Não será hora de trilhar o caminho para pôr fim às relações de subordinação próprias do contrato de trabalho, reforçando os direitos sociais?
Danièle Linhart
Fonte: Esquerda.net, com Le Monde Diplomatique
Data original da publicação: 12/11/2017
É raro ver trabalhadores a reivindicarem uma relação de submissão com seus patrões. No entanto, os condutores de veículos particulares que trabalham em conjunto com as plataformas digitais, como o Uber, empunharam essa bandeira na França. Eles querem sair da situação de autónomos para poder contar com direitos sociais, argumentando que, na verdade, dependem de um empregador ao qual são subordinados. “Começa uma nova batalha legal em torno do Uber”, destaca o jornal económico Les Échos. “A Urssaf [União de Cobrança das Contribuições de Previdência Social e Alocações Familiares] está a processar a plataforma para reclassificar os seus motoristas como empregados, [pois] há uma ‘relação de subordinação’ entre eles e a plataforma.”[1]
Quase nem nos lembramos disso, mas os empregados pagam de duas formas as proteções e garantias relacionadas com o seu estatuto de empregados: em dinheiro – as suas contribuições ajudam a cobrir direitos como seguro-saúde, reforma, programas de formação, etc. – e in natura – eles são forçados a aceitar a obrigação de subordinação que os acompanha por toda sua carreira, mantendo-os num estado de submissão aos superiores hierárquicos.
Para ter direito ao estatuto de empregado, na iniciativa privada, e de funcionário, no setor público, o trabalhador deve comprometer-se a atuar no contexto bastante específico de uma subordinação permanente, isto é, da obediência aos representantes da empresa ou órgão, que está no cerne do contrato salarial. Mas, por causa dos direitos a ele relacionados, o estatuto de subordinado parece vantajoso e até desejável, como mostra o citado exemplo dos motoristas ou o dos trabalhadores que se mobilizam para não serem expulsos, empreendendo longas lutas, às vezes muito violentas, contra os planos de demissões. Essa energia do desespero em reclamar a perenidade do emprego, mesmo que submetido à dura realidade do trabalho subordinado, marcou o movimento social – pensemos na luta dos empregados da Conti, da Goodyear, da PSA Aulnay etc.
No entanto, há não muito tempo, essa condição de empregado era rejeitada por quem sonhava com uma sociedade do trabalho emancipadora, na qual os trabalhadores não precisariam de se submeter à exploração e à alienação. Hoje considerada uma espécie de fatalidade, tal condição justifica o sacrifício necessário para assegurar um mínimo de garantias sobre o futuro: um salário, acesso aos cuidados de saúde, auxílio em caso de desemprego, além da possibilidade de uma inserção social e cidadã na sociedade, bem como a participação numa comunidade de trabalho que faça algum sentido. A subordinação, essa forma de renúncia de si mesmo, tornou-se mais que nunca um investimento, que deveria proteger contra a precariedade material e a perda da autoestima.
Embora essa condição se imponha cada vez mais como “natural”, inevitável, ela revela-se, na realidade, cada vez mais incómoda. Prova disso é a extensão do sofrimento no trabalho, que se tornou omnipresente. Tal degradação precisa ser relacionada à individualização crescente da relação assalariada.
Após as grandes greves de 1968 e a contestação maciça da ordem social taylorista, os empregadores passaram a tentar atomizar o corpo social das empresas e a personalizar a relação com o trabalho.[2] Essa política de gestão derrotou aos poucos os coletivos onde se construía clandestinamente uma identidade de produtores com suas próprias regras de dignidade e reconhecimento, com valores alheios aos da hierarquia. Hoje, os trabalhadores precisam enfrentar a sua condição de empregado assalariado de modo cada vez mais solitário.
Ora, quanto mais a subordinação é individualizada e personalizada, mais difícil de suportar ela se torna. Mais crua, mais perturbadora, quase obscena, ela já não se inscreve em experiências coletivas, afetando diretamente a pessoa para além do trabalhador. A gestão foca cada vez mais a dimensão íntima do indivíduo, em detrimento de sua dimensão profissional, isto é, bem mais as suas habilidades interpessoais do que o conhecimento e o ofício, dimensões inerentemente mais coletivas. Os objetivos definidos pelos superiores e a avaliação de cada empregado são altamente individualizados, solicitando explicitamente o seu envolvimento subjetivo, emocional, afetivo, num contexto de concorrência sistemática. Os trabalhadores são convidados a ser ambiciosos, apaixonados, a mostrar o seu talento, a se comprometer profundamente e, até, a surpreender os seus superiores. Um ex-gestor da France Télécom contou-me que definiu a seguinte meta para um de seus subordinados: “Tornar possível o impossível”.
