“A base da assistência social vai deixar de ser cumprida”, alerta especialista em previdências

Ao lado do ministro da Economia Paulo Guedes e do ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) chegou nesta quarta-feira (20) ao Congresso Nacional por volta de 9h30 para entregar a Proposta de Emenda à Constituição número 6, que versa sobre a Reforma da Previdência. Bolsonaro tem em mãos o projeto da ala governista considerado, até então o mais importante para o País, que seus dois antecessores tentaram emplacar no Legislativo, mas sem sucesso.

Recebido por protestos dos deputados do Psol (Partido Socialismo e Liberdade) que fizeram alusão aos supostos casos de recebimento de propina por pessoas ao redor de Bolsonaro, o pesselista entregou o projeto ao presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado Federal Davi Alcolumbre (DEM-AP), ignorou a crise política que consterna o seu governo e partido e sorriu.

Durante a noite desta quarta-feira, o presidente fez um pronunciamento em rede nacional a fim de propagandear a reforma. “A nova Previdência será justa e para todos. Sem privilégios. (…) Nós sabemos que a nova Previdência exigirá um pouco mais de cada um de nós. Porém, é para uma causa comum: o futuro do nosso Brasil e das próximas gerações. Estou convicto que nós temos um pacto pelo país, e que juntos, cada um com sua parcela de contribuição, mudaremos nossa história, com mais investimentos, desenvolvimento e mais empregos”, afirmou. Para a ex-presidenta Dilma Rousseff, proposta é “afronta”.

A propositura entregue por Bolsonaro prevê alterações nas regras para aposentadoria de trabalhadores do setor privado e servidores públicos. Outros dois projetos ainda serão encaminhados ao Congresso sobre o regime de previdência dos militares e a cobrança de devedores ao sistema. Além desses três, uma medida provisória que versa sobre o combate a fraudes já está em tramitação. O conjunto de medidas foi batizado pelo Palácio do Planalto de “Nova Previdência”.

Idade mínima

O projeto, como anunciado na semana passada pelo governo, muda a idade mínima de aposentadoria para 65 anos para os homens e 62 anos para as mulheres, que deve ser aplicada totalmente após 12 anos de transição a partir de sua promulgação. O tempo para a mudança completa é menor do que o proposto pelo então presidente Michel Temer, 21 anos. Segundo Sara Quental, advogada especialista em Direito Previdenciário do escritório Crivelli Advogados Associados, esta é a regra matriz do sistema de previdência. A partir das categorizações, como professores ou aposentados rurais, alguns requisitos se sobrepõem.

A idade mínima foi estabelecida de acordo com o aumento da expectativa de vida do brasileiro. Mas para Quental, este ponto merece uma “ressalva”. “Não se pode entender que 65 anos é uma idade facilmente atingida por qualquer brasileiro independente da região onde ele vive. Não se pode dizer, por exemplo, que os trabalhadores do sudeste têm as mesmas condições de trabalho de um trabalhador do nordeste. Até mesmo dentro da cidade de São Paulo, existem essas desigualdades”, afirma.

Hoje, se um trabalhador decide se aposentar por tempo de contribuição somente, são necessários 35 anos para homem e 30 para mulher, independente da idade. Mas, se decide adquirir o benefício pela idade mínima, a mulher precisa ter 60 anos e homem, 65.

Ao final do tempo de transição, não haverá mais a possibilidade exclusiva de aposentadoria por tempo de contribuição, como é feito atualmente. “Deixa de existir um aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição. Todos deverão ter uma idade mínima para se aposentar. Essa é a regra nova”, afirmou o diretor de Programa da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho Felipe Portela.

Com a reforma, para ter o acesso à aposentadoria, deve haver um tempo de contribuição de pelo menos 20 anos e atingir a idade mínima. Para os servidores públicos o que muda é o tempo de contribuição: 25 anos, sendo necessário 10 no serviço público, e 5 no cargo. A idade mínima é a mesma.

Para os contribuintes rurais, a idade mínima de aposentadoria deve ser de 60 anos para homens e mulheres e a contribuição mínima de 20 anos. Já em relação ao professores, estes poderão se aposentar com 60 anos e com tempo mínimo de contribuição de 30. Para os professores de Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), ou seja, os servidores públicos, é necessário ainda 10 anos no serviço público e 5 no cargo.

