Durante o debate “Tributação e Luta de Classes”, realizado na tarde desta quinta-feira (26), dentro da programação do Fórum Social Mundial, foi aprovada a realização da Conferência Popular sobre Tributação.
Promovido pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), o debate reuniu representantes de centrais sindicais e movimentos sociais que deliberaram por integrar o tema entre as lutas comuns dos movimentos. Ao final do encontro, foi aprovada a Carta de Porto Alegre para a realização da conferência prevista para ocorrer ainda no primeiro semestre.
No Brasil, os pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos que os ricos e o país é líder em desigualdade. O 1% mais rico concentra metade da riqueza nacional. O Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição desde 1988 e é o único não cobrado, além de haver isenção dos lucros e dividendos distribuídos para acionistas. Ao mesmo tempo, metade da receita de impostos do país é oriunda do consumo, produtos mais consumidos pela maioria da população.
“Democratizar o debate sobre tributos é fundamental para o país. Em geral as tratativas sobre o assunto ficam interditadas para a maioria da população e são definidas em salas fechadas sem a participação da sociedade”, registrou o auditor fiscal e presidente do IJF, Dão Real Pereira dos Santos. Ele observa que para implementar as políticas precisa controlar os instrumentos e o principal instrumento é o tributário e não é controlado pela sociedade de forma justa e transparente.
Tema deve ser popularizado
“A CUT estará presente nesta pauta da reforma tributária porque é preciso beneficiar a classe trabalhadora. Tributação justa precisa atender a Constituição e as pessoas que mais precisam”, confirmou o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Admirson Medeiros. O sindicalista convocou também para ações colaborativas entre todos os movimentos para pautas comuns.
“A democracia participativa dialoga com tudo que precisamos aprofundar no país, integrando todas as categorias da sociedade neste tema fundamental”, declarou o representante da Central de Trabalhadores do Brasil (CTB), Vicente Selistre.
“É preciso estar nos espaços de debate onde a sociedade civil não está representada”, enfatizou Walcir Previtale, da Contraf, destacando a hegemonia da representação patronal nos conselhos e fóruns onde se definem pautas estratégicas para a população, como é o caso do Carf.
“A questão dos impostos está na boca do povo de forma distorcida e incompleta, como se fossem um roubo e não um instrumento de socialização da riqueza para o bem de todos”, registrou Eduardo Osório, representando o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). “É urgente ampliar a mobilização social e fazer a disputa na rua. A pauta da moradia e das periferias tem de estar contida nos orçamentos, diante do déficit de seis milhões de moradias”, completou o ativista.
Tributos: a mais antiga luta de classes
“A tributação é o instrumento da classe dominante para impor seu projeto”, resumiu o doutor em economia e professor da Unicamp, Pedro Rossi, um dos palestrantes da oficina realizada no Sindbancários.
O economista observa que o poder econômico faz terrorismo, criando clima de medo para que a sociedade aceite a agenda da redução do tamanho do Estado para que futuramente diminua os tributos. “A luta de classes tem tudo a ver com tributação”, concluiu.
“Sem reforma tributária progressiva, que taxe riquezas, não teremos recursos para reconstruir o país. É preciso uma redistribuição de renda, tirar de uma parte para a outra”, pontuou Luiz Antônio Alves Azevedo, ex-deputado e mestre em sociologia política.
A captura do Estado pelas corporações
O caso do Carf e a captura do Estado pelas corporações empresariais foi o tema da explanação do auditor fiscal, pesquisador e membro do IJF, Ricardo Fagundes Silveira. Ele apresentou as distorções que ocorrem nas instâncias recursais para cobrar dos sonegadores. Estudo detalhado sobre o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aponta que a retirada do voto de qualidade em 2020 lesa profundamente a Fazenda Nacional e favorece os devedores que litigam de forma extenuante para reduzirem seus débitos tributários e são beneficiados pelos conselheiros indicados pelas grandes Federações empresariais.
“Defendo a extinção do Carf. Se não for possível, no mínimo o retorno do voto de qualidade e a alteração da composição do conselho que deve ter representantes proporcionais da sociedade”, enfatizou o tributarista.
Estudo do IJF sobre o Contencioso Administrativo demonstra que o Brasil é o único país que tem assentos no Carf ocupados por representantes de grandes corporações empresariais, as maiores devedoras do fisco.
Cerca de R$ 1,05 trilhão é o valor em estoque, que aguarda julgamento no Carf, distribuído em mais de 92 mil processos. Deste montante, R$ 781 bilhões (74%) estão concentrados em 1.412 processos, com valores unitários superiores a R$ 100 milhões.
Dados demonstram que em 2022 o Carf julgou um total de R$ 118 bilhões e julgou improcedente a cobrança de R$ 88 bilhões. “Ou seja 75% do valor vai ser extraído das vidas de quem precisa”, denunciou o auditor fiscal. “Se isso não alterar teremos mais pobreza, mais fome e mais morte”, concluiu.
Fonte: IJF
Texto: Katia Marko e Stela Pastore
Data original da publicação: 26/01/2023