As consequências fiscais do Burnout

FAP pune empresas que não investem em saúde e segurança no trabalho e bonifica aquelas que investem.

Henrique Wagner de Lima Dias e Mariana Monte Alegre de Paiva

Fonte: Jota
Data original da publicação: 02/03/2022

Especialmente durante a pandemia da COVID-19, observou-se um considerável aumento de pessoas diagnosticadas com a denominada síndrome de “Burnout”, seja em razão das incertezas e medo gerados pela pandemia, seja pelas abruptas alterações nas formas de relacionamento interpessoais e profissionais[1].

A disseminação mundial dessa síndrome chamou a atenção da Organização Mundial da Saúde (“OMS”) que, em 1º de janeiro de 2022, enquadrou o Burnout (QD85) à Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11), no capítulo específico que diz respeito a enfermidades associadas ao emprego ou desemprego[2].

No âmbito trabalhista, o Burnout tem gerado bastante controvérsia em relação à responsabilidade das empresas em indenizar os empregados que são acometidos por essa enfermidade. Recentemente, ao analisar um caso envolvendo outras doenças psicológicas e Burnout, o Tribunal Regional do Trabalho (“TRT”) da 2ª Região entendeu que somente por meio de prova pericial médica poderiam ser analisadas patologias que possam estar relacionadas, direta ou indiretamente, com o labor prestado pelo trabalhador, bem como a existência, ou não, de outros fatores no surgimento ou agravamento da doença.

Para fins fiscais, ainda que tal classificação tenha entrado em vigor pela OMS somente a partir de janeiro de 2022, diversos contribuintes se depararam com o Burnout no cômputo do Fator Acidentário de Prevenção (“FAP”) de 2022, que leva em consideração exclusivamente os eventos ocorridos nos estabelecimentos nos períodos entre 2019 e 2020.

Vale lembrar que, para o cômputo do FAP, índice que varia entre 0,5000 e 2,0000 e é multiplicado pela alíquota de 1%, 2% ou 3% de SAT/RAT (“Seguro Acidente do Trabalho/Riscos Ambientais do Trabalho”) incidente sobre a folha de salários, a Previdência Social considera como benefícios especialmente aqueles que possuem relação entre o agravo e o trabalho desenvolvido pelo empregado.

Em síntese, quanto mais acidentes e doenças no estabelecimento empresarial, maior o custo da Previdência na concessão de benefícios previdenciários, maior o índice de FAP e, consequentemente, mais elevado o custo tributário mensal da empresa.

Como se verifica, o FAP atua como “malus” ou “bonus”, isto é, pune empresas que não investem em saúde e segurança no trabalho e bonifica aquelas que investem, podendo dobrar ou reduzir pela metade a alíquota de SAT/RAT incidente sobre a folha de salários.

Nesse contexto, e traçando um paralelo com o recente posicionamento proferido pela Corte Trabalhista de que deve ser comprovado que a patologia desenvolvida pelo empregado tem de estar relacionada com o labor prestado pelo trabalhador, seria possível argumentar que a imputação automática do Burnout ao cômputo do FAP das empresas seria indevida, especialmente em relação aos períodos anteriores à classificação da OMS (2022).

Portanto, em razão das recentes imputações automáticas no cômputo do FAP sem a devida análise das provas concretas de cada caso, as empresas devem se atentar para o risco da tributação previdenciária advinda da síndrome de Burnout.

Notas

[1] Saúde mental dos trabalhadores piora na pandemia: 70% estão nervosos, tensos ou preocupados. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/emprego/saude-mental-dos-trabalhadores-piora-na-pandemia-70-estao-nervosos-tensos-ou-preocupados-25239635.

[2] “QD85. Burnout. Problems associated with employment or unemployment”. Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://id.who.int/icd/entity/129180281.

Henrique Wagner de Lima Dias é Associado da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.

Mariana Monte Alegre de Paiva é Associada de Pinheiro Neto Advogados.

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