Analisando a reforma da Previdência: professores

Quadro negro. Escola. Fotografia: Marcos Santos/USP Imagens

A previdência social deve ter por objetivo fornecer renda para aqueles que não tem mais capacidade de trabalho, em condições proporcionais ao tempo e valor de contribuição, respeitando-se o piso de benefício de combate à pobreza.

Nelson Barbosa

Fonte: GGN, com Blog do IBRE
Data original da publicação: 07/08/2019

A Câmara modificou a proposta de reforma da previdência dos professores apresentada pelo governo. Ainda falta a votação de 2º turno pelos Deputados e Deputadas, mas tudo indica que a proposta aprovada pela Câmara tem grande chance de ser o resultado final da reforma.

Atualmente os professores do ensino infantil, fundamental e médio podem se aposentar cinco antes dos demais trabalhadores. Assim, no caso dos professores, a aposentadoria pode acontecer com 55 anos de idade e 30 anos de contribuição, enquanto que para professoras o critério é 50 anos de idade e 25 anos de contribuição.

O tratamento diferenciado dos professores remonta à década de 1960, quando a categoria foi equiparada a outros tipos de trabalho extenuante e/ou exposto a agentes nocivos à saúde (o giz, no caso dos professores).

Nos anos 1980 a atividade de ensino foi retirada do rol de atividades penosas, mas mantendo regras de aposentadoria especial devido aos salários baixos na comparação com outras atividades. E nos anos 1990 os professores de ensino superior perderam as regras especiais de aposentadoria.

A proposta inicial da PEC 06/19 para os professores era eliminar o tratamento diferenciado para mulheres. Mais especificamente, o governo queria que:

1) Todos professores passassem a se aposentar somente com 60 anos e 30 anos de contribuição, com regras de transição para o novo regime previdenciário similares às propostas para os demais trabalhadores.

2) O valor do benefício fosse de 60% do valor médio de contribuição para quem contribuiu por 20 anos, acrescido de 2% por ano adicional, de modo que o benefício chegasse a 100% do salário de contribuição com 40 anos de contribuição.

A proposta votada pela Câmara em 1º turno concordou com a regra de cálculo do benefício apresentada acima, mas reduziu a idade de aposentadoria para professoras, de 60 para 57 anos. A lógica foi manter o diferencial de 5 anos a menos de contribuição em favor dos professores.

Em outras palavras, enquanto a idade mínima de aposentadoria de todos os trabalhadores convergir para 65 anos, se homem, e 62 anos, se mulher, para professores valerá 60 anos, se homem, e 57 anos, se mulher. Com essa decisão a Câmara procurou manter o incentivo à atividade de magistério via melhores condições relativas de aposentadoria.

Ainda que a intenção da Câmara esteja na direção correta, o mesmo poderia ter sido alcançado mediante a elevação dos salários dos professores que quisessem aderir ao regime de aposentadoria do restante dos trabalhadores.

Em outras palavras, ao invés de tentar compensar baixos salários com idade de aposentadoria menor, o ideal seria criar uma opção para os professores, qual seja:

1) Se aposentar cinco anos mais cedo do que os demais trabalhadores, recebendo o salário vigente.

2) Se aposentar com a mesma idade dos demais trabalhadores, recebendo um bônus salarial e de aposentadoria, proporcional ao valor presente do tempo adicional de trabalho.

A solução acima preservaria direitos adquiridos e deixaria para cada professor ou professora decidir o que acha melhor. Para aqueles próximos de se aposentar, valeria mais a pena permanecer no sistema antigo. Para aqueles que estão ingressando na atividade de magistério, a opção pelas regras de aposentadoria dos demais trabalhadores poderia elevar o salário entre 5% e 8%, dependendo da taxa de juro utilizada para calcular a diferença entre os dois sistemas.[1]

A previdência social deve ter por objetivo fornecer renda para aqueles que não tem mais capacidade de trabalho, em condições proporcionais ao tempo e valor de contribuição, respeitando-se o piso de benefício de combate à pobreza. Regras de previdência social não devem ser instrumento de compensação por salários relativos mais baixos.

Se achamos que os salários de determinada atividade são baixos, que se elevem tais salários e adotem-se as mesmas regras de aposentadoria.

No caso dos professores, o raciocínio acima significa uma reforma que garantisse, para aqueles que optassem pelas regras comuns de aposentadoria, um salário e benefício previdenciário maior do que para aqueles que desejassem se aposentar cinco anos mais cedo do que os demais. Essa deveria ter disso a direção da reforma, e ainda há tempo de caminhar nessa direção na votação do Senado.

Notas:

[1] Considere a questão do ponto de vista do empregador, geralmente o governo: um professor no regime antigo trabalharia 5 anos a menos do que no regime novo. Assim, o custo dos dois regimes seria o mesmo se o valor presente do salário dos professores no novo regime fosse superior ao valor presente do salário no antigo regime em um valor equivalente ao salário de um professor adicional por cinco anos, dentro de 30 anos. Dependendo da taxa de juro utilizada, esse cálculo significa que o professor que aderisse ao novo regime poderia ganhar entre 5% e 8% a mais do que aqueles no antigo regime, e ainda assim o custo seria neutro para o empregador.

Nelson Barbosa é professor titular da EESP/FGV, professor visitante da UnB e pesquisador do IBRE/FGV. Foi Ministro da Fazenda e do Planejamento (Governo Dilma).

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