Não é exatamente o profissional, dotado de certo tipo de qualificação, que é subordinado no exercício de seu trabalho, ao lado de seus colegas: é uma pessoa específica, com as suas aspirações, desejos, necessidades, que se torna objeto de uma consideração muito particular por parte de seus superiores e dos departamentos de recursos humanos (DRH) – os quais já não hesitam em se redefinir, em algumas empresas, como “DRH da benevolência e da felicidade”, sendo assistidos por um chief happiness officer (textualmente!).[3]
Códigos de ética para empregados “virtuosos”
Se, de um lado, as decisões de organização do trabalho e de gestão dos empregados são tomadas a montante, em bases financeiras, abstratas e anónimas, de outro, os empregados são solicitados, no contexto de sua atividade, de maneira muito pessoal. Trata-se, diante de objetivos cada vez mais exigentes, de provar a sua lealdade, o seu engajamento, a sua adesão à causa da empresa. Os gestores jogam com a necessidade de reconhecimento dos seus empregados através de uma gestão dos afetos e das emoções, cujos recursos alimentam toda uma literatura.
No entanto, esse não é o único paradoxo: solicita-se a esses empregados, em entrevistas de avaliação, que sejam intuitivos, audaciosos, ágeis, autónomos e responsáveis; contudo, no seu cotidiano de trabalho, são impostos procedimentos, protocolos, processos, metodologias, “boas práticas”, isto é, formas de trabalho abstratas e uniformes inventadas por consultores especialistas de grandes consultorias internacionais que ministram de fora as balizas da prática – são os “planeadores”, nas palavras de Marie-Anne Dujarier.[4]
Assim, a subordinação concretiza-se através desses dispositivos que prendem os empregados e os obrigam a trabalhar segundo critérios de desempenho e objetivos decididos unilateralmente. Ela manifesta-se como uma negação de suas capacidades profissionais (ou profissionalismo), que poderiam legitimar a sua vontade de expressar outra visão do trabalho. Numa reunião de um grupo de discussão de gestores de alto nível, ouvi um deles, que nem era tão alto assim, afirmar, com um impressionante suspiro: “Para mim, o grande problema é que na nossa empresa todos os empregados estão convencidos, com o pretexto de que estão lá há muitos anos, que sabem mais sobre o seu trabalho do que eu!”. E todos os outros afirmaram em alto e bom som que com eles era a mesma coisa. Os gestores estavam indignados com a pretensão dos trabalhadores de que estes conheceriam seu trabalho, e a sua preocupação era, acima de tudo, conseguir convencer os empregados de que deveriam confiar nas instruções dadas e se conformar aos métodos pensados para eles, sem eles. É a mesma lógica que leva os diretores de hospitais a quererem impor “boas práticas” aos médicos – o que chega ao ponto de definir o número de minutos a ser dedicado a cada paciente.
Esses empregados forçados a trabalhar segundo métodos que podem entrar em contradição com seus valores profissionais e morais são “apoiados” por códigos de ética e conduta, conjuntos de valores elaborados pela direção. Esses documentos colocam em cena um empregado “virtuoso”, ou seja, disponível, leal, móvel, flexível, comprometido com a excelência e profundamente empenhado, corajoso e disposto a desafiar-se, a assumir riscos. “O diktat da moda é: ‘Saia da sua zona de conforto’. […] Poderíamos chamar de comfortless management. […] Eis a panaceia, o ápice, o motor da criatividade, o trampolim para superar os desafios.”[5]
O empregado deve, portanto, mobilizar integralmente a sua pessoa, no plano cognitivo e emocional, a fim de alcançar objetivos que não teve a oportunidade de discutir, com recursos que lhe foram impostos e utilizando procedimentos inegociáveis, sob o risco de parecer não adaptado, incompetente, de má vontade, melindroso e, por fim, decepcionante, sem valor e sem interesse. Muitas entrevistas realizadas em empresas evidenciam o sentimento de solidão e autodesvalorização que pode sobrecarregar os empregados após uma entrevista de avaliação: “Eles estão certos, eu sou um inútil”, confessou para mim um gerente (ex-aluno da École Polytechnique) de um grande banco.
