Curta-metragem realizado pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro mostra a dura rotina dos ciclistas ‘uberizados’ que o mercado de trabalho batizou com o eufemismo de ‘empreendedores’.
Redação de Carta Maior
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 24/01/2020
Vidas Entregues, realizado no ano passado, é um documentário curta-metragem com duração de 20 minutos escrito e dirigido por Renato Prata Biar e produzido pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro. O filme está centrado na dura rotina dos entregadores de comida de aplicativos – iFood, Rappi, Uber – que trabalham de bicicleta por sua própria conta e risco. É uma resposta ao discurso falsamente otimista do governo federal e do mercado de trabalho que elegeram rapazes e moças sem emprego fixo e decente, os quais muitas vezes precisam parar de estudar, como indivíduos empreendedores. Uma multidão de jovens desempregados que não para de crescer. Nesse grupo que aumenta sem cessar, uma personagem mãe de dois filhos entrevistada no filme de Biar resume o motivo de ter ingressado no time de ciclistas entregadores. ”Empreendedora não; eu me considero desesperada.”
O curta, elogiado pelo economista Marcio Pochmann, escancara a realidade da precarização e exploração das pessoas que tentam garantir o seu próprio sustento básico ou ajudam suas famílias entregando comida. Às vezes, não atingem o nível do salário mínimo mensal e só conseguem receber 300/ 500 reais em trinta dias. Pagam taxas aos seus contratantes, devem cumprir regras severas de aproveitamento de suas bicicletas, e há dias em que não fazem uma entrega sequer – mas têm que se manter à disposição para chamados a qualquer momento.
Vidas entregues narra histórias de ciclistas atropelados por automóveis, outros que escorregam em dias de chuva, caem e se machucam e não contam com qualquer suporte, como dizem eles, nesses acidentes. Além dos baixíssimos salários, a ausência de direitos trabalhistas e sociais é absoluta.
”Além de des-romantizar o desemprego e a necessidade absoluta,”, como diz Biar, ”os responsáveis por essa situação empurram milhares de pessoas para trabalhar para esses aplicativos sob o eufemismo do empreendedorismo.”
O mesmo tema, da chamada popularmente uberização do trabalho, foi tratado pelo cineasta britânico Ken Loach em seu mais recente filme (lançado há quase um ano e ainda não exibido no Brasil) e festejado no Festival de Cannes de 2019.
No seu Sorry We Missed You o cineasta especialista em temas políticos e de realismo social em seu país, relata as trajetórias de entregadores ingleses distribuindo encomendas de modo geral, trabalhando para aplicativos e dirigindo seus próprios carros.
”Empregos fixos, com duração de oito horas por dia, com pagamento suficiente para atender às necessidades das famílias, possibilitando planejar o futuro e encontrar habitação, são transferidos para empregos instáveis e inseguros onde se é obrigado a trabalhar 12 ou 14 horas por dia para ganhar um salário mínimo, sem seguro desemprego, licença remunerada ou salário doença,” disse Loach em entrevista ao jornal de The Guardian.**
”Em suma, todos os riscos passam a ser do funcionário. São portanto as próprias fundações do mercado livre que devem ser abordadas.”
Já o autor do curta que precede o filme de Loach, Renato Biar completa: ”Assistir e compartilhar Vidas entregues é uma forma de ajudar o cinema independente a se manter vivo e pulsante.” Hoje, o filme será exibido às 19 horas no Tuia Café Cultural.
É também um estímulo à realização de outros filmes documentários para aprofundar a questão da perversidade do mercado de trabalho no Brasil.
Assista ao documentário: