Apesar de comum, assédio sexual no trabalho é pouco denunciado no Brasil

“Na hora eu fiquei muito mal. Eu não consegui reagir de forma alguma, porque você se sente tão humilhada, tão ‘lixo humano’, que você não tem confiança para responder. A única coisa que eu fiz foi ir ao banheiro. Eu me tranquei lá e vomitei. Fiquei uns dez minutos lá dentro, pensando no que eu ia fazer e rezando para que ele já tivesse ido embora quando eu voltasse para a sala.”

É assim que Maria [nome alterado pela redação], de 20 anos, descreve a sua reação ao ser vítima de assédio sexual no trabalho. Ela era estagiária havia quatro meses. O colega, mais velho, já trabalhava há mais tempo na empresa.

Maria diz que o assédio começou quase despercebido. Segundo ela, o colega simulava uma intimidade que não existia. Com o passar do tempo, conta, esses pequenos gestos viraram declarações constrangedoras e de cunho sexual. Foi quando Maria procurou deixar claro que não gostava do que estava acontecendo. “Não quis arrumar confusão porque ele era amigo do dono [da empresa]. Não o enfrentei, mas ele percebeu que eu não gostei. Eu achei que ele iria parar.”

Mas ele não parou, diz. “Ele se aproximou da minha mesa, como quem quer olhar alguma coisa no monitor do computador. Abaixou-se, tirou os cabelos do meu ombro e disse: ‘Eu estou morrendo de tesão por você e ainda vou te montar, você vai ver’.” Maria prestou queixa da agressão – e o caso dela virou uma exceção à regra.

Vergonha e medo

Não existem estatísticas de quantas mulheres são vítimas de assédio sexual, mas especialistas acreditam que o número de casos é bem superior aos que se tornam públicos. Vergonha, medo de serem culpadas pela agressão, dificuldade de conseguir provas e até mesmo falta de informação são as causas desse silêncio.

“Muitas vezes a mulher não sabe que pode se posicionar e denunciar. Ela se sente vítima, mas tem vergonha e acha que, se fizer uma denúncia, vai ser acusada de ter favorecido a situação”, afirma Erika Paula de Campos, integrante da Comissão de Estudos à Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR).

Soa absurdo, mas muitas vezes a vítima é tratada como culpada. Quando decidiu denunciar, Maria foi acusada, através de comentários postados na internet, de ter provocado a situação ou de querer tirar vantagem do ocorrido. “O assédio em si já foi muito difícil, mas, além dele, todo dia tinha essa carga emocional muito grande”, conta Maria, falando dos comentários anônimos.

Diversas formas de assédio

Pela definição do Ministério do Trabalho e do Emprego, assédio sexual é o constrangimento de colegas de trabalho através de cantadas e insinuações de teor sexual. Essas atitudes podem ser claras ou sutis, como piadinhas, fotos pornográficas, brincadeiras e comentários constrangedores. Podem também se manifestar através de coação, quando há promessas de promoção ou chantagem. Essa violência não atinge somente mulheres, mas também homens.

Como no caso denunciado por Maria, o assédio costuma ser uma situação que se repete, provocando desconforto na vítima. “Raramente haverá uma situação de assédio isolada. Assédio é essa conduta repetida que é repelida, de ordem sexual, e que torna a situação no ambiente de trabalho insuportável”, diz Campos, que também é professora de Direito na PUC-PR.

A orientação para as vítimas é procurar a direção da empresa, o sindicato e também um advogado, além de registrar a ocorrência na delegacia da mulher e na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego.

“Em se tratando de uma empresa grande, cabe procurar o setor responsável ou a direção a fim de que a empresa tome as medidas cabíveis para proteger a vítima. A outra opção é procurar a delegacia da mulher e registrar a ocorrência”, reforça a professora de direito Vanessa Chiari Gonçalves, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Vítima deve saber o RG do agressor

Mas, para Maria, justamente o registro na delegacia da mulher mostrou ser uma das etapas mais difíceis. A falta de preparo dos funcionários e também as informações exigidas para registrar a ocorrência criaram uma situação constrangedora. Cabe à vítima informar, por exemplo, os dados pessoais do agressor, incluindo a data de nascimento e o número da carteira de identidade. “No primeiro registro eu não sabia esses dados e eles colocaram o agressor como não identificado. Eu mesma tive que ir atrás disso.”

Além de ser obrigada a reunir informações sobre o agressor, Maria, assim como todas as mulheres que denunciam assédio, também precisa apresentar provas da acusação. Elas nem sempre existem, já que o assédio sexual pode ser cometido de forma verbal e sem testemunhas. Diante de todas essas dificuldades, muitas vítimas desistem da denúncia.

Segundo o procurador do trabalho Flávio Henrique Freitas Evangelista Gondim, a Justiça está ciente de que, em alguns casos, o assédio não deixa rastros, e tende a ser mais flexível na hora de exigir provas. “Sabendo disso, a Justiça tende a flexibilizar um pouco o ônus da prova, e em alguns casos admite que a prática seja comprovada através de indícios.”

Gondim, que também é vice-coordenador nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho, cita como exemplo de indício o registro de ligações telefônicas feitas em horários inapropriados ou com muita frequência.

Denúncia ainda é a melhor opção

Apesar de todas as dificuldades, a denúncia, aliada a campanhas de prevenção e educação dentro das empresas, ainda é a melhor maneira de combater esse crime. Segundo os especialistas, uma mudança na legislação não traria grandes efeitos.

Para Campos, as empresas precisam adotar medidas educativas e deixar claro que não admitem essa prática. Além disso, é importante criar um canal para que as vítimas possam encaminhar denúncias. “Ocorrendo o assédio, o empregador deve se posicionar e proteger a vítima, dando apoio psicológico, médico, se for necessário, e jurídico, além de punir esse empregado, para que isso tenha um caráter pedagógico dentro da empresa.”

Gonçalves também diz que a melhor maneira para reduzir essa violência é a conscientização sobre os limites no local de trabalho e o incentivo para que as vítimas façam a denúncia. “A ampliação do debate em torno desse tema é de fundamental importância”, afirma.

Maria deixou o estágio que tanto quis, mas diz que fazer a denúncia foi a melhor decisão. “Pessoas me disseram para não dar bola, que assédio acontece em várias empresas, todos os dias, e que não seria a primeira nem a última vez que eu seria assediada. Mas eu não queria, eu disse para mim mesma: é a última vez que eu vou ser assediada, eu não vou deixar que as pessoas façam isso comigo e essa foi a minha decisão.”

Fonte: Deutsche Welle
Texto: Clarissa Neher
Data original da publicação: 30/10/2013

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