Assim como a legislação estabelece o dever de indenizar quando qualquer indivíduo causa dano ao patrimônio de outrem, por exemplo, em uma colisão de veículos, a legislação trabalhista protege o empregado contra os danos que sejam experimentados, como, por exemplo, o dano à saúde.
Luiz Gustavo Capitani
Fonte: Sul21
Data original da publicação: 04/05/2020
Em meio ao crescimento exponencial dos casos de morte por COVID-19, cresce a pressão de alguns grupos, mesmo ao arrepio das recomendações técnicas, pelo fim do isolamento social com a reabertura do comércio e da atividade econômica.
Como conclusão, podemos verificar em muitos locais o arrefecimento das medidas até então adotadas, promovendo aglomerações e o risco de disseminação descontrolada do vírus que, sabe-se, pode ser adquirido mesmo de pessoas assintomáticas.
Nesse contexto, torna-se evidente um novo risco ocupacional aos empregados, o qual deve ser evitado a partir do emprego de medidas de proteção coletivas e individuais a serem implementadas pelos respectivos empregadores, garantia assegurada na Constituição Federal pelo art. 7, inc. XXII da CF/88.
Em razão do caráter global, a Organização Internacional do Trabalho, preocupada com a retomada das atividades econômicas, recentemente fez recomendações a serem observadas pelos empregadores, dentre elas [1]:
- Mapear perigos e avaliar riscos de contágio em relação a todas as operações de trabalho e continuar avaliando-os após o retorno ao trabalho;
- Adotar medidas de controle de risco adaptadas a cada setor e as especificidades de cada local de trabalho e força de trabalho;
- Fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs) para as trabalhadoras e os trabalhadores onde for necessário e sem qualquer custo;
- Estabelecer protocolos relacionados ao isolamento de pessoas que posam ter sido infectadas e rastrear outras pessoas com as quais elas possam ter estado em contato;
- Fornecer apoio à saúde mental das trabalhadoras e dos trabalhadores;
A propósito, a nível internacional é resultante da Convenção n° 155 da OIT, em especial de seu art. 16, o dever de garantir a segurança do trabalhador; além disso, a Constituição Federal de 1988 estabelece igualmente o dever de proteção ao meio ambiente do trabalho, como refere o Min. Maurício Godinho Delgado, do Eg. Tribunal Superior do Trabalho, quando do julgamento do AIRR – 1001016-72.2017.5.02.0461:
[…] A Constituição Federal de 1988 assegura que todos têm direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado, porque essencial à sadia qualidade de vida, razão pela qual incumbe ao Poder Público e à coletividade, na qual se inclui o empregador, o dever de defendê-lo e preservá-lo (arts. 200, VII, e 225, caput).
Não é por outra razão que Raimundo Simão de Melo alerta que a prevenção dos riscos ambientais e/ou eliminação de riscos laborais, mediante adoção de medidas coletivas e individuais, é imprescindível para que o empregador evite danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. Acidentes do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional, na maioria das vezes, ” são eventos perfeitamente previsíveis e preveníveis, porquanto suas causas são identificáveis e podem ser neutralizadas ou mesmo eliminadas; são, porém, imprevistos quanto ao momento e grau de agravo para a vítima ” (MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 5.ed. São Paulo: Ltr, 2013, p. 316).
Registre-se que tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Assim, agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição da República, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). […]
Verifica-se, portanto, que mais do que um dever moral, o adequado fornecimento das medidas de proteção, orientação e fiscalização do seu uso é obrigação do empregador.
Reforça-se o dever, neste caso, em quem estamos diante de vírus que, em menos de 2 (dois) meses [2] de contaminação no Brasil, causou mais de 7.000 mortes, no universo de 101.000 casos confirmados.
Assim, a não observância ao dever de cuidado e tutela ao meio ambiente do trabalho pode acarretar na contaminação do trabalhador com todos os riscos decorrentes da doença, dentre os quais graves prejuízos à saúde e levar, ou até mesmo óbito, especialmente no caso de grupo de risco.
Importante referir que não se encerra a tutela jurídica nas medidas de proteção. Isso porque, uma vez frustradas as normas de proteção e, em ocorrendo o agravo à saúde, será considerado pela legislação como hipótese de acidente do trabalho, conforme artigos 19 e ss. da Lei n° 8.213/91.
