Quando se examinam todas as variáveis da conjuntura nacional, não é possível observar uma economia que vai bem.
Flavio Fligenspan
Fonte: Sul 21
Data original da publicação: 18/10/2022
O Ministro da Economia, engajado na campanha eleitoral, tem se esforçado para pinçar bons resultados da conjuntura, chegando mesmo a afirmar que a economia brasileira está “bombando”. Da enorme massa de variáveis produzidas pelo próprio Governo, por institutos de pesquisa e pelo sistema financeiro, a mais relevante para sustentar a hipótese do Ministro é a geração de postos formais de emprego, medida pelo CAGED-MTE. Com efeito, a retomada quase completa da normalidade das relações econômicas pós pandemia tem produzido bons resultados no setor de Serviços e, com isso, influenciado positivamente o emprego.
Mas a PNAD-IBGE nos informa que este é um tipo de ocupação de baixa produtividade e baixo rendimento. E mais, a mesma pesquisa aponta que têm se criado muitas ocupações informais no país, o que, combinado, com uma inflação elevada, explica a queda do rendimento médio real. Assim que até mesmo o aumento de vagas formais registrado pelo CAGED deve ser relativizado.
Quando se examinam as demais variáveis da conjuntura nacional, não é possível observar uma economia que vai bem. Pelo contrário, há muitos indicadores que compõem um quadro claudicante, um movimento típico de stop and go, com alternância de melhoras e pioras ao longo do tempo nos últimos meses. Ou seja, não se vê sustentação do crescimento, não se tem segurança de que a recuperação das perdas do momento de auge da pandemia, em 2020 e 2021, possa produzir um ambiente de expansão firme e contínua da atividade. Observe que não se está almejando taxas elevadas de crescimento, algo muito longe de nossa realidade; apenas um crescimento que inspire confiança de sua permanência no tempo.
Como já mostrei noutra Coluna (“Economia brasileira: recuperação em formato de raiz quadrada”), o gráfico que mostra o desempenho da Indústria, do Comércio e dos Serviços desde o início da pandemia tem um formato semelhante ao do símbolo da raiz quadrada: queda abrupta, seguida de recuperação e, depois, um longo traço horizontal. E em alguns casos, este longo traço até começa a mostrar recuos nos meses mais recentes, como no Comércio varejista ampliado e na sua atividade de Material de construção. Na maioria dos casos, porém, o que se observa na Indústria e no Comércio são as referidas alternâncias de desempenho, com meses bons e meses ruins se sucedendo, sem que se desenhe uma trajetória confiável.
Este também é o caso do IBC-Br, um índice sintético criado pelo Banco Central para verificar a evolução da economia brasileira mensalmente. Ele é tido como uma prévia do PIB, porque é divulgado mensalmente e, portanto, mostra mais agilidade do que o PIB, que é trimestral e sempre é conhecido com maior defasagem de tempo. Pois bem, o IBC-Br de agosto, divulgado nesta segunda feira (17 de outubro) mostra exatamente isto: depois de dois meses com taxas positivas – 0,75% e 1,67% em junho e julho, respectivamente – um novo recuo de 1,13%. Na verdade, este tem sido o comportamento deste indicador desde o início de 2021, alternando resultados positivos e negativos, muito longe de uma economia que estivesse “bombando”.
Saindo da observação das estatísticas mais diretamente ligadas à atividade, também aparece o mesmo padrão, como nos casos dos indicadores de confiança de empresários e de consumidores. Ora ocorrem meses com taxas positivas, ora estas taxas mudam de sinal, como a informar que estamos lidando com uma economia sem fôlego, sem tração. Isto mostra que as decisões das empresas sobre novos projetos – produtos, máquinas e instalações – ficam para depois, valendo o mesmo para decisões de compra dos consumidores, sobretudo quando envolvem bens de valor unitário mais alto, que exigem fazer compromissos para o futuro, com crédito.
Nem se poderia esperar resultados melhores sobre a confiança dos consumidores, pois a situação financeira da maioria das famílias piorou nos últimos tempos. A Reforma trabalhista de 2017, o aumento da flexibilização e da informalidade no mercado de trabalho, a pandemia, a inflação e o aumento significativo dos juros alteraram muito a vida financeira, principalmente a dos mais pobres. Não surpreende que pesquisas, como a da Confederação Nacional do Comércio, mostrem números expressivos e crescentes de famílias endividadas – com múltiplas dívidas, no comércio, no cartão de crédito, nos bancos, com empresas de serviços públicos e com familiares e amigos – e inadimplentes. Na edição de setembro, 30% das famílias tinham dívidas vencidas e 10,7% das famílias se declararam inadimplentes e sem capacidade de pagar o que devem, isto é, a condição mais aguda da inadimplência, quando não se vislumbra solução para o problema.
Os pequenos alívios eleitoreiros, como os R$ 200 adicionais do Auxílio Brasil e o voucher para taxistas e caminhoneiros, foram usados para quitar alguns compromissos vencidos e combater a alta da inflação de bens de primeira necessidade, mas acabam em dezembro, bem antes de se resolver o problema do passivo financeiro das famílias. Assim fica difícil acreditar que a economia brasileira está “bombando”.
Flavio Fligenspan é professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.