A OIT, o trabalho decente e os 40% de pobreza extrema

Eduardo Camín

Fonte: Estrategia.la
Tradução: DMT
Data original da publicação: 03/01/2019

Durante muito tempo, a promoção do “trabalho decente” esteve no coração da agenda da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No entanto, somente no início deste século que o termo, agora amplamente utilizado, foi cunhado no marco de uma ambiciosa agenda.

Mas a realidade mostra que nos países em desenvolvimento, o emprego vulnerável afeta 75% dos trabalhadores, enquanto os progressos para reduzir a pobreza são por demais lentos para compensar o crescimento da força de trabalho. Este ano, mais de 2,4 bilhões de trabalhadores ocuparão um emprego vulnerável, e quatro a cada dez seguirão (sobre)vivendo na pobreza extrema.

O então Diretor Geral Juan Somavía, em seu informe à Conferência Internacional do Trabalho de 1999, escreveu que “O trabalho decente é uma reivindicação mundial com a qual se confrontam os dirigentes políticos e empresariais de todo o mundo. Nosso futuro depende em grande parte de como lidaremos com esse desafio”.

O Programa de Trabalho Decente, que apesar de definido em 1999 só foi adotado formalmente em 2008 como parte da “Declaração da OIT sobre a justiça social para uma globalização equitativa”, deixa claro que o trabalho decente é a base das sociedades produtivas, justas e inclusivas.

O programa se concentra em quatro objetivos estratégicos: o emprego, a proteção social, o diálogo social e os direitos no trabalho, que se demonstraram mais de uma vez serem indispensáveis para alcançar o crescimento inclusivo e a paz social. Hoje podemos dizer que o conceito obteve uma ampla aceitação internacional.

Desse modo, foi incorporado na Agenda 2030 das Nações Unidas, com o Objetivo 8 que instiga a promover “um crescimento econômico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e o trabalho decente para todos”. No entanto, o trabalho decente não consiste somente em encontrar um emprego, mas sim significa a oportunidade de ter acesso a um emprego produtivo que gere um rendimento justo, segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias.

Está na raiz da coesão social, já que onde há escassez de trabalho decente também há pobreza, desigualdade, tensão social e conflitos sociais. O trabalho que coloca as pessoas em escravidão, pobreza ou as expõe a perigos, discriminação ou insegurança, não permite que os indivíduos – nem as economias das quais fazem parte – avancem e desenvolvam seu potencial.

Muitos são os artigos e informes sobre o tema que fazem referência sobre a qualidade do trabalho e sua influência sobre a pobreza. O marco teórico existe e estabelece uma política em matéria de emprego.

A OIT – com sua estrutura tripartite que reúne representantes de governos, trabalhadores e empregadores – ocupa uma posição ideal para promover o Programa e ajudar ativamente seus Estados membros através de seus Programas de Trabalho Decente por País (PTDP), ao incorporá-lo como um elemento-chave de suas estratégias de desenvolvimento nacionais.

Segundo o Informe, durante 2016-2017 a ação da OIT contribuiu para alcançar conquistas significativas em 131 países, onde os governos, as organizações de empregadores e de trabalhadores desenvolveram estratégias na área do trabalho decente e fortaleceram sua capacidade institucional e seus conhecimentos para promover o emprego, a proteção social, o diálogo social e os direitos e princípios fundamentais no trabalho.

A outra face do informe

Também são vários os informes da própria OIT nos quais se ressalta uma dificuldade crescente em relação à geração de emprego, quando as perspectivas econômicas mundiais a longo prazo seguem sendo moderadas, ainda que alguns especialistas destaquem um agravamento maior.

A recente desestabilização mundial gerada na Organização Mundial do Comércio (OMC) sob o manto das guerras comerciais, produziu um alarme globalizador, colocando em causa as políticas econômicas e de emprego estáveis, a médio prazo. O crescimento do emprego não será suficiente para absorver o aumento da força de trabalho nos países emergentes e em desenvolvimento.

Em um recente Informe da OIT, seu Diretor Geral, Guy Ryder, declarou que “Mesmo com o desemprego mundial se estabilizando, os déficits de trabalho decente seguem muito disseminados: a economia mundial ainda não está criando empregos suficientes. É necessário realizar esforços adicionais visando melhorar a qualidade do emprego para as pessoas que trabalham e garantir que os lucros do crescimento sejam distribuídos igualmente”.

Conclusão: o emprego vulnerável aumenta e o ritmo da redução da pobreza laboral diminui. O informe evidencia que os importantes progressos alcançados no passado na redução do emprego vulnerável estancaram a partir de 2012, o que significa que cerca de 1,4 bilhão de trabalhadores ocupavam um emprego vulnerável em 2017 e que se prevê que durante este ano (2019) outros 35 milhões se somem a eles.

Nos países em desenvolvimento, o emprego vulnerável afeta três de cada quatro trabalhadores, enquanto os esforços para reduzir a pobreza dos trabalhadores são demasiado lentos para compensar o crescimento da força de trabalho.

Nos próximos anos, se estima que o número de trabalhadores que vivem em pobreza extrema se manterá acima de 114 milhões, afetando 40% das pessoas com um emprego em 2018, explicou o economista da OIT Stefan Kühn, principal autor do informe.

Ao analisar as mudanças na composição setorial do emprego, o informe constata que o setor dos serviços será o principal motor do futuro crescimento do emprego, enquanto segue a diminuição na agricultura e manufatura.

Dado que o emprego vulnerável e informal prevalece tanto na agricultura como nos serviços de mercado, as mudanças de emprego previstas entre um setor e outro poderiam ter somente potencial limitado para reduzir os déficits de trabalho decente, caso não estejam acompanhadas por grandes esforços políticos para estimular a qualidade dos empregos e a produtividade no setor de serviços.

Uma vez mais, os esforços para a conciliação de classes dos organismos internacionais se fazem insustentáveis, na prática. Caberia perguntar: por que, hoje em dia, o aumento do potencial produtivo corresponde à diminuição da ocupação e das condições materiais de vida?

Quando o nível salarial dos trabalhadores já não chega a seu mínimo vital, ao mesmo tempo que a produção se duplica em sociedades onde o desenvolvimento da produtividade tornaria possível a satisfação de um número crescente de necessidades materiais com um esforço de trabalho decrescente, então que justificativa racional existe para a miséria extrema na qual sobrevivem bilhões de seres humanos?

Por ignorância induzida ou por manipulação assistida, o sistema capitalista se converteu em uma “ordem natural” inquestionável.

Eduardo Camín é jornalista uruguaio, membro da Associação de Correspondentes de imprensa da ONU em Genebra. Associado ao  Centro Latinoamericano de Análisis Estratégico (CLAE).

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