Novos dados do IBGE revelam retrocesso de dez anos. Crise dura três décadas, mas aprofundou-se rapidamente com desmonte do BNDES, após golpe de 2016. Desindustrializado, país torna-se mais rude e muito mais desigual
José Álvaro de Lima Cardoso
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 06/02/2020
A produção industrial no Brasil diminuiu 1,1% em 2019, em relação a 2018, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Das 24 atividades pesquisadas pelo IBGE, 16 apresentaram queda no ano. Nos últimos dois meses do ano passado a queda acumulada chegou a 2,4%, sendo que o resultado de dezembro (-0,7%) é pior no mês, desde 2015. Segundo os pesquisadores do IBGE, o patamar de produção de 2019 é semelhante ao de 2009; é como se o país tivesse regredido, em termos de produção industrial, em dez anos.
No ano passado, metade dos macrossetores industriais não conseguiram crescer, como se verifica abaixo. O caso mais extremo, bens intermediários, recuou 2,2%. Os bens intermediários (manufaturados ou matérias-primas empregados na produção de outros bens intermediários ou de produtos finais), são considerados o cerne da produção industrial. A sua queda nessa magnitude é sintomática de como anda a economia no seu conjunto.
• Indústria geral: -1,1%;
• Bens de capital: -0,4%;
• Bens intermediários: -2,2%;
• Bens de consumo duráveis: 2,0%;
• Bens de consumo semi e não duráveis: 0,9%.
Segundo o IBGE, Bens de capital, recuaram para -0,4% em 2019, sendo que dezembro de 2019, ficou 5,9% abaixo do mesmo mês no ano anterior. O recuo na produção de bens de capital reflete baixo investimento (a taxa de investimento (FBCF/PIB) estava em meros 15,9% no segundo trimestre de 2019). Esse dado, possivelmente está relacionado com a política de desmonte do BNDES, que responde pela maior parte do investimento produtivo no Brasil (os indicadores de queda do total dos empréstimos do BNDES, nos últimos três anos, são impressionantes).
Por outro lado, os segmentos restantes apresentaram quedas, sendo os maiores em: indústrias extrativas (-9,7%), manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (-9,1%), outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores (-9,0%), produtos de madeira (-5,5%), celulose, papel e produtos de papel (-3,9%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-3,7%), perfumaria, sabões e produtos de limpeza (-3,7%) e metalurgia (-2,9%) e impressão e reprodução de gravações (-2,2%).
Estes resultados da indústria, que atingiram tanto a indústria extrativa quanto a de transformação, significaram um banho de água fria nas análises de que o setor estaria se recuperando de forma consistente. O IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), afirma em publicação recente (Destaque IEDI, 04/02/20), que a década que se encerra em 2020, poderá ser considerada perdida para indústria. O estudo do instituto observa, por exemplo, que o resultado do ano passado não é casual. Nos últimos nove anos (2011 a 2019) quando a indústria cresceu, foi em patamares muito baixos. Em nove anos, segundo o citado estudo, a perda acumulada é de -15% na indústria. É um massacre. Após muito anos, o Brasil caminha para sair do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo. Decorrência direta de um processo mais profundo de desindustrialização, mas que foi acelerado pelas políticas do golpe a partir de 2016. Em 2019 a indústria, que já representava apenas cerca de 11% do Produto Interno Bruto (PIB), possivelmente sofreu novo recuo.
Há na economia uma relação direta entre produção industrial e o perfil de distribuição de renda. Como se sabe, o Brasil passa por um aprofundamento do processo de desigualdade social a partir do golpe de 2016. Desde quando, em 1960, o IBGE passou a coletar informações sobre o rendimento da população nos censos demográficos, nunca se havia observado um crescimento da desigualdade tão elevado em tão pouco tempo. Verifica-se também uma redução significativa do mercado consumidor interno, com achatamento da renda e manutenção das altíssimas taxas de desemprego. O país tem 12,6 milhões de pessoas desocupadas e a população subutilizada na força de trabalho (trabalhadores desocupados e subocupados por insuficiência de horas trabalhadas) atingiu o maior número da série histórica da PNAD, 27,6 milhões de pessoas em 2019. Segundo o IBGE, o número de subocupados, ou seja, os desocupados e os que não conseguem trabalhar um mínimo de horas semanais, está quase 80% acima do indicador verificado em 2014, ocasião em que foi registrado o menor número da série histórica (15,4 milhões).
Neste quadro de explosão do desemprego e da informalidade a saída poderia ser o mercado externo, como já ocorreu em outras crises brasileiras. Mas o mercado externo anda extremamente arisco. Além da grave crise na Argentina, que abalou um importante mercado para o Brasil, há uma encarniçada guerra comercial entre EUA e China, que escalou no ano passado, abalando a já combalida economia mundial.
Mas não precisaria de crise internacional, os próprios eixos de política econômica do governo são fontes de enorme insegurança tanto para a população em geral, quanto para os investidores (e especuladores). Prestemos atenção no fato de que a saída líquida de dólares da economia brasileira no ano passado (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões. Esta é a maior evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982. Os grandes “investidores” (que foram os que fugiram do Brasil no ano passado) têm grande sede de lucros e pernas longas. Têm também informações privilegiadas, as quais nós, meros vendedores da força de trabalho, não temos acesso.
O recorde anterior de fuga de capitais tinha sido registrado em 1999, quando o saldo cambial (diferença entre as entradas e saídas de dólares) ficou negativo em US$ 16,18 bilhões. Não por acaso o fenômeno ocorreu em 1999, no governo FHC, num ano em que o Brasil, monitorado pelo FMI (grande credor brasileiro à época), tinha adotado uma política de livre flutuação cambial. Nessa ocasião a cotação do dólar ultrapassou pela primeira vez a barreira dos R$ 2. De qualquer forma, o número de 2019, é quase três vezes superior à fuga de 1999. Na segunda maior fuga de capitais registradas no Brasil, no governo FHC, o que vigorava era também o entreguismo e grandes ataques aos trabalhadores. Talvez, é verdade, numa escala menor que a verificada no governo Bolsonaro.
Uma coisa é certa. Subserviência aos países imperialistas no mundo (com devoção especial aos EUA), combinada com extrema inaptidão técnica por parte da cúpula do governo, não sinalizam confiança a ninguém. A destruição de instrumentos públicos de intervenção estratégica do Estado e a desmontagem das estruturas de atendimento à população, ao afetar a estabilidade social do país, impactam também o humor dos investidores. Estes, que buscam a redução dos riscos para o emprego do seu capital, sabem que loucura tem limites.
José Álvaro de Lima Cardoso é economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em Santa Catarina.