamento econômico real, como práticas anticompetitivas ou mercado financeiros instáveis. Conforma os alunos avançam, há uma tendência crescente para a elegância matemática. Quando o mundo real, mais feio, se intromete, levanta-se uma questão central: isso está muito bem na prática, mas como funciona na teoria?
Há muito tempo, a economia tornou-se uma arma de guerra ideológica. Por analisar fenômenos complexos, permite as chamadas carteiradas acadêmicas, o sujeito escudando-se em um diploma em faculdade conceituada, expondo relações de causalidade claramente falsas, que não resistem à mais leve observação empírica.
Foi assim no Chile de Pinochet. Se reduzir o Estado, privatizar a Previdência, os serviços de saúde, as estatais, haverá um dinamismo econômico em que todos ganharão. 40 anos depois, os chilenos encaram o fracasso e a incapacidade do Estado nacional de oferecer segurança aos seus cidadãos.
Um plebiscito aprovou uma Constituinte exclusiva para definir um novo modelo de país, reinstituindo direitos e garantias fundamentais, abolidos com a privatização selvagem que acometeu o país.
Mas chama a atenção a demora em reverter o desenho instituído pelo ditador Pinochet. Passaram pelo poder vários presidentes de centro-esquerda. Qual a razão para tanta demora em corrigir falhas que eram nítidas há décadas?
Aí entra um ponto complicado. O modelo Pinochet consolidou grandes grupos financeiros, que adquiriram enorme poder de influência no Estado. Foi necessário uma crise da proporção da atual para remover essas resistências.
O mesmo aconteceu com o Brasil em todo o período Lula-Dilma. Avançaram-se em várias políticas sociais relevantes. Mas os pontos macroeconômicos centrais – políticas monetária e cambial – foram mantidos intocados, para não descontentar o enorme poder político conquistado pelo setor financeiro.
Acontece que esse tipo de modelo ultraliberal – inaugurado mundialmente no Chile de Pinochet e na Argentina dos generais e, depois, de governos peronistas, não tem viabilidade política porque não atende a dois princípios básicos: 1. Promover o desenvolvimento; 2. Promover bem estar social.
Não se alcançam esses objetivos, devido ao foco central dessas políticas, que é atender às demandas dos grandes grupos, o que passa pela redução dos gastos sociais, pelos cortes em políticas de desenvolvimento, pela privatização selvagem, sem analisar os impactos sobre a economia em geral. Sem a atuação do Estado, o capitalismo tende à concentração econômica e não há maneiras de consolidar políticas sociais.
As políticas econômicas se tornam totalmente subordinadas aos interesses imediatos do capital financeiro e a incapacidade de afrontar esses interesses faz com que os governos não se vejam com condições de corrigir o rumo da política econômica, para impedir grandes desastres. Foi assim com José Alfredo Martinez de Hoz, Ministro da Economia do regime militar argentino; e com Domingo Cavallo, Ministro da Economia do governo Menem. O objetivo único é subordinar as políticas monetária e cambial aos interesses dos grupos de influência e desmontar todo serviço público que possa interessar ao setor privado, como educação, saúde, segurança.
Por isso mesmo, esse modelo só consegue ter vida longa em regimes ditatoriais.
A repetição dos erros se deve, primeiro, à dificuldade do cidadão comum entender relações de causa e efeito de medidas econômicas. Por exemplo, como explicar ao cidadão americano comum que a economia explodindo no início do governo Trump se devia a medidas tomadas, antes, por Barak Obama?
O despertar do Chile, as eleições na Bolívia, o fracasso de Macri, na Argentina, ainda não foram suficientes para despertar a chamada inteligentzia brasileira. A enorme mediocridade dos principais poderes – Supremo, mídia, Congresso, Forças Armadas -, a influência intocada do mercado, fará com que a ficha só caia mais adiante, após mais alguns anos do mais longo processo de recessão inútil da história.
Luís Nassif é jornalista. Foi colunista e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, escrevendo por muitos anos sobre economia neste jornal. Nas composições que faz dos possíveis cenários econômicos, não deixa de analisar áreas correlatas que também são relevantes na economia, como o sistema de Ciência & Tecnologia.