A mão-de-obra barata que a Suíça não consegue deslocalizar

Estrangeiros irregulares atuam em setores pouco flexíveis da economia suíça: trabalho doméstico (53%); construção (18%), hotelaria (16%), agricultura (5%) e outros (8%), segundo um estudo recente divulgado pela Secretaria de Estado da Migração (SEM). Sua filha, Laura (29), conseguiu para ela essa ocupação. “Um professor conhecido estava procurando alguém para cuidar da mãe, de quase 90 anos. Eu propus a minha mãe, mas é um grande risco. Creio que isso vai acabar em breve”, revela a mulher que trabalha como caixa de supermercado e vive em um povoado de Berna, cujo visto de permanência é o “B”, por matrimônio.

Sua filha, Laura (29), conseguiu para ela essa ocupação. “Um professor conhecido estava procurando alguém para cuidar da mãe, de quase 90 anos. Eu propus a minha mãe, mas é um grande risco. Creio que isso vai acabar em breve”, revela a mulher que trabalha como caixa de supermercado e vive em um povoado de Berna, cujo visto de permanência é o “B”, por matrimônio.

“E o professor não tem problema de ocupar a sua mãe de forma ilegal?”, pergunto. “Ele diz que é um modo de ajuda e de nos ajudar, mas é preciso discrição, pois mesmo se existe uma grande necessidade de gente para cuidar dos idosos em casa, o governo suíço não nos dá vistos de trabalho”. swissinfo.ch pede para falar com ele. “Nem pensar”, responde Laura, assustada.

Apenas um exemplo da mão-de-obra ilegal na Suíça, composta por aproximadamente 76 mil imigrantes, como estima o estudo “Os sem-papéis na Suíça em 2015”, publicado pela Secretaria de Estado para Migração (SEM). Trata-se de uma estimativa, admitem os autores da pesquisa. “O número de estrangeiros irregulares não pode ser estabelecido com certeza, mas situa-se muito provavelmente entre 50 mil a 99 mil”.

2 de 10, refugiados

Segundo a primeira grande pesquisa para detectar o número de estrangeiros irregulares realizada desde 2005, apenas 18% são requerentes de asilo recusados.

“A grande maioria dos ‘sem-papéis’, como são chamados, jamais teve contato com o sistema de asilo. Seu objetivo é chegar ou permanecer na Suíça para trabalhar, respondendo à demanda existente dessa mão-de-obra clandestina no mercado laboral helvético”, indica Martin Reichlin, porta-voz do SEM.

O estudo o confirma: nove de dez “sem-papéis” maiores de idade têm uma ou várias atividades remuneradas, o que seriam 60 mil pessoas, homens e mulheres igualmente, participam do mercado de trabalho helvético. A metade deles, registra o documento, é ocupada nos lares suíços.

“São imigrantes econômicos e não têm os documentos por uma simples razão: a Suíça não permite outra imigração laboral que a da União Europeia (UE) e da Associação Europeia de Livre Comércio (AELC), com exceções para pessoas com uma qualificação especial”, explica, por sua parte, Francisco Merlo, especialista em migração e consultor no centro de assessoria para os imigrantes ‘La Fraternité‘, em Lausanne, uma das instituições que participou do estudo do SEM.

Do divórcio à sombra

Estima-se que 63% dos estrangeiros irregulares cruzaram a fronteira helvética sem nenhuma autorização em mãos ou como turistas.

Outros 19% tinham o visto de estadia, mas ele caducou. “São pessoas socialmente e profissionalmente melhor integradas e, portanto, menos visíveis”, diz a pesquisa.

É o caso de Ana (30), brasileira. Ela vive em Zurique, com “familiares”. Sua passagem à clandestinidade, diz, foi involuntária. “Meu marido, suíço, me pediu há quatro anos o divórcio antes que pudesse obter o visto de permanência”.

Ela ficou, mas escondida. “Limpo casas e sou acompanhante”. Ana se prostitui. “Faço todos meus compromissos por celular. Assim não preciso me expor. Tenho meus clientes fixos. Com isso e as horas de limpeza, mantenho meu filho e a minha mãe no Brasil.”

Fonte: SEM.
Fonte: SEM

Equatorianos, brasileiros e kosovares

A maior parte dos estrangeiros irregulares (43%) vem da América Latina, indica o estudo da SEM.

