Disputa do Estado pelas grandes corporações empresariais desloca cada vez mais gastos públicos para interesses privados. A transformação do capital econômico em político expressa a natureza da corrupção.
Marcio Pochmann
Fonte: Rede Brasil Atual
Data original da publicação: 12/06/2017
Desde o final do século 18, a ascensão do liberalismo se fez contrária à velha corrupção instalada no antigo Estado absolutista, ao contrário do neoliberalismo deste início do século 21 que se encontra contaminado pelo vírus da nova corrupção. No Estado absolutista identificado como prolongamento da família real, os recursos públicos se confundiam com os do rei, constituindo – pela perspectiva weberiana – a dominação patrimonialista da sociedade.
Nesse sentido, o patrimonialismo ampliaria a percepção do patriarcalismo, uma vez que a noção da dominação de uma pessoa em relação à comunidade familiar, segundo regras hereditárias, se estenderia para o conjunto da sociedade. A existência de estrutura administrativa configurada por critérios pessoais e nepotistas e assentada, ainda, nos processos de decisão sem formalização caracterizavam a velha corrupção presente nos antigos impérios do oriente (sultanismo, mongóis, mandarins) e do ocidente (Inglaterra, França, Portugal, Espanha).
A emergência do Estado mínimo liberal sobre o antigo Estado absolutista foi acompanhada pela transição do patrimonialismo para a organização burocrática assalariada e profissional, cuja seleção de quadros técnicos decorreria dos critérios meritocráticos e morais, inicialmente na Europa. Além disso, a separação do orçamento público dos recursos privados e o estabelecimento de processo decisório formalizado buscaram enfrentar a velha forma de manifestação da corrupção.
Com a passagem do Estado mínimo para o Estado de bem-estar social ao longo do século 20, o sistema de burocracia profissional foi ampliado concomitantemente com a difusão do regime da democracia de massas. Assim, o emprego público inferior a um décimo dos ocupados foi multiplicado por mais de três vezes, dependendo o país, tendo em vista a ampliação das funções cada vez mais assumidas pela ação estatal.
Em 2015, por exemplo, o gasto público na Grã-Bretanha equivaleu a 42,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Quase 150 anos antes, o gasto público em relação ao PIB na Grã-Bretanha havia sido de 9,4% (1870) e, em 1980, antes da ascensão neoliberal de Margareth Thatcher, de 43%.
Acontece que o avanço do neoliberalismo sustentado na ideologia da livre concorrência no interior das forças de mercado consolidou a grande corporação transnacional impulsionadora da competição monopolista. Assim, a nova condição de Corporate Welfare, em vez de Welfare State, fez crescer o montante absoluto e relativo das transferências públicas para as empresas privadas, bem como as desonerações, os créditos fiscais, os subsídios creditícios, entre outros.
A maior disputa em torno do fundo público pelas grandes corporações empresariais terminou deslocando cada vez mais uma parte crescente dos gastos sociais para as empresas privadas. Para isso, a transformação do capital econômico em capital político termina por manifestar a nova natureza da corrupção.
A defesa contínua dos neoliberais das reformas no setor público não se expressa pela redução no total da arrecadação do Estado, mas sim na contenção das despesas, sobretudo sociais, capazes de sustentar a continuidade das transferências para o setor privado. Dessa forma, as desonerações, os subsídios, os créditos, o pagamento dos serviços da dívida pública, entre outros, podem ser preservados sob o manto da nova corrupção.
O resultado tem sido a elevação da desigualdade, do desemprego e da pobreza, ademais do baixo dinamismo econômico. Sobre isso, aliás, o governo Temer busca se sustentar. Mas até quando e a que custo?
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.