Na mudança também entram os policiais civis, federais e agentes penitenciários e socioeducativos. Para os policiais, a idade mínima deverá ser de 55 anos para ambos os sexos. Mas o tempo de contribuição e exercício deve ser diferente. Para os homens, 30 anos de contribuição e 20 de exercício. Para as mulheres, 25 de contribuição e 15 de exercício. Para agentes, os critérios serão os mesmos, exceto o tempo de exercício: 20 anos para homens e mulheres.

Assistência Social

A reforma também traz mudanças no regime do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a deficientes e idosos que não têm condições de se sustentar. Hoje, idosos a partir de 65 anos de idade podem requerer um salário mínimo. Com a mudança, a idade mínima muda para 70 anos. Aqueles que têm entre 60 e 69 anos e comprovarem a necessidade do acesso ao benefício podem solicitá-lo e garantir R$ 400,00 mensais. Esse valor é fixo, ou seja, não está vinculado ao salário mínimo e nem a possíveis correções pela inflação.

FGTS

Se aprovada, a proposta trará impactos para as relações trabalhistas ao prever modificações nas regras sobre FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para os aposentados que continuam a trabalhar. Nesse caso, as empresas não teriam mais a obrigatoriedade de recolher o FGTS para essa categoria de empregados. Hoje, o recolhimento mensal é de 8%. Além disso, se demitido, o trabalhador não teria mais o direito aos 40% de multa sobre o saldo do fundo de garantia.

Quental afirma que “ninguém imaginava que essa questão do FGTS fosse ser abordada”. A medida, é vista como um aceno do governo, representado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, às empresas. A justificativa do Planalto é que o FGTS é uma garantia de proteção social em caso de desemprego. Como o trabalhador, nesse caso, já recebe a aposentadoria, o fundo não é necessário, portanto.

Cálculo do RGPS

O cálculo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o maior dos planos de aposentadoria – no fim de 2017, tinha quase 30 milhões de aposentados, segundo dados da Secretaria de Previdência – levará em conta apenas o tempo de contribuição. Com 20 anos, o mínimo, o benefício será de 60%. A cada ano a mais de contribuição, o valor do benefício aumenta em 2%. Para garantir 100%, são necessários 40 anos. Quem contribuir por mais de 40 anos, poderá receber mais de 100% do benefício. No entanto, o valor não poderá ultrapassar o teto de R$ 5.839,45. Como o tempo de contribuição do servidor público é maior, 25 anos, o benefício mínimo é de 70%.

Contudo, a reforma vem em um contexto em que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, a expectativa de vida do brasileiro era de 76 anos. Em agosto de 2018, a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos era mais que o dobro da taxa da população em geral. Isso diminui as chances dos jovens, os mais afetados pela reforma, conseguirem atingir 40 anos da contribuição.

A reforma também apresenta um piso. Ou seja, mesmo que os 20 anos de contribuição represente um benefício menor do que o salário mínimo, o aposentado deve receber o valor deste último.

Alíquotas

A quantidade de alíquotas também muda. Em vez de ser cobrada uma alíquota única sobre o salário, a reforma passa a adotar o sistema de taxação do Imposto de Renda, ou seja, conforme aumenta o salário, sobe a porcentagem da alíquota sobre o salário. Ao invés de começar com 8% para o regime geral, deve começar com 7,5%, e termina com uma porcentagem maior, 11,68% diante dos 11% anterior.

As alíquotas são iguais para servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. Porém, para servidores públicos que recebem um salário maior do que o teto do INSS (5.839,45), as faixas de cobrança continuam aumentando. Na apresentação exibida pelo governo federal no Congresso Nacional exemplifica: um servidor público que recebe R$ 30 mil pagará 16,11% de imposto.

Regras de transição

As regras de aposentadoria e pensão permanecem as mesmas para aqueles que já recebem o benefício ou já cumpriram os requisitos. Para os outros, a proposta traz três regras de transição. Segundo o governo, “o segurado poderá optar pela forma mais vantajosa”.

primeira regra é mais vantajosa para o trabalhador que está em vias de se aposentar. Esta leva em consideração o tempo de contribuição. Quental exemplifica: “a mulher com 28 anos e o homem com 33 anos de contribuição precisam cumprir a idade mínima de 62 e 65 anos respectivamente? Não”, diz a advogada. Se escolherem a primeira regra de transição, será necessário contribuir o restante e mais 50% em cima deste. “Então, nesse exemplo, a mulher que cumpriu 28 e faltam dois anos deverá trabalhar mais três anos. Isso é o que chamamos de pedágio de 50%”.

