A economia do cuidado e a exaustão mental

Fotografia: ONU Mulheres

Você sabe o que é “economia do cuidado”? Estudantes que prestaram o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) este ano se esforçaram para responder na redação, aplicada no primeiro dia de provas (domingo, 5) junto a questões de linguagens e ciências humanas. Como costuma acontecer anualmente, o tema surpreendeu quem tenta antecipar tendências. Os mais de 3 milhões de inscritos produziram um texto dissertativo-argumentativo sobre “desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. O Humanista foi atrás de informações que contextualizam o tema.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres dedicavam, em 2019, cerca de 21 horas por semana a tarefas domésticas e cuidado com pessoas, quase o dobro do tempo que homens realizam as mesmas tarefas. Este ano, o mesmo dado foi apontado pela pesquisa “Esgotadas”, da ONG Think Olga, que acrescenta ainda que quase metade das entrevistadas têm diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum transtorno mental: a sobrecarga é um dos principais motivadores. 

A economia do cuidado

As mulheres, a partir da construção social de serem o “sexo frágil”, historicamente assumiram o papel de cuidar da casa, dos filhos, dos pais, dos idosos, dos acamados. Essa concepção gerou um consenso de que são tarefas delegadas às mulheres, como se fossem obrigações que devem cumprir.

Em entrevista à Revista Trip, a professora Regina Vieira, do curso de Direito da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e mantenedora do podcast “Cuidar, verbo coletivo”, lembra que a educação é a garantia de crescimento saudável para que pessoas possam se tornar trabalhadoras. “Esse trabalho feito de forma gratuita ou pouco valorizada, principalmente por mulheres, é fundamental para que a economia se mantenha de pé”, diz Vieira. É daí que surge o termo “economia do cuidado”. Sem ela, a economia como conhecemos fica fragilizada.

A Oxfam Brasil mostra que mais de 75% das atividades de cuidado não remunerado, ou seja, realizadas sem retorno monetário, são feitas por meninas e mulheres na linha da pobreza, trazendo à tona um recorte econômico e de gênero. A Síntese de Indicadores Sociais, publicada em 2022 pelo IBGE, apontou que 62,7% das mulheres entre 17 e 24 anos e 69,2% entre as que tinham de 25 a 29 anos, não estudavam ou trabalhavam. As taxas vão contra 47,4% e 46,2% entre os homens da mesma idade, respectivamente. Um dos principais motivos para o cenário é o cuidado com crianças, ainda muito ligado às mães e à falta de vagas na rede infantil de ensino. O Instituto também divulgou que, em 2022, 34% das crianças de 0 a 3 anos no país não tinham vagas em creches.

Quem cuida de quem cuida?

Além da exaustão física, um ponto importante a ser considerado é a sobrecarga mental que atinge aquelas que cuidam. O médico psiquiatra e presidente do conselho científico da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), Volnei Costa, disse à BBC que as questões psicológicas e sociais que afetam as mulheres, aumentam as chances de que desenvolvam depressão em cerca de duas vezes mais que os homens. A principal faixa de diagnóstico está entre os 18 e 29 anos, de encontro a um dos dados sobre o cuidado levantado pelo IBGE.

Um dos casos mais recentes de exaustão mental foi o da influencer Loren Torres, de 21 anos. Loren possui um perfil no TikTok que, inicialmente, era voltado a publicar seus treinos. Com o tempo, a jovem passou a compartilhar a rotina de cuidados com a mãe, que possui uma doença degenerativa do sistema nervoso conhecida como ataxia cerebelar. 

Loren cuida sozinha da mãe desde os 14 anos, quando dividia o tempo entre escola e a responsabilidade que precisou assumir. A jovem recebe apenas uma ajuda financeira da família. Depois de terminar o ensino médio, o cuidado passou a ser integral. Ela foi diagnosticada com depressão ainda na adolescência e, após uma grave recaída neste ano, foi decidido que sua mãe iria para uma clínica receber cuidados mais adequados. A decisão foi tomada junto à família e à mãe, uma vez que a ataxia não afeta a lucidez do paciente.

Quando anunciou a decisão na rede de vídeos, Loren foi duramente criticada nos comentários. Os internautas foram desde chamá-la de “filha ingrata” até dizerem que, se fosse o contrário, “uma mãe jamais abandonaria um filho”.

No entanto, outra parcela dos seguidores entenderam a decisão e acolheram Loren.

Loren é apenas uma entre tantas mulheres que precisam ou precisaram, em algum momento, abrir mão de suas vontades e fazer escolhas em suas vidas em nome de manter o cuidado com a família como prioridade. Assim como tantas outras, também foi julgada ao colocar seu próprio cuidado em primeiro lugar. É importante sempre lembrar que, por trás de alguém que cuida, também existe uma pessoa que precisa ser cuidada.

O Ministério da Saúde possui um Guia Prático do Cuidador, disponível através da Biblioteca Virtual em Saúde. Nele, estão presentes dicas tanto para o trabalho do cuidador, quanto para si. As orientações incluem exercícios laborais, a necessidade de lidar com o próprio emocional e a importância de contar com amigos e familiares da pessoa assistida.

Fonte: Humanista
Texto: Fabiane Santos
Data original da publicação: 14/11/2023