A política que nasce do chão da fábrica

Léa Maria Aarão Reis

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 21/09/2018

O sindicalismo está em crise. Nos EUA, na União Européia. E o sindicalismo brasileiro? Ele se adaptou – ou se conformou – com as profundas transformações que ocorreram no mundo da produção e do trabalho nas últimas décadas? E por quais processos os sindicatos passaram e foram esvaziados em face de chegada do mundo neoliberal? Diante dos gigantescos desafios desta era agressiva do neoliberalismo, qual será a nova forma de fazer política sindical daqui por diante?

Qual o formato, hoje, do novo sindicalismo brasileiro, inaugurado nos anos 1979/80 com as grandes greves no ABC e o nascimento da liderança de Luiz Inácio da Silva?* O que é necessário para que ele volte a ser uma força vigorosa de intervenção e de pressão política, como ocorreu naquela época?

Estas e outras inquietações, análises e perspectivas são apresentadas no novo documentário de Renato Tapajós e Hidalgo Romero, Chão de Fábrica – a história do novo sindicalismo, que estreia hoje, às 18 horas, no auditório do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. É um trabalho que retoma o tema da atuação política dos trabalhador brasileiro já abordado por Tapajós em seu premiado Linha de Montagem,** filmado entre 1979 e 1981 e salvo por duas vezes de desaparecimento: pela tentativa de apreensão por parte de agentes da ditadura civil-militar e por ter permanecido durante 20 anos sem recuperação.

Chão de Fábrica é o produto, editado, de uma série de TV com 13 capítulos e com o mesmo título, produzida pela Cisco, de Campinas, em conjunto com diversos sindicatos, e com a Fundação Perseu Abramo. Ele constrói uma ponte com o contexto histórico enfrentado pelo Brasil nos dias atuais e é narrado pelo ator José de Abreu. É um trabalho didático onde se mesclam e se completam comentários e análises de historiadores, sociólogos, cientistas políticos e sindicalistas que esclarecem o papel dos sindicatos nas transformações políticas brasileiras. O autor informa que o filme está disponível, gratuitamente, na Internet, a partir de hoje.

Os entrevistados do doc são Armando Boito Jr., professor de Ciências Políticas da Unicamp. Ele lembra que “as grandes greves começaram no momento em que a crise na ditadura abriu uma brecha para a luta operária”. Outro cientista social, Ricardo Antunes, sociólogo também da Unicamp, está no filme assim como os sindicalistas Expedito Soares Batista (ele lembra a carga horária semanal de 48 horas cumprida pelos trabalhadores em plena época da propaganda mentirosa do milagre econômico) e o legendário Djalma de Souza Bom, uma das lideranças constantes nas manifestações de porta de fábrica, na época.

E são ouvidos também João Felício, Jair Meneguelli e Vagner Freitas de Moraes, da CUT; Vicente Paulo da Silva, PT, e Fausto Augusto Jr. do Dieese; Andreia Galvão, Unicamp, Luiz Antonio Medeiros, da Força Sindical, Antonio Carlos Spis, da FUP, Olívio Dutra, PT e Wagner Santana, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Os principais aspectos abordados no filme são as grandes greves, o velho sindicalismo e a organização do novo movimento sindical; os anos de ouro, o neoliberalismo e o seu avanço, a reestruturação produtiva; o grande pacto dos anos de governo Lula e a retomada com o crescimento do país, o golpe de 2016, e, por fim, o presente e o futuro.

O filme vai das “impressionantes assembleias” – como diz Ricardo Antunes – lideradas por Lula, das concentrações de até 120 mil trabalhadores, no estádio de Vila Euclides, e da época em que entre 60 a 70% da classe operária se concentrava em meia dúzia de fábricas do ABC até o histórico bordão de resistência à ditadura civil-militar, “o Brasil vai bem, mas o povo vai mal”; quando o bolo aumentou e não foi repartido.

Sempre a ideia central: sindicato serve para mediar e melhorar a relação entre capital e trabalho; política tem por foco transformar a sociedade.

Jair Meneguelli relembra os “formidáveis anos 1980” para os trabalhadores. Os mesmos que significaram a “década perdida para o capital”.

A campanha das Diretas Já, Meneguelli rememora, iniciada pelo PT, recém fundado, no Pacaembu (“depois é que a OAB aderiu”, diz ele); a derrota dos setores progressistas pelo governo Collor e a balela de que, primeiro Collor, depois os tucanos, traziam “o novo, a modernidade” e os conceitos do neoliberalismo ao Brasil.

