A ideologia de direita e a extinção do Ministério do Trabalho

Tiago Muniz Cavalcanti

Fonte: Carta Capital
Data original da publicação: 08/11/2018

“A questão ideológica é tão, ou mais grave, que a corrupção no Brasil. São dois males a ser combatido (sic)”, tuitou durante a campanha o presidente recém eleito. Com esta frase e tantas outras onde critica o “viés ideológico” supostamente presente nas relações comerciais estabelecidas pelo País, o vencedor nas urnas pretende assumir uma postura de isenção ideológica e, seguidamente, denunciar e repreender a heresia dos seus opositores.

A neutralidade, no entanto, é uma falácia.

Em sua acepção mais comum, ideologia remete à visão de mundo de um indivíduo, suas ideias, seus pensamentos, suas percepções que o conduzem em suas ações sociais e políticas, de modo que o desapego ideológico é uma tarefa humanamente impossível. Dizer-se neutro, sem dogmas, sem paixões, revela em si uma postura claramente ideologizada: quanto mais se alega estar fora dela, mais nela se está imerso. A suposta ausência de ideologia desvela, na realidade, a perfilhação ao senso comum, ao pensamento hegemônico, aos dogmas social e politicamente estabelecidos.

O novo governo e seus apoiadores nada têm de neutros. Conservadores nos costumes e neoliberais na economia, são a expressão fiel do reacionarismo político dominante. São devotos de uma agenda, adotada e implementada em âmbito global como algo natural e inexorável, cujas regras fundamentais consistem na privatização, na liberalização do mercado e na desregulamentação. E o governo que se desenha segue a cartilha à risca.

No campo das privatizações, a meta é a venda de “todas” as estatais: “privatizar tudo” é o lema do economista do novo governo. O plano ortodoxo neoliberal contempla ainda livre mercado e menor intervenção do Estado, inclusive nas relações estabelecidas entre particulares, como é o caso dos contratos de trabalho. E as desregulamentações, que são de todas as ordens, chegam a prever a criação de uma nova forma de contratação na qual as disposições contratuais prevalecerão sobre a Consolidação das Leis do Trabalho, o que representa, na prática, o fim da CLT.

Como se vê, o novo governo segue uma doutrinação insidiosa que sataniza todos os potenciais entraves ao programa neoliberal, inclusive o Direito do Trabalho e tudo que o envolve. Nesse sentido, o fim do Ministério do Trabalho é emblemático.

A extinção sinaliza a desregulamentação promovida nas mais distintas esferas do mundo do trabalho, a corrosão dos direitos sociais, a fragilização dos direitos econômicos, a precarização das condições de trabalho, o retorno à pré-história jurídica. Simboliza, ademais, a fragilização do combate ao trabalho escravo, o retrocesso na luta contra o trabalho infantil, a conivência à fraude, ao assédio, ao acidente, ao desemprego. Representa, enfim, a inteira devastação do aparato jurídico-normativo trabalhista e tudo o que lhe circunda e resguarda.

A “questão ideológica” é, portanto, manifesta no novo governo. Trata-se de uma ideologia que despreza o trabalho e defende de forma intransigente a propriedade privada, a manutenção do status quo e a estabilidade do poderio econômico das elites. Uma ideologia que propõe o desmonte do estado social, o enfraquecimento dos direitos fundamentais e o sacrifício da classe trabalhadora e da população mais pobre.

Uma ideologia que, além de tudo, traz consigo grandes porções de ódio e intolerância.

Esta publicação faz parte do espaço compartilhado por professores e pesquisadores integrantes do Grupo de Pesquisa em Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica da Faculdade de Direito do Recife, UFPE, e convidados.

Tiago Muniz Cavalcanti é Procurador do Trabalho. Doutorando em Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica – UFPE, Brasil | CES-UC, Portugal.

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