María (nome fictício), moradora do subúrbio de Agios Dimitros, não quer imaginar como as novas medidas preparadas pelo Governo de Atenas e seus parceiros europeus poderão afetar a aposentadoria de seu marido, única fonte de renda da família. “Se até agora seguir em frente era um drama, a partir de agora será um martírio”, explica, às portas de um supermercado do popular bairro da área metropolitana de Atenas. Pela mão leva um dos dois netos, uma criança de seis ou sete anos; os meninos, bem como seus pais (dois casais, todos desempregados), dependem de María e seu marido para seguir em frente. “De quanto é a pensão? Que importa quanto? Seja o que for, não chega para nós”, diz a mulher, de 70 anos, com o brilho do orgulho nos olhos.
“Eu não tenho aposentadoria. Não trabalhei fora porque decidi cuidar de meus filhos. Que ironia que, com o passar dos anos, tenha de cuidar de novo deles, e com eles, os seus filhos, meus netos.” A duras penas os avós ajudam com o que podem, hoje com uma sacola de comida, amanhã com a compra, a roupa ou pagamento de algumas contas…. “Para nós, que não estudamos, nos disseram que com estudos a vida seria mais fácil, e aí estão meus filhos. O mais velho, universitário e com idiomas, a menor, com formação em informática, desempregados há anos. Fizemos tudo por eles, e agora continuamos fazendo. A Grécia passa fome”, acrescenta, em um lugar onde não é difícil, dizem os vizinhos, ver gente revirando latas de lixo em busca de comida.
Como a de María, muitas famílias gregas dependem para sobreviver de uma aposentadoria, a última tábua de salvação – e coesão social– para boa parte da população; para 52% dos lares, é a principal fonte de renda, segundo dados do patronato. Os 2,5 milhões de aposentados do país são, por isso, um dos grupos eleitoralmente mais sensíveis –e, socialmente, o mais temeroso– ao previsível acordo que o Governo de Alexis Tsipras firmará no final desta semana com a antiga troika, apesar de essa ter sido uma das linhas vermelhas que o Executivo havia prometido não atravessar. Um total de 45% deles recebe uma aposentadoria inferior a 665 euros (2.330 reais), abaixo do limite de pobreza fixado pela União Europeia (em 2009, nessa faixa estavam somente 20% dos aposentados).
“Apenas 14% recebem mais de 1.050 euros por mês”, explica Manolis Rallakis, secretário-geral da Federação de Aposentados, do setor privado, que recebem seus benefícios da instituição IKA, o maior fundo de pensão do país. Há pelo menos outras sete grandes federações ou uniões setoriais de aposentados; mas a de Rallakis é o núcleo duro, brigão e batalhador, e não é à toa que “engloba toda a classe operária”, recorda este antigo soldador de 75 anos, aposentado há 15 e cujo rendimento encolheu um terço desde o início da crise, ficando em pouco mais de 1.000 euros.
Rallakis não economiza adjetivos para definir o provável acordo de Tsipras com Bruxelas. “Não é de modo algum positivo, e não falo somente dos aposentados, mas dos trabalhadores em geral. A elevação de impostos também vai nos afetar diretamente, pois reduz ainda mais nosso escasso poder aquisitivo. Queremos manter as aposentadorias, mas também recuperar o que nos tiraram. Precisam deixar de meter a mão em nossos bolsos, porque não chega nem para os remédios; se não fizerem isso, terão de nos enfrentar, e sabem que nossos votos valem o mesmo que os deles”, protesta, apontando como exemplo a manifestação de aposentados de toda a Grécia no centro de Atenas. “Não estamos pedindo nada grátis, só reivindicando os nossos direitos. Contribuímos para as aposentadorias que temos, incluindo o pagamento pelo Natal, que nos tiraram. Em cinco anos só vimos cortes: as aposentadorias principais de mais de mil euros foram reduzidas em 40%; todas as complementares, em 60%”, acrescenta.
A Grécia dedicava até agora ao pagamento de benefícios quase 18% de seu orçamento, com situações tão raras como a aposentadoria antecipada a partir dos 52 anos para uma trintena de profissões “de risco” – entre elas, cabeleireiras, cantores de ópera ou câmeras de TV–, mas Rallakis nega a maior discrepância: que os gregos estejam entre os aposentados mais bem-pagos da Europa. “Estamos abaixo da média da UE. Posso entender as críticas pelas aposentadorias antecipadas, mas é uma falácia que estejamos recebendo mais que os alemães, como muitos dizem.”
A seu lado, Panayotis Sofos, vice-presidente da federação, classifica como “antipopulares” as medidas do acordo. “São uma continuação das políticas da troika, o ditado do Eurogrupo e, portanto, do capital”. A veia militante, operária, lateja com raiva em ambos, embora garantam não ter vínculos com nenhum partido de esquerda. Sofos, ex-metalúrgico, assegura ter perdido “uns 8.000 euros por ano, ao redor de 600 por mês” com os cortes. “E o acordo [com os parceiros do euro] ainda não foi concluído, portanto, pode ser até pior do que tememos”, finaliza, pessimista.
Fonte: El País
Texto: María Antonia Sanchez-Vallejo
Data original ad publicação: 24/06/2015