A dispensa de trabalhadores através de algoritmos

Fotografia: Rawpixel/Freepik

A intercessão do Direito do Trabalho com a matéria tratada na LGPD exige cautela e adaptações.

Otávio Vieira Tostes

Fonte: Jota
Data original da publicação: 22/11/2021

Já não é mais novidade, tanto para empregados como para empregadores, a utilização da tecnologia para possibilitar a prestação de serviços. Além da demanda de uma atividade, os dados gerados pelos aplicativos podem ser utilizados como forma de monitoramento e fiscalização das atividades desempenhadas por um trabalhador.

A utilização dos sistemas de gestão de dados proliferou por todo o Brasil, alcançando não só as grandes empresas, como também empresas menores, com atuação na área financeira, administrativa e estratégica das empresas, incluindo a gestão de pessoas.

Considerando a utilização de sistemas de controle para monitorar as atividades prestadas por trabalhadores, já se tem conhecimento que empresas têm utilizado os dados gerados pelos algoritmos para escolher os empregados a serem promovidos e, também, dispensados.

Segundo noticiado pelo jornal O Globo[1], uma das maiores empresas americanas do setor de comércio eletrônico tem utilizado os algoritmos para rastrear a prestação de serviços de seus motoristas, que podem ser punidos e até dispensados, caso não cumpram o horário da entrega da encomenda e/ou se identifique um desvio na rota definida pelo GPS.

Também ganhou repercussão na mídia, conforme recente reportagem do El País Brasil[2], a decisão de uma empresa russa, especializada em solução de processamento de pagamentos, de dispensar mais de um quinto de seus empregados com base em informações geradas por um algoritmo que teria identificado a falta de comprometimento no trabalho do grupo de trabalhadores.

Indaga-se se tais situações seriam possíveis e legais no Brasil. A relevância da Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709/2018 – e suas impactantes intercessões com o Direito do Trabalho vem exigindo a adaptação do processo produtivo das empresas instaladas em nosso país.

Quanto à utilização dos dados para eleger o empregado a ser dispensado, cumpre destacar que a CLT garante ao empregador, salvo as hipóteses de garantia provisória de emprego (empregada gestante, trabalhador vítima de acidente de trabalho, entre outras), o direito de dispensar os trabalhadores sem a apresentação de motivação. Ou seja, na hipótese da dispensa imotivada, o trabalhador é avisado da decisão tomada pelo empregador, sem, contudo, ser cientificado da razão que ensejou a resilição do contrato de trabalho.

Contudo, o Art. 20 da LGPD traz importante inovação que impacta fortemente o mundo do trabalho: “O titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade”.

Assim, com base na LGPD, caso o empregador decida dispensar um trabalhador de acordo com os dados gerados pelo sistema de gestão da empresa, ele terá  o direito de solicitar a revisão da decisão tomada, sendo obrigação do empregador fornecer, sempre que solicitadas, informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada.

Neste caso, em eventual discussão judicial acerca das razões que motivaram a dispensa imotivada do trabalhador, caso arguida a utilização de dados gerados por algoritmos como fator determinante para a extinção do contrato, haverá espaço para discussão acerca do ônus de prova, admitindo, inclusive, a propositura da Produção Antecipada de Provas, com base no Art. 381 do CPC, eis que o empregado terá direito ao acesso dos dados que motivaram a tomada de decisão.

Quanto ao acesso dos dados pessoais dos trabalhadores, destaca-se que a LGPD estabelece, em seu Art. 6º, que as informações devem ser tratadas com base na boa-fé, sendo garantido aos titulares o livre acesso e a transparência acerca dos dados, que devem ser precisos e facilmente acessíveis.

A utilização de algoritmos para a gestão da prestação de serviços na empresa, incluindo o controle dos trabalhadores, segue uma tendência já aplicada em outros países, exigindo cautela por parte dos empregadores brasileiros.

Como dito acima, a lei não impede a utilização dos sistemas de gestão dos trabalhadores, mas, caso comprovado que a dispensa do empregado ocorreu automaticamente com base nos dados gerados por algoritmos, ele terá o direito de acessar todas as informações, além de pleitear a revisão do entendimento do empregador.

A intercessão do Direito do Trabalho com a matéria tratada na LGPD exige, por parte do empregador, cautela e adaptações ao tratamento e, especialmente, gestão dos dados obtidos, de modo a evitar o surgimento de litígios decorrentes da aplicação dos sistemas de gestão.

Notas

[1] https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/fui-despedido-por-um-robo-como-amazon-deixa-maquinas-decidirem-destino-dos-trabalhadores-25079925

[2] https://brasil.elpais.com/tecnologia/2021-10-10/150-demissoes-em-um-segundo-assim-funcionam-os-algoritmos-que-decidem-quem-deve-ser-mandado-embora.html

Otávio Vieira Tostes é advogado sócio do escritório Tostes e de Paula Advocacia Empresarial. Mestre em Direito Empresarial. Especialista em Direito do Trabalho. Professor de graduação e pós-graduação

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