Com efeito, para fins previdenciários e trabalhistas, a Lei de Benefícios da Previdência Social, disciplina os casos considerados como acidente do trabalho – típicos ou por equiparação – trazendo relação de situações que permitem o estabelecimento, por presunção legal, de nexo técnico entre a doença/agravo à saúde e a atividade laboral.
Cabe referir que o Regulamento da Previdência Social – Decreto n° 3.048/99 – tem relação, exemplificativa, de doenças reconhecidamente decorrentes do trabalho que, assim como os casos de acidentes típicos, asseguram a proteção social. Como exemplo, Tuberculose (item, I, Lista B, Anexo II), Dengue (item, VII, Lista B, Anexo II) e Hepatites Virais (item, IX, Lista B, Anexo II).
Enquadrando-se a hipótese na relação descrita na Lei n° 8.213/91 – e atendidos os demais pressupostos legais – estar-se-á diante de acidente do trabalho, com tratamento diferenciado na legislação, tanto para fins previdenciários como trabalhistas.
No que toca à recente pandemia, a Medida Provisória n° 927, de 22 de março de 2020, em marcha contrária a toda a evolução normativa sobre o tema, trouxe elemento complicador ao reconhecimento da natureza acidentária, nos termos do art. 29:
Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
Diferentemente da relação descrita na Lei n 8.213/91, o dispositivo trazia uma presunção legal de que a contaminação não estaria relacionada ao trabalho, passando a exigir comprovação inequívoca do nexo causal, ou seja, de que a causa da contaminação tenha sido exclusivamente a prestação do trabalho ou as condições em que prestado.
Entretanto, em 29 de abril, no julgamento de sete ADIs (6342; 6344; 6346; 6348; 6349; 6352; 6354) distribuídas contra a referida medida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu cautelarmente os efeitos do artigo, reestabelecendo a disciplina anterior.
A partir da decisão, reestabelece-se a normalidade onde o trabalhador que tenha especial abalo à saúde seja amparado pelas normas de proteção social, tais como estabilidade pós auxílio-doença acidentário (art. 118 da Lei n° 8.213/91); depósitos de FGTS no período de afastamento (art. 15, § 5° da Lei n° 8.036/90); e, ainda, normas específicas destinadas ao acidentado nos acordos e convenções coletivas da categoria profissional.
Importante salientar que a concessão dos direitos previstos na legislação pressupõe a ocorrência de incapacidade laboral, ou seja, redução da capacidade de retorno às atividades habitualmente desempenhadas e, em especial, que a incapacidade seja superior a 15 (quinze) dias, visto que, a partir de então, dar-se-á o afastamento assegurado pela Previdência Social.
Além disso, o prejuízo à saúde do trabalhador que venha a ser acometido de quadro grave ou, em casos mais graves acabe por perder a vida, se insere no âmbito da responsabilidade civil do empregador que possui o dever de indenizar.
De fato, assim como a legislação estabelece o dever de indenizar quando qualquer indivíduo causa dano ao patrimônio de outrem, por exemplo, em uma colisão de veículos, a legislação trabalhista protege o empregado contra os danos que sejam experimentados, como, por exemplo, o dano à saúde.
Nesse sentido, o art. 223-C da CLT, assim prevê expressamente como sendo protegida a saúde do trabalhador e, nesse sentido, submete o empregador a que indenize.
A par disso, admite-se a reparação dos prejuízos financeiros suportados pelo trabalhador ou seus familiares, tais como a perda da remuneração pelo afastamento do trabalho ou, nos casos mais graves, o denominado pensionamento vitalício, consistente no pagamento de prestação periódica ao trabalhador que teve comprometimento definitivo (total ou em parte) de sua capacidade para o trabalho. O mesmo direito se alcança aos familiares em caso de morte do trabalhador que deixe seus dependentes ao desamparo.
O conceito é claro: o empregado põe à disposição sua força de trabalho, a ser remunerada. Não faz parte dessa negociação à saúde do trabalhador, que deve ser assegurada pelo empregador.
Notas
[1] https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_743059/lang–pt/index.htm [2] Acesso efetuado em 04.05 ao endereço https://covid.saude.gov.br/Luiz Gustavo Capitani é advogado.