A trajetória do movimento sindical continua registrada no filme: durante o governo FHC, com a festa das privatizações e o movimento da terceirização, sua atuação foi segmentada. A repressão era “de terno e gravata”. Os sindicatos se enfraqueceram e vários deles foram cooptados.

Mas, em seguida, um ex-sindicalista no poder faz com que as condições da luta operária melhorem. “Há o pacto entre governo e capital, mas com representantes dos trabalhadores.”

Vagner Freitas; “Apesar de todas as contradições, Lula elegeria sua candidata à presidência; os indicadores econômicos eram bons.”

No entanto, havia frustrações dentro do meio sindical.”Por exemplo, a redução da jornada para 40 horas semanais – uma discussão sempre descartada ou esquecida. Isto desapontava a classe operária”, diz Wagner Santana, do SMAB. E chega 2014.

Santana lembra: “A classe burguesa só topa negociar quando está ganhando; quando está perdendo ela dá o golpe”.

Antonio Carlos Spis (FUP) e Olívio Dutra (PT) apontam reivindicações históricas e a insuficiência das melhorias havidas explicando o movimento de fragmentação sindical. “Chegava a hora das reformas estruturais, de taxar as grandes fortunas, democratizar os meios de comunicação, da reforma agrária e urbana, dos impostos progressivos – aspectos de um país civilizado”.

E é repetido: O golpe de 2016 é contra o projeto político de um governo. “Não houve uma greve, uma única paralisação em protesto ao movimento do impedimento de Dilma. Veio uma resistência popular, mas ela não foi suficiente para neutralizá-lo”.

A terceirização devasta e quebra a CLT, retira a força do sindicato como interlocutor e mediador entre capital e trabalho, e a negociação prevalece sobre a legislação: os sombrios dias de hoje.

Ricardo Antunes: “A justiça é suprimida e a chamada modernização das relações protetoras do trabalho significa a volta da escravidão do trabalhador no Brasil”.

Observa Pochman em entrevista desta semana: “Pelo Dieese, o ano de 2017 registrou a realização de 1 566 greves, 25,2% a menos do verificado em 2016”.

A estreia de Chão de Fábrica ocorre precisamente na semana em que o economista, ex-presidente do IPEA e atual presidente da Fundação Perseu Abramo, alerta para o enfraquecimento dos sindicatos, “em função da grave crise econômica e do desemprego massificado, acompanhado pela reforma trabalhista de Temer, (que) podem levar à extinção da representação dos trabalhadores, favorecendo o rebaixamento dos salários, a desigualdade e a rotatividade”.

“A reforma trabalhista de Temer foi realizada justamente durante o elevado desemprego e o enfraquecimento das lutas sindicais”.

O objetivo de Tapajós e Romero com este trabalho é o de criar um instrumento de politização de trabalhadores dando continuidade à sua obra na qual faz extensa cobertura das ações da ditadura civil-militar, dos movimentos sociais, da luta armada e do próprio sindicalismo.

Os seis primeiros minutos da abertura, que funcionam como um brilhante lead jornalístico são de fascinante agilidade e envolvem de saída o espectador nessa viagem através a história do movimento sindical do final dos ’80 até aqui.

Dali em diante, durante uma hora e meia as análises se entremeiam a sequências de excelentes imagens históricas – manifestações de rua, violentas repressões policiais, estertores da ditadura de 64, votações no parlamento, o engodo econômico do governo do PSDB que semeia sutilmente e implanta, com firmeza, o neoliberalismo trazido dos anos 80, de Thatcher e Regan, seus gurus.

Chão de Fábrica é um filme obrigatório para se conhecer, nas análises cheias de vivacidade elaboradas por estudiosos e algumas lideranças históricas, a corajosa luta dos trabalhadores do Brasil pelos seus direitos atualmente mais uma vez suprimidos, alguns, e outros, ameaçados.

A conclusão, no filme, vem de Antunes que faz a pergunta desafiadora: “Como resgatar o sentimento de classe dessa nova classe trabalhadora, flexibilizada e precarizada?”

Assista ao trailer de Chão de Fábrica:

* Filme Linha de Montagem no youtube (veja abaixo).

** Filme ABC da greve em www.cartamaior.com.br/includes/controller. cfm?cm_conteudo_id=39830

Serviço: Local do lançamento de Chão de Fábrica, hoje: 3º andar do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rua João Basso, 231 – Centro/ São Bernardo do Campo. Entrada gratuita.

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Assista ao filme Linha de Montagem:

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