As intermináveis reestruturações dos departamentos e serviços, as constantes mudanças de software, as várias recomposições das funções, as sistemáticas mobilidades impostas, as terceirizações em cascata, os sucessivos deslocamentos, tudo isso borra os referenciais e mergulha os empregados em uma precarização subjetiva. Os profissionais, sejam quais forem, são permanentemente reduzidos à categoria de aprendizes. Eles precisam de novo e de novo provar a si mesmos e se esgotam procurando reconstruir um mínimo de controlo sobre o seu ambiente de trabalho.
Essa estratégia de gestão torna obsoletos o seu conhecimento e a sua experiência. Ela mergulha-os num estado de dependência quanto aos procedimentos, às boas práticas etc., concebidos para eles e aos quais eles não têm legitimidade para contestar, pois estão na condição de aprendizes eternos. Desse modo, precisam ligar-se aos tais procedimentos, que lhes servem de salva-vidas num contexto no qual ninguém pode contar com a ajuda de ninguém, já que todos estão presos dentro da mesma lógica.[6] Isso explica a amplitude do consumo de substâncias como álcool, drogas e tranquilizantes no local de trabalho, para aguentar o embate.
Esse mundo do emprego apavora os jovens, desespera os mais velhos, cansa os que já chegaram aos 40. Romances, filmes, peças de teatro e documentários enfocam o sofrimento, o desconforto, as terríveis frustrações e dramas que o habitam. Lançado no ano passado, o filme Corporate, um thriller dirigido por Nicolas Silhol, expõe, por meio do suicídio de um empregado, a violência gerencial. Os meios de comunicação relatam suicídios, e as políticas públicas enumeram medidas contra os riscos psicossociais. Os sindicatos denunciam o assédio, as pressões que levam ao burnout, mas não questionam a subordinação. Esta parece inexorável.
Há quem acredite, inclusive, que, no contexto da guerra económica incessantemente lembrada, é necessário pedir ainda mais ao empregado já constrangido pela subordinação: aumentar as horas de trabalho, reduzir o efetivo (especialmente no setor público) e aumentar a idade mínima para se aposentar. É essa a posição do Movimento das Empresas da França (Medef), que deseja reduzir as contrapartidas da subordinação, defendendo o enxugamento da legislação laboral, considerada excessivamente complexa e, sobretudo, excessivamente protetora dos empregados; a redução do papel dos médicos e inspetores de trabalho; e a diminuição dos direitos das comissões de saúde e segurança.
É nesse sentido que podemos interpretar a Lei El Khomri, que, recomendando medidas como a inversão da hierarquia das normas, enfraquece os empregados na relação de forças e na negociação. Para o Partido Socialista, impor às diretorias das empresas limites de poder e autoridade seria algo “ultrapassado” e, especialmente, traria o risco de prejudicar o desempenho no trabalho, que só poderia ser incrementado num contexto mais liberal. O partido rendeu-se, portanto, à ideologia patronal, considerando que é necessário basear-se numa desconfiança a priori em relação aos empregados e encontrar arranjos organizacionais capazes de contê-los, colocando-os sempre numa posição de restrição.
A nova lei sobre o trabalho prevista na França para este verão, sob a presidência de Emmanuel Macron, vai nesse sentido: “libertar” as direções das empresas da rigidez que as impede de demitir e contratar, bem como de negociar as condições de trabalho e emprego nos níveis mais locais, aqueles em que a negociação é precisamente a menos vantajosa para os empregados…
Aos antípodas do empreendedorismo
Outros reivindicam um enfraquecimento do lugar tomado pela relação de assalariamento na sociedade, através da redução das horas de trabalho (é particularmente a reivindicação do Partido Comunista Francês) ou da introdução do rendimento universal, que permitiria aos indivíduos não depender exclusivamente do salário (como defendia Benoît Hamon, candidato socialista nas eleições presidenciais).[7] Desse ponto de vista, trata-se de afrouxar gradualmente o jugo do trabalho assalariado, reduzindo sua envergadura e o lugar que ele ocupa na vida dos indivíduos; de limitar, quantitativamente, a influência dos constrangimentos que o definem.
