Argentina: “lutamos contra a fome”. Entrevista com dirigente trabalhista

O dirigente da Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP) e secretário de Políticas Sociais do Movimento Evita explicou as reivindicações da mobilização do domingo (07/08). Advertiu que as políticas de Macri têm profundas consequências na estrutura social.

A celebração de São Caetano, para o povo argentino o santo do “pão e trabalho”,  se converteu no domingo, 07 de agosto, em um dia de protestos contra as políticas do macrismo. Promovida pelos trabalhadores da economia informal – e convocada pela Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP), Bairros a Pé e a Corrente Classista e Combativa –, haverá uma caminhada de Liniers até a Praça de Maio, que, na parte final, terá o apoio das duas CTA e a CGT moyanista.

O dirigente da CTEP e secretário de Políticas Sociais do Movimento Evita, Gildo Onorato, explica nesta entrevista o que reivindicam, qual é a participação da Igreja na manifestação e como sua organização – que em maio saiu da Frente para a Vitória – pensa a construção de uma alternativa ao governo dos CEO.

Eis a entrevista.

Qual é o objetivo da marcha?

Primeiro, colocar na agenda a situação de deterioração dos setores mais humildes da classe trabalhadora. Hoje, já não estamos lutando apenas por trabalho com direitos, mas voltamos a lutar contra a fome: estamos abrindo refeitórios e merendeiros. Essa deterioração tem profundas consequências na estrutura social.

A CTEP reúne os trabalhadores da economia popular, como os carrinheiros, os agricultores familiares, os manteiros, os companheiros da infra-estrutura social, ou seja, todo o setor que tem menos projeção e que não esteve presente na agenda de 24 de fevereiro, quando aconteceu a greve da ATE (Associação de Trabalhadores do Estado), nem no dia 29 de abril, quando as três CGT e as duas CTA fizeram uma mobilização contra as demissões. Nossa agenda não apareceu e hoje a estamos tocando com um grupo de organizações muito amplo, de distintas procedências.

Um ponto repetido esta semana pelos dirigentes da CTEP ilustra o panorama: desde abril, assinala Onorato, a organização abriu 600 refeitórios que recebem uma demanda crescente; para cada posto de trabalho formal perdido, desaparecem três da economia informal; 70 mil cooperativistas que tinham convênios com o Estado ficaram sem trabalho; os que tinham um trabalho temporário os estão perdendo; os altos níveis de desemprego fazem com que um biscateiro tenha que competir com um operário altamente especializado.

Nestes dias, vocês se reuniram com o pároco de São Caetano e com Carlos Accaputo, presidente da Pastoral Social portenha. Que coordenação existe com a Igreja?

A Pastoral Social não convoca a atividade tradicional do santuário. Mas, temos uma agenda em comum, estamos impulsionando na Câmara de Deputados a declaração da emergência social, por exemplo. Comemoramos, além disso, a carta de Francisco.

As organizações da Igreja vão participar da marcha?

Sim, padres das favelas, padres da opção pelos pobres, os Missionários de Francisco, instituições desse tipo que fazem parte das estruturas vinculadas às organizações de base. Mas a marcha não é convocada pela Igreja. Evidentemente, ela está atenta e nos acompanha nas reivindicações.

Que setores sindicais aderiram à marcha?

A CGT moyanista comprometeu-se a participar, segundo anteciparam alguns dirigentes, como Pablo Moyano e Omar Plaini. Também associações como o Sadop (professores privados), a União Operária do Tijolo, os sindicatos combativos da CGT, o que é o Núcleo Sindical. Vão participar as duas CTA, os docentes da Suteba (Sindicato Unificado de Trabalhadores da Educação de Buenos Aires) e a UTE (União dos Trabalhadores da Educação), os trabalhadores estatais da ATE.

Houve conversações com o setor de Moyano?

Nós temos um vínculo em torno de algumas reivindicações. Vamos nos encontrando, porque esta realidade une os diferentes setores do trabalho.

Como organização de trabalhadores informais, como vê o papel dos dirigentes da CGT diante das políticas do macrismo?

Os trabalhadores dos grêmios da CGT contam com um colchão social, têm um nível de institucionalização, bons salários, cobertura médica, possibilidade de enfrentar melhor os aumentos. Estão sentindo o ajuste como todos, mas existe um colchão social deixado pela acumulação e pelos processos redistributivos da etapa anterior; então são companheiros que têm outros tempos. Evidentemente, nós entendemos que nesta etapa devemos acelerar o ritmo de visibilização dos problemas e das reivindicações, porque a situação em geral está sendo muito dramática.

Vemos que estamos no caminho de uma convergência muito maior, porque temos a mobilização de São Caetano, no dia 09 acontece a mobilização da esquerda trotskista, para o dia 11 está programada a greve nacional (da ATE e de setores docentes), há a organização da Marcha Nacional, existe o processo de unificação da CGT; me parece que vamos nos encontrando gradualmente, com matizes e diferenças, mas respeitosos dos tempos.

Em maio, o Movimento Evita saiu da Força pela Vitória; diz-se que hoje estão com Massa; é verdade?

Diz-se também que Máximo Kirchner esteve com Sergio Massa (Frente Renovadora), ou que Cristina pôs tudo a perder… é politicagem. Para nós, o principal é construir uma alternativa política a partir da agenda que vai se manifestando na rua; o resto é música para a mídia.

Entre quais margens vocês pensam hoje a construção política?

Esta é uma etapa em que o problema é do conjunto dos trabalhadores argentinos, que veem sua situação prejudicada. De um lado está o Governo. Todos os setores que se colocam como opositores são potenciais aliados, porque este é um governo das corporações. Do outro lado estão os companheiros sofrendo com as demissões, as suspensões, o achatamento dos salários, o tarifaço, a inflação…

Não é hora para qualificar ou colocar a prioridade ao ordenamento a partir da política entendida como ferramenta eleitoral. Todos os setores políticos, sociais e também econômicos, como a CAME (Confederação Argentina da Média Empresa), com quem vamos encontrando concordâncias são potencialmente companheiros para poder frear este desastre social e econômico que está sendo causado pelo Governo, ao qual vamos propor amanhã [domingo, 07 de agosto] as reivindicações, porque ele é responsável para zelar pela dignidade dos 40 milhões.

Você viveu a crise dos anos 1990 como militante. Qual é a diferença daquela crise com esta?

Há uma grande diferença: não tínhamos o colchão social de direitos conquistados nos últimos anos. Apesar da enorme transferência de recursos que houve dos trabalhadores para as empresas, defendemos com muito esforço e muita luta 7% do PIB para as políticas sociais. Os trabalhadores perderam quase 300 dólares de seus salários, mas os altamente qualificados seguem tendo os salários mais altos da América Latina. Temos muitos direitos conquistados.

Por outro lado, naquele momento, nós queríamos a saída de De la Rúa. Eu era jovem e estava orgulhoso por ter participado daquela manifestação popular que terminou com um governo que estava fazendo estragos na sociedade… mas logo depois da saída de De la Rúa, o governo de (Eduardo) Duhalde tomou medidas – como a desvalorização, que provocou uma profunda transferência dos recursos dos trabalhadores para as grandes empresas. Ou seja, não havia uma alternativa política e social que pudesse se transformar em um catalisador das demandas populares. Hoje, apesar de termos uma oposição fragmentada, temos, como parte da “maldita herança”, um nível de organizações e de representação que vai se ordenando, e que pode derrotar eleitoralmente o governo de Macri; esta é uma grande diferença.

Fonte: Instituto Humanitas, com Página/12
Texto: Laura Vales
Data original da publicação: 06/08/2016

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