“São, acima de tudo, do Equador, Bolívia e Brasil. Eles criaram nichos de trabalho na limpeza e cuidados de crianças e idosos em casas particulares”, comenta Merlo e que, como consultor, conhece de perto as histórias da imigração ilegal na atualidade.

Depois dos latino-americanos, também pessoas oriundas de países europeus (24%), que não pertencem nem à UE ou a AELC (da qual faz parte a Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein), caem na situação de clandestinidade.

Muitos dessas pessoas são “extracomunitários”, ou seja, vem de países da ex-Iugoslávia, origem de uma forte imigração a partir da década de 1970. Ele terminou quando a Suíça reservou a importação de mão-de-obra aos países da UE e AELC, suprimindo ao mesmo tempo o status de trabalhadores temporários em 2002. A única possibilidade para os migrantes da Macedônia e Kosovo sem visto de trabalho foi a clandestinidade. Amigos e familiares “legais” lhes dão emprego.

“Várias pequenas empresas do setor de construção abertas nas últimas décadas a oeste do país são de albaneses do Kosovo. Eles oferecem trabalho aos seus compatriotas”, indica Merlo.

Assim ganha a vida Tiko* (47), que recusa um encontro pessoal. “Não quero ter problemas”, responde por telefone. Há mais de quinze anos trabalha como pedreiro na região de Genebra. “Há oito anos cozinho também em um restaurante de um primo”. Questionado se já foi controlado alguma vez por autoridades, responde com um simples “não”.

Fonte: SEM.
Fonte: SEM

Clandestinos também da UE

O estudo de 2015 excluiu das suas análises a eventual imigração ilegal oriunda de países da União Europeia, mas Francisco Merlo, assim como outros especialistas, afirma que esse fenômeno é muito frequente, apesar do acordo de livre-circulação de pessoas firmado entre a Suíça e a UE.

Isso ocorre quando um trabalhador da UE perde o emprego e o visto de estadia, mas continua a viver na Suíça. Ou, acrescenta, “quando o trabalhador traz sua mulher e filhos, mas não tem espaço suficiente na moradia como exigem as normas suíças. Nesse caso o visto de permanência é negado para eles”.

Nesses casos há muitos exemplos, disse: “trabalhadores de Portugal, Espanha ou Itália que não vão enviar sua família de volta a seu país. Então eles ficam, sem documentos, até que tenham a oportunidade de encontrar uma moradia com mais espaço e, dessa forma, ter a permissão de fazer o reagrupamento familiar”.

Os limites da terceirização

Algo fundamental: o cálculo do número de estrangeiros irregulares permanece estável em comparação com os dados de 2005, ressaltam os autores do novo estudo e mencionam as principais razões apontadas para justificar a ocupação dos “sem-papéis”: a demanda (a curto prazo) de mão-de-obra flexível e a pressão dos custos, especialmente nos setores produtivos pouco rentáveis.

Para Merlo, “Isso revela a ineficácia das políticas restritivas anti-imigração, apesar da demanda estável por parte da economia e sociedade dessa mão-de-obra barata. Isso se deve, entre outros, ao fato de que o esforço governamental de criar jardins-de-infância e opções para os cuidados com os idosos não tenha dado frutos”.

“Nós terceirizamos tudo o que é possível para reduzir os custos. Mas três setores não podem ser movidos: construção, trabalho doméstico e gastronomia. Por isso toleramos que as pessoas venham para cá, dispostas a trabalhar ao seu próprio risco e sem direitos. É uma hipocrisia coletiva.”

12% dos estrangeiros irregulares são crianças

A Secretaria de Estado para Migrações (SEM) é o órgão que regulamenta as condições de entrada, permanência e trabalho na Suíça. O estudo
“Sem-papéis na Suíça em 2015” indica que de um total de 76.000 imigrantes ilegais, 88% são adultos (66,880) e 12% têm menos de 18 anos
(9120).

Tempo vivendo na Suíça
• 19% do “sem-papéis” tem mais de 10 anos vivendo clandestinamente na Suíça.
• 35%, de 5 a 10 anos.
• 25%, menos do que 5 anos.
• 21% inferior a um ano.

Regularização

Apenas dois dos 26 cantões estão realmente dispostos a avaliar a regularização dos trabalhadores irregulares: Vaud e Genebra, com 93% das regularizações em 2014 sob a Lei de Estrangeiros: 275.294 pessoas.

Fonte: Swiss Info
Texto: Patricia Islas
Data original da publicação: 13/07/2016

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