por Charles Soveral
Os trabalhadores precisam compreender melhor o complexo momento das relações de trabalho, superar dificuldades tradicionais e eventuais diferenças menores para articular propostas sociais mais amplas que impeçam o retrocesso nos seus direitos e conquistas. A opinião é do professor espanhol Antonio Baylos Grau, doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid, professor catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidad de Castilla La Mancha e uma das maiores autoridades mundiais quando se fala de trabalho e suas relações.
Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Faculdad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real, Baylos explica que o cenário atual é bem mais complexo do que existia há menos de duas décadas. “Se analisarmos o mundo atual, veremos que há cada vez mais trabalhadores. É certo dizer que o universo do trabalho ocupa hoje uma posição bem diferente da que existia há 15 anos. O trabalho vem se formalizando de forma muito expressiva em todo o mundo. O que poderia ser um fator de comemoração, na verdade, nos expõem a crescentes desigualdades. Sabemos que a formalização acarreta no pagamento de direitos trabalhistas que, em muitos lugares, são ignorados e isso tem sido motivo para retrocesso em direitos conquistados”, comenta.
Antonio Baylos revela que no chamado Primeiro Mundo há desigualdades também, especialmente entre Estados Unidos e Europa, com culturas e tradições trabalhistas diferentes, mas lembra que há que se considerar uma distância ainda grande destes com os países emergentes ou em via de desenvolvimento. “A ideia principal da Organização Internacional do Trabalho é, há muito, construir um patamar global de direitos que estabelecesse um mínimo comum a todas as nações, países e regiões do mundo. Infelizmente, nunca alcançamos isso e, paradoxalmente, hoje, um dos maiores obstáculos para isso está na globalização. Na década de 90, quando a globalização passou a ser mais intensa, vimos a cara mais feia deste processo. Aqui, na América Latina, tivemos o auge das ideias e governos neoliberais; na África e no próprio leste Europeu, se criou uma espécie de doutrina neoliberal.”
A globalização criou uma fórmula mundial de aplicação rápida em muitos países e com o apoio de diversos governos. No caso europeu, onde se criou um mercado comum entre os países, que passaram a compartilhar a moeda e de certa forma a economia, o professor Antonio Baylos diz que se pode ver um verdadeiro laboratório de experiências contra algo já consolidado, que é o estado social de qualidade presente em boa parte das nações. “Se esperava um aprofundamento das relações de trabalho e dos direitos dos trabalhadores. O que se viu foi uma crescente perda de direitos e de conquistas e isso começou antes mesmo das crises econômicas. Na Europa, especialmente a partir de 2006, se difundiu entre os governos uma ideia de suposta modernização da força de trabalho com o objetivo de fazer frente às dificuldades. Prevaleceu a proposta neoliberal de cortar direitos que faziam parte de um modelo social europeu, fortalecendo as propostas de preservação de capital como salvação das economias em detrimento dos trabalhadores.”
Antonio Baylos lembra que a História nos diz exatamente o contrário desta fórmula, pois, onde se implantaram as melhores condições de trabalho e qualidade de vida, se verificou que estes foram os países e locais com maior desenvolvimento da economia. O resgate desta visão é, de acordo com o professor espanhol, uma das tarefas das atuais gerações e dos trabalhadores, políticos e sindicalistas.
Baylos assinala que cabe às organizações de trabalhadores um papel fundamental neste momento, que inclui avançar na defesa dos interesses não apenas das categorias que defendem, mas também plantar bandeiras de interesse coletivo da sociedade. “Travar uma negociação política para assegurar direitos, reverter tendências supressivas, estabelecer um diálogo, especialmente com as forças representativas da sociedade para propor soluções de crescimento econômico, de tributação e assumir alguns papéis que, tradicionalmente, os sindicatos deixam para a esfera política”, completa ele.
Apesar das dificuldades para assumir esses papéis, especialmente dificuldades culturais dos próprios sindicalistas, Antonio Baylos observa que os mesmos não podem deixar de lado as questões mais amplas e nem entregá-las apenas aos partidos políticos. Na Europa, a Confederação Europeia de Sindicatos realiza esse papel, focando nos direitos dos trabalhadores sem abrir mão de apontar questões importantes como rumo da economia e políticas de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, estabelecendo diálogo com o G20 (grupo de 20 países mais ricos), Organização Mundial do Comércio (OMC) e com a própria Organização Internacional do Trabalho (OIT). “É um projeto que ultrapassa os limites da restrita atividade sindical e propõe alternativas políticas ao desenvolvimento”, reafirma.
Quando se refere ao papel dos jovens, o professor Antonio Baylos destaca o movimento “Indignados” que surgiu entre os jovens espanhóis e a outros semelhantes em Portugal, Itália e em diversos pontos da Europa. Antonio Baylos atribui as manifestações a uma reação aos políticos europeus que, progressivamente, vêm se desconectando da realidade social. “É preciso construir uma democracia mais participativa, reformar o sistema eleitoral, manter a cláusula do Estado social. O que se ouve nas ruas é o conceito de que os políticos não representam corretamente a população, não correspondem aos anseios populares e isso precisa mudar.”
Com parceiros em diversos países, Antonio Baylos está construindo uma relação mais próxima dos latino-americanos a partir de seu trabalho como diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS). O professor espanhol quer construir um espaço permanente para debates, reflexões, palestras, encontros e trocas de experiências que contribuam para o melhor entendimento da realidade local do mundo do trabalho.