O aumento dos juros serviu quase unicamente para ampliar as transferências de renda para os muito ricos, que exploram o cassino dos juros altos.
Lauro Veiga Filho
Fonte: GGN
Data original da publicação: 26/12/2022
O ritmo mensal de variação dos preços voltou a apresentar aceleração nas quatro semanas encerradas no dia 13 passado, puxado principalmente pelo aumento no custo dos alimentos no domicílio. O percentual de produtos com preços em alta igualmente registrou elevação, saindo de 58,62% nos 30 dias de novembro para 65,67% na medição realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre os dias 15 de novembro e 13 de dezembro. A combinação desses fatores elevou a inflação oficial de 0,41% no fechamento do mês passado para 0,52% até o final da primeira metade deste mês, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) referente a dezembro.
O comportamento mais recente dos preços sugere que a inflação voltou a rondar as taxas mensais observadas por volta de maio, inferiores aos índices anotados em fevereiro e março, mas já distante das quedas registradas entre a segunda quinzena de julho e o final de setembro, sob efeito das manobras eleitoreiras adotadas pelo desgoverno para tentar maquiar as taxas de inflação. Como já lido e sabido, a redução naquele período foi temporária, já que determinada quase exclusivamente pelo corte dos impostos cobrados sobre energia e combustíveis.
A inflação acumulada em 12 meses, de toda forma, caiu verticalmente entre dezembro do ano passado e igual mês deste ano, despencando de 10,42% para 5,90% quando considerado o IPCA-15. Numa avaliação superficial, algumas correntes de economistas mais identificados com os mercados (na verdade, amplamente “pró-mercado”) têm associado a queda a uma suposta eficiência da política econômica e, em particular, a uma efetividade duvidosa da política monetária (quer dizer, dos juros tresloucadamente altos cobrados no País) no combate à inflação. Mais um “sucesso” patrocinado pelo ministro dos paraísos fiscais, que segundo o físico travestido de economista e colunista requisitado pela autointitulada grande imprensa, teve sim bons resultados a apresentar durante sua gestão.
Falsa sofisticação
Trata-se de um “exercício” intelectual sofisticado e que, convenientemente, desconsidera dados da realidade para operar no mundo da fantasia. Apenas para exemplificar, entre outros argumentos do mesmo nível, segundo o economista mencionado acima, o superávit primário esperado para este ano, próximo de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) quando consideradas as contas do governo central, deveria ser creditado como ponto a favor da equipe econômica. Esquece o senhor economista que, primeiro, o resultado positivo deveu-se em grande medida a ganhos não recorrentes (temporários, portanto) de receitas gerados pelo pagamento de dividendos e pela distribuição de lucros das estatais, sobretudo pela Petrobrás, e ainda pelo efeito positivo da alta das commodities sobre a arrecadação. O restante do “feito” creditado ao ministro dos mercados deve-se ao achatamento de despesas, num momento de paralisia virtual de universidades, corte em bolsas de estudos, falta de recursos até mesmo para emissão de passaportes, desmonte dos sistemas de fiscalização e controle, cortes de recursos para saúde e para compra de vacinas, que voltam a faltar num momento de aumento nos casos de Covid-19.
Inflação e desigualdade
A queda da taxa de inflação em 12 meses, da mesma forma, merece uma análise mais detalhada, considerando dados desagregados por subitem entre os grupos de gastos que ajudam a compor os índices calculados pelo IBGE. Antes de entrar em detalhes maiores, uma breve olhada nos dados mais gerais, disponíveis em qualquer boa consultoria do ramo e ainda nos bancos de dados das equipes de macroeconomia dos grandes bancos, ajuda a perceber que a redução da inflação amenizou a carestia apenas para algumas faixas de renda média e alta da população, com o aumento no custo de vida ainda martirizando as famílias de renda mais baixa, onde os gastos com alimentação têm peso proporcionalmente mais elevado.
O Itaú BBA, por exemplo, acompanha em detalhes a evolução do IPCA, assim como do IPCA-15, produzindo relatórios sempre que aqueles índices são anunciados pelo IBGE. Os dados mais recentes, tomando como base o IPCA-15 de dezembro, mostram que os preços “livres”, ou seja, que não são controlados pelo setor público, experimentaram alta de 9,50% nos 12 meses encerrados na primeira quinzena de dezembro, o que se compara com elevação de 7,80% em igual período de 2021.
Essa alta foi puxada especialmente pela escalada dos preços da alimentação em domicílio, que haviam subido 9,21% em 12 meses até o final da primeira quinzena de dezembro do ano passado e passaram a acumular salto de 13,53% neste ano. O índice geral do IPCA-15 apenas cedeu por conta da redução de 3,70% dos preços chamados “administrados”, que incluem tarifas e preços de alguma forma monitorados pelos governos (a exemplo dos preços da gasolina, diesel, gás de botijão, tarifas de energia e do transporte coletivo urbano, entre outros).
Para comparar, nos 12 meses finalizados na segunda quinzena de dezembro do ano passado, os preços administrados haviam registrado elevação vigorosa, saltando 18,2% e respondendo por mais de dois quintos do IPCA-15 acumulado no mesmo período. Excluídos os preços monitorados, no entanto, a inflação dos demais produtos avançou de quase 5,9% para pouco mais de 6,8% entre 2021 e este ano.
Evidentemente, esse aumento sofreu forte influência dos preços dos alimentos. Mas as pressões não ficaram restritas ao grupo alimentação. Entre os preços chamados “livres”, excluindo-se os alimentos, persiste tendência de elevação relativamente importante, com o índice subindo de aproximadamente 6,3% para 7,5% no cálculo do autor.
Rombo e dívidas
O dado sugere um efeito relativamente nulo dos juros altos sobre o ritmo dos preços em tese influenciados pela política monetária. Em outra avaliação, que desconta do IPCA-15 o impacto da queda dos preços dos combustíveis e da energia e ainda a desaceleração na velocidade de alta das tarifas da energia residencial, além de excluir o aumento nos preços dos alimentos, a “inflação” anotada pelos demais itens avançou de 3,2% no ano passado para 5,7%.
O aumento dos juros serviu quase unicamente para ampliar as transferências de renda para os muito ricos, que exploram o cassino dos juros altos no mundo das altas finanças, gerar novos rombos e criar novas dívidas para o setor público como um todo, além de induzir a uma retração da atividade econômica. Aumentar ainda mais os juros corresponderá a agravar radicalmente aquelas distorções, com efeitos duvidosos sobre os preços em geral.
Lauro Veiga Filho é jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.