Paradoxalmente, essa visão é compartilhada pelas direções de empresa que gostariam, a fim de tornar mais leves suas “despesas” e responsabilidades, de mobilizar cada vez mais trabalhadores fora da lógica do salário. À sua maneira, essas companhias procuram reduzir o “jugo” que representam para elas os direitos e garantias que constituem o outro lado da relação assalariada. Assim, esforçam-se para desenvolver competências dos indivíduos “que lhes permitam assumir a si próprios”, a enfrentar por conta própria os riscos, sem deixar de prendê-los com imposições suficientemente fortes para garantir o lucro. Isso ocorre sob a forma do autoempreendedorismo e, particularmente, da economia de plataforma digital (como o Uber). Esses trabalhadores, apresentados como amantes da liberdade e da aventura, da ousadia e da flexibilidade,[8] veem-se diante de imposições bastante específicas em termos de equipamentos (carro, bicicleta), vestuário e até roteiros de interação verbal, que são obrigados a respeitar sob pena de multa. As plataformas também estabelecem os preços a serem cobrados e recebem avaliações dos clientes, não hesitando em punir os trabalhadores, recorrendo, portanto, a um poder disciplinar.[9] Por mais independentes que pareçam ser, os “parceiros” da plataforma Deliveroo, por exemplo, são multados caso recusem mais de três chamadas de serviço durante seu horário de trabalho. Regra semelhante existe para os motoristas do Uber, embora sejam eles mesmos que devam pagar os impostos referentes à atividade, as contribuições sociais, a gasolina e o carro…
Ocorre que 87% dos trabalhadores em atividade são assalariados. Portanto, é espantoso que seja sistematicamente ignorada a via de modernização que consistiria em manter (ou até fortalecer) os aspectos positivos do assalariamento, libertando-o dessa dimensão alienante que é a subordinação.
Por que não mirar essa coerção arcaica e ilegítima da subordinação, que é fonte de sofrimento e não contribui, muito longe disso, para a qualidade ou eficiência do trabalho? Por que não desligar a subordinação das garantias e proteções sociais, mesmo que elas tenham se constituído juntas?
Até o patronato começou a pensar sobre isso. Na verdade, ele tem consciência das limitações dos métodos de gestão atuais, que se revelam ineficazes para garantir o desempenho das empresas francesas diante da concorrência. Estas não podem, de modo algum, tentar vencer a concorrência pelo custo: nunca serão capazes de superar as empresas dos países em desenvolvimento com baixo custo de mão de obra. Portanto, precisam apostar na qualidade do engajamento dos empregados, na sua inteligência e experiência coletiva, na sua força propositiva, para melhorar as condições de trabalho, para dar realmente lugar à renovação das ideias, dos produtos, para satisfazer de maneira autêntica as necessidades dos consumidores e integrar outros imperativos, além da rentabilidade a curto prazo.
Existe, há algum tempo, uma corrente que se diz detentora de inovações significativas nesse sentido. São as empresas “libertas”, que ficaram conhecidas do grande público por meio do documentário Le Bonheur au travail [A felicidade no trabalho], dirigido por Martin Meissonnier e transmitido pelo canal francês Arte, no final de 2014. Desde então, o termo “empresas libertas” (que alguns passaram a rebatizar como “libertadoras”) ganhou espaço. Essas empresas colocam em prática a horizontalidade, a holacracia (organização em círculos de decisão), os métodos “ágeis”, a redução da linha hierárquica etc. Essas práticas refletiriam a sua premissa básica: a confiança a priori nos empregados, a qual permite que eles se autodirijam. Algumas servem de modelo: o Ministério da Previdência Social da Bélgica, a Favi, a Poult, a Chronoflex, a Harley-Davidson etc. Elas inspiram muitos gestores de grandes empresas que se consideram “libertados” – parece que é o caso, até, de algumas agências do Pole Emploi [entidade francesa de apoio ao emprego].
Essencialmente, porém, o rótulo é concebido e aplicado pelos dirigentes de tais empresas, e praticamente não há investigações sociológicas aprofundadas sobre esses métodos organizacionais. Considerando as experiências anteriores, temos o direito de nos perguntar se não estamos diante da enésima inovação gestora destinada a convencer os empregados da boa-vontade dos dirigentes de empresa e da sua capacidade de fazer a diferença nos recursos humanos.
A ênfase na capacidade de auto-organização dos empregados, neste momento, teria o objetivo de economizar uma grande fatia da hierarquia intermediária. Os dirigentes apostam que os empregados estão suficientemente balizados pelas “boas práticas” ou protocolos, e suficientemente convencidos da eficácia desses dispositivos, de modo a não precisarem mais de gestores próximos, remunerados para fazer o papel de enquadrá-los.
As condições da “libertação do trabalho” não podem ser unilateralmente decretadas pelos dirigentes, mesmo que eles se considerem no direito de representar, sozinhos, a empresa. É significativo que o Centro Nacional do Patronato Francês (CNPF) tenha mudado de nome, em 1998, passando a se chamar Movimento das Empresas da França (Medef). Até ao momento, a modernização da iniciativa de gestão (seja sob a forma de empresas “libertas” ou das plataformas digitais) consiste, sobretudo, em transferir para os trabalhadores uma série de encargos e responsabilidades que antes recaíam sobre os empregadores, sem, no entanto, afrouxar as limitações impostas pela subordinação.
