As condições de trabalho dos estivadores nos portos de Santos e Lisboa

Há mais de três mil estivadores na ativa atualmente no porto de Santos. Parte deles sofre de problemas de saúde como lombalgias, dores no joelho e fadiga crônica devido às condições de trabalho a que são submetidos.

A constatação não é nova. Um trabalho acadêmico publicado no início do ano, e realizado com financiamento do CNPq e da Fapesp (agências de fomento à pesquisa), esmiuçou mais uma vez a questão, comparando os trabalhadores do porto santista com os de Lisboa. Foram 453 entrevistados no litoral paulista (entre 2008 e 2011) e 140 em Portugal (em estudo no ano de 2015).

Responsável pelo trabalho, a pesquisadora da Unifesp Maria de Fátima Queiroz observou a rotina dos portuários em Santos e em Lisboa, além de fazer um levantamento de dados históricos e aplicar um questionário de 191 questões aos participantes. Nele, indagava sobre a ocorrência de acidentes, doenças, fadiga, sintomas osteomusculares (nos ossos e músculos) e lombalgias (dores na lombar).

Os regimes de trabalho

Dos trabalhadores avaliados em Santos, 62% sentiam dor lombar, 40,2% nos joelhos e 43% no pescoço e na região cervical. Apesar dos números expressivos, a situação é melhor do que entre os trabalhadores portugueses. Lá, os índices foram de 72,9%, 50% e 66,4%.

A diferença se repete em relação à fadiga: 18,4% dos trabalhadores entrevistados em Santos apresentam o sintoma e, destes, 18,8% têm fadiga crônica. Em Portugal, 39,3% sofrem de fadiga generalizada, 19,3% dos quais têm fadiga crônica.

Há, ainda, mais acidentes no porto da capital portuguesa: 47% dos entrevistados disseram já ter sofrido acidente de trabalho em Santos, ante 85,7% em Lisboa.

Para a pesquisadora, a diferença nas porcentagens pode acontecer por diversos fatores.

Problemas relacionados aos sintomas

  • Repetição do turno de trabalho
  • Tensão no ambiente profissional
  • Conflitos na equipe
  • Exigências rígidas
  • Falta de pausas
  • Tempo e trabalhadores insuficientes na equipe
  • Falta de manutenção do maquinário
  • Problemas de conservação no porto

Um importante fator apontado por Fátima está relacionado ao fato de os estivadores santistas serem “avulsos”: trabalham seis horas por dia, quando engajados no trabalho, e devem fazer um repouso de 11 horas entre cada jornada. Já em Portugal, eles são contratados seguindo o regime de contratação por tempo indeterminado, equivalente à CLT brasileira, e cumprem oito horas diárias de segunda a sexta-feira.

O processo de modernização dos portos

Segundo Fátima, o regime de trabalho “avulso” é, de certa forma, praticado “desde as origens do trabalho portuário”. “Desde que se começa o trabalho de carregamento nos navios ele é organizado pelo trabalhador. No caso brasileiro, historicamente, pelos escravos e depois ex-escravos. Eles iam até o porto onde estavam os navios atracados e se ofereciam para o trabalho.”

Considerado o maior da América Latina, o porto de Santos começou a operar em 1532 e, na primeira metade do século 19, foi usado para escoar a produção do café paulista. Nessa época, porém, suas instalações eram bastante precárias e a cidade de Santos  um grande depósito de lixo a céu aberto.

A mão de obra foi essencialmente escrava até a abolição, em 1888, quando passou a ser constituída de ex-escravos. Na década de 1930, a gestão do trabalho passou a ser controlada pelo sindicato dos estivadores, que convocava os trabalhadores diariamente de acordo com a demanda e distribuía o serviço. Eles recebiam diariamente pela jornada de trabalho.

Em 1993, com a lei 8.630, que ficou conhecida como Lei de Modernização dos Portos, a gestão do trabalho passou para o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), constituído por representantes das empresas que operam cada porto, pelo Estado e por representantes dos trabalhadores. O órgão tornou-se responsável pela divisão e determinação da escala dos trabalhadores portuários avulsos.

Nesse sistema, os estivadores estão vinculados formalmente às empresas durante as seis horas que trabalham para ela. Recebem, proporcionalmente, os direitos previstos na CLT proporcionais a essas seis horas – como o 13º salário, férias e o pagamento de INSS.

“Tudo mudou muito. Quem dominava o trabalho antes eram os trabalhadores. Agora eles não fazem o planejamento de carga.”

Fátima Queiroz
Fisioterapeuta, professora do Departamento de Politicas Públicas e Saúde Coletiva da Unifesp e autora das pesquisas.

Fonte: Nexo
Texto: Beatriz Montesanti
Data original da publicação: 26/06/2016

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