A informalidade do mercado de trabalho e a aprovação do cadastro positivo

Flavio Fligenspan

Fonte: Sul21
Data original da publicação: 18/03/2019

Uma das “encomendas” da elite empresarial brasileira a Temer em 2016 era avançar na desregulamentação do mercado de trabalho com avanço da informalidade, dos contratos temporários, do trabalho intermitente e, do enfraquecimento da Justiça do Trabalho. Temer atendeu à encomenda. Bolsonaro anunciou na campanha e cumpre o prometido: seguir o mesmo caminho, inclusive como mais uma faceta da linha geral de diminuir o tamanho do Estado e seu poder regulador das relações econômicas e sociais.

Politicamente, este também é mais um veio do projeto geral de iludir a sociedade, mais um anúncio falso, cujo objetivo é obter apoio popular para mudar a institucionalidade contra os interesses dos mais pobres, prometendo o impossível: relações menos reguladas vão criar mais e melhores empregos, reforma previdenciária vai garantir aposentadorias e amparo aos trabalhadores, além de acabar com privilégios, privatização vai trazer melhores serviços a preços mais baixos etc.

Com o avanço da desregulamentação do mercado de trabalho, a tendência dos últimos anos deve se agravar – menos pessoas com empregos formais e garantias trabalhistas, menos renda, menos comprovação de renda, mais trabalho precário, mais trabalho temporário, menos planejamento do orçamento familiar e menos segurança em relação ao futuro, mesmo que em prazos curtos.

As formas tradicionais de verificação de informações para concessão de crédito devem sofrer o impacto destas mudanças. Cada vez menos será possível examinar contratos de trabalho (carteira de trabalho) e holerites para comprovar emprego e renda, o que vale para os trabalhadores do setor privado, mas também para os do setor público, com a perspectiva de encolhimento de suas atividades tradicionais e do avanço das privatizações.

As empresas que oferecem crédito ao consumo e as que dependem de crédito para venderem seus produtos (bens de consumo duráveis) deveriam estar preocupadas com este assunto; mas não estão. A saída parece ser a implantação do cadastro positivo, medida aprovada pelo Senado e apenas na dependência da sanção presidencial. Diferentemente da sistemática atual, em que as empresas de análise de crédito informam se o consumidor é um mau pagador (cadastro negativo no SPC, por exemplo), o cadastro positivo vai informar se o cliente é um bom pagador de suas obrigações, incluindo as contas mais simples e regulares, como energia, água e telefone, através de uma nota ou escore. Logo, há gradações e não uma resposta absoluta.

O cadastro positivo, portanto, deve substituir as antigas formas de exame da viabilidade do crédito para consumidores comuns, dispensando a tradicional análise da relação de trabalho. Quem tiver boa nota no cadastro pode obter crédito e a taxas baixas, não importando de onde e de que forma se obtém a renda, o que inclui até mesmo atividades ilegais. Pelo lado das empresas que oferecem crédito, a novidade também traz mudanças, pois as pequenas financeiras terão mais condições de disputar o mercado com as grandes, já que poderão dispor de informações mais completas dos postulantes ao crédito, pelo menos no que se refere ao seu histórico como pagadores de suas obrigações.

Assim, o que era para ser uma boa idéia – um instrumento mais amplo e mais moderno de análise de crédito, inclusive com aumento da competição no mercado financeiro e um possível rebaixamento dos juros – acabará sendo usado para cobrir uma parte dos problemas que a desregulamentação do mercado de trabalho vai trazer. É claro que esta novidade não resolve o problema de quem vai fazer financiamento de longo prazo, como no caso do financiamento imobiliário. Nestas situações, só os estudos estatísticos que devem ser elaborados com séries de dados mais longas podem dar segurança às empresas do mercado financeiro. Quando os estudos estatísticos não oferecerem a segurança requerida, implicando aumento do risco do setor financeiro privado, a concessão do crédito recairá naturalmente no sistema de crédito público. Afinal, nem tudo é novidade; o setor público continuará a cumprir seu histórico papel de “apoiar” as atividades privadas no Brasil.

Flavio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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