A moda de explorar o trabalhador

A ideia de democratizar a moda, no sentido de dar à classe média acesso às últimas tendências globais, é bastante forte na comunicação das marcas que se posicionam no segmento fast-fashion.

Por essa proposta, o consumidor não entra mais num estabelecimento e aguarda que opções lhe sejam apresentadas por um vendedor no balcão; ele caminha entre araras com todas as peças expostas, e pode montar “looks” segundo suas próprias preferências.

É isso que ocorre quando se entra numa loja da Zara, marca espanhola pioneira no segmento. Mas o modelo de negócio criado pelo espanhol Amâncio Ortega, fundador da empresa, é mais complexo do que isso.

Há quase 50 anos, Ortega inovou ao integrar os processos de desenho e fabricação, assim como de distribuição e venda. O primeiro objetivo era atentar mais para os interesses do consumidor, evitando encalhe de estoques, que são trocados duas vezes por semana; o segundo, extinguir o distribuidor independente, de modo a reduzir o custo da roupa.

“No ambiente atraente da Zara, você pode tocar tudo, ouvir uma música agradável e ser atendida por vendedoras jovens e na moda. Exatamente o contrário do que era habitual nas cadeias e lojas tradicionais”, conta o livro “O gênio da Zara”, best-seller da jornalista Covadonga O’Shea (Editora Seoman, 2008).

Esse é, porém, só um dos lados da Zara e das companhias fast-fashion – o mais glamoroso deles, do ponto de vista da indústria e do comércio.  Há um outro lado, mais feio e sem glamour.

É o que diz respeito às baixas condições de trabalho com que é fabricada parte dos produtos da indústria da moda, em especial nas oficinas de costura que são fornecedoras independentes das grandes marcas.

Fiscais do Ministério do Trabalho têm atuado para punir as irregularidades, mas os padrões de sustentabilidade avançam vagarosamente. Na origem do problema, está o próprio modelo no qual se organiza a indústria fast-fashion, baseado na terceirização intensa da cadeia produtiva.

Em 2011, três oficinas de costura fornecedoras da Zara em São Paulo foram flagradas com 67 bolivianos e peruanos em condições análogas à de escravos. Nos últimos anos, também houve flagrantes em fornecedores de Pernambucanas, Marisa, M.Officer, Le Lis Blanc, Bo.Bô, Collins, Gregory, Cori, Emme e Luigi Bertolli.

O problema de fundo é sempre o mesmo: terceirizações e quarteirizações que ajudam a reduzir custos trabalhistas e tributários, porém elevam os riscos laborais. Os casos se agravam quando os trabalhadores são imigrantes em situação irregular no país – o que é comum em São Paulo, aonde bolivianos, paraguaios e peruanos chegam para atuar em oficinas de costura.

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Na avaliação de fiscais do governo acostumados a atuarem em inspeções no setor, a situação é tão precária que muitos brasileiros não aceitam as condições oferecidas. O alvo acaba sendo imigrantes que, no novo país, focam toda a sua vida no trabalho e em juntar dinheiro.

O terceiro número do Monitor, boletim que divulga os estudos setoriais e de cadeia produtiva da Repórter Brasil, que é agora divulgado, apresenta um panorama dos problemas laborais da indústria fast-fashion, traz uma análise mais profunda do caso da Brooksfield Donna, acusada recentemente de manter fornecedores com trabalho escravo e infantil, e oferece recomendações para os setores público e privado.

Clique aqui para ler o Monitor #3: “Fast-fashion e os direitos do trabalhador

Fonte: Repórter Brasil, com DGB Bildungswerk
Texto: Marcel Gomes
Data original da publicação: 18/08/2016

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