Uma contribuição real dos empregados na definição dos seus métodos de trabalho e dos critérios de desempenho que determinam esse trabalho pressupõe que se reconheça a esses trabalhadores o direito e a legitimidade de desenvolverem uma relação, em seu trabalho e em sua empresa, baseada no profissionalismo e na experiência. Essa é a condição indispensável para libertar a inventividade, a criatividade, a agilidade, que fazem tanta falta, e também para romper com o mal-estar que acompanha a organização do trabalho infantilizadora e desrespeitosa da gestão moderna em suas várias formas.
Digamos já que não existe, no presente, um modelo alternativo no qual seja possível nos basearmos para avançar. Ele precisa ser inventado. Isso só pode ser feito com a mobilização da inteligência coletiva dos empregados em seus locais de trabalho – por outras palavras, fora do contexto de subordinação que paralisa e anestesia qualquer vontade de inovar, em razão da espada de Dâmocles que pende sobre a cabeça de cada empregado. E não pode ser feito em empresas que estejam separadas do público a que se destinam os bens e os serviços produzidos.
Assim, é possível imaginar a instauração de conselhos corporativos nos quais se sentariam não apenas empregados na condição de profissionais, mas também representantes dos consumidores e dos cidadãos imbuídos de preocupações ambientais que deveriam contribuir para a definição da qualidade dos bens e serviços, cientes das condições de sua produção.
Para que o trabalho constitua uma atividade socializadora e cidadã, para que crie empregos e alimente lógicas de consumo respeitosas em relação às pessoas e à natureza, é imperativo começar a olhar a subordinação por outro prisma e “desnaturalizá-la”.
Pode-se dizer que isso é irreal e utópico, e que é preciso ter a “coragem do pragmatismo”. Isso seria ignorar que a nossa realidade decorre de uma série de construções e escolhas sociais anteriores. Inventar outras realidades é legítimo, possível e urgente.
Notas
1 “Pour l’Urssaf, les chauffeurs Uber sont des salariés” [Para a Urssaf, motoristas do Uber são empregados], Les Échos.fr, 13 maio 2016.
2 Ler “Hier solidaires, désormais concurrents” [Ontem parceiros, hoje concorrentes], Le Monde Diplomatique, mar. 2006.
3 Ler Julien Brygo e Olivier Cyran, “Direction des Ressources Heureuses” [Departamento de Recursos Felizes], Le Monde Diplomatique, out. 2016.
4 Marie-Anne Dujarier, Le Management désincarné. Enquête sur les nouveaux cadres du travail [A gerência desencarnada. Pesquisa sobre os novos contextos de trabalho], La Découverte, Paris, 2015.
5 Cf. Patrick Bouvard, “Sus à la zone de confort” [Abaixo a zona de conforto!], RH info.com, 13 mar. 2015.
6 Cf. La Comédie humaine du travail [A Comédia Humana do trabalho], Érès, 2015.
7 “Eu não questiono a importância do trabalho, mas relativizo seu lugar, pois ele vai se tornar escasso. […] Também observo que as pessoas aspiram a trabalhar menos, porque o trabalho as exaure”, “Benoît Hamon: ‘Le revenu universel est la nouvelle protection sociale’ [A renda universal é a nova proteção social], Le Monde.fr, 4 jan. 2017.
8 Cf., por exemplo, Denis Jacquot e Grégoire Leclercq, Ubérisation. Un ennemi qui vous veut du bien? [Uberização. Um inimigo que quer o seu bem?], Dunod, Paris, 2016.
9 Cf. entrevista de Jérôme Pimot com Rachida El-Azzouzi, “Germinal au royaume des plateformes numériques?” [Germinal no reino das plataformas digitais?], Mediapart, 14 dez. 2016 (vídeo); e Julien Brygo e Olivier Cyran, Boulots de merde, du cireur au trader. Enquête sur l’utilité et la nuisance sociales des métiers [Empregos de merda, do sapateiro ao corretor financeiro. Pesquisa sobre a utilidade e o prejuízo social das profissões], La Découverte, 2016.
Danièle Linhart, socióloga do trabalho, é diretora emérita de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), da França. Seu livro mais recente é La Comédie humaine du travail [A comédia humana do trabalho], Érès, Paris, 2015.