Aqui, leva-se em conta o fator previdenciário, que é um cálculo que leva em conta a idade da pessoa e o tempo de contribuição. Quental afirma que o fator é um “redutor das aposentadorias”. “Então um exemplo clássico: uma mulher hoje que se aposenta com 30 anos de contribuição recebe uma aposentadoria integral. Só que se ela tem 50 anos de idade, ela vai receber menos, porque, de acordo com o fator previdenciário, ela é muito jovem para fins de benefício”, exemplifica.

segunda regra leva em conta o tempo de contribuição e a idade mínima. Aqui, o homem precisa ter 61 anos e a mulher 56, no momento da promulgação da PEC e à idade mínima, aumenta-se seis meses a cada ano. A idade mínima para se aposentar chegará a 65 anos para homens após oito anos, e 62 anos para mulheres, após 12 anos.

No entanto, se a idade mínima não foi atingida ou o tempo de contribuição ainda não chegou perto do necessário, de acordo com o regime, atual, a proposta traz uma terceira possibilidade, que leva em conta a idade e o tempo de contribuição. Quental explica que a soma do tempo de contribuição mais a idade do trabalhador devem completar 86 para a mulheres e 96 para os homens, respeitando um mínimo de 35 anos de contribuição para eles, e 30 anos para elas. Porém, a transição prevê um aumento de 1 ponto a cada ano. Para mulheres, deve alcançar a 100 pontos em 2033. Para homens, 105 pontos em 2028.

Sistema de capitalização

Para Quental, em linhas gerais, esse tema “vai ser ainda muito discutido” e configura a “maior mudança’ trazida pela reforma. Ela explica que atualmente existe um regime solidário, no qual o trabalhador na ativa custeia a aposentadoria de quem a recebe, a isto se dá o nome de “Pacto de Gerações ao Direito Previdenciário”. Se aprovado o novo regime abrirá a possibilidade a possibilidade alternativa à contribuição do INSS. “É como se fosse uma previdência privada. Então, eu escolho uma instituição que seja habilitada, faço os recolhimentos mensais e, depois de um período, tenho o direito a uma renda”.

Na proposta, foi estabelecida o piso de um salário mínimo a esse sistema alternativo, diante das críticas levantadas em referência ao sistema de aposentadoria do Chile. Lá, existe “um regime de capitalização muito parecido com o sistema que talvez será aplicado no Brasil. E os aposentados chilenos, no momento em que foram receber o benefício, tinham direito a um valor muito inferior àquilo que almejavam sendo, inclusive, inferior ao próprio salário mínimo do país na época”.

“Uma coisa não se pode esquecer: se a pessoa decide só por esse regime de capitalização, deixa de contribuir para o sistema que existe hoje. E as pessoas que ainda recebem nesse formato? Não vou ter mais contribuições hoje vigente. Então vou ter menos pessoas contribuindo.”

Para Quental, houve um endurecimento da regras, o aumento do tempo de contribuição e da idade mínima e uma menor chance de chegar ao teto previdenciário. “Então todos os benefícios para melhorar a renda foram retirados. Em contrapartida, eu tenho que trabalhar mais e eu tenho que ter mais idade”, diz Quental.

“Algumas regras traduzem muita preocupação, porque a base da assistência social vai deixar de ser cumprida. Ao meu ver, as regras foram alteradas como se a gente fizesse uma redação de artigo. Não é assim, tem uma lógica, tem princípios, tem outras coisas embutidas por trás de cada benefício.”

No Congresso Nacional

A PEC, por representar uma mudança na Constituição Federal, é o instrumento mais difícil de ser aprovado. Para ser admitido, o projeto deve passar primeiramente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Depois, por uma comissão especial criada para discutir o assunto. As comissões só serão instaladas após o carnaval. Só então, será discutido e votado em dois turnos no plenário da casa. São necessários 308 votos favoráveis de deputados, três quintos dos parlamentares. Se aprovada, passa para o Senado, onde tem de obter, no mínimo, 49 votos. Hoje, o projeto está na CCJ aguardando a distribuição para relatoria e formação da comissão.

No entanto, nos bastidores do Congresso Nacional, deputados do Centrão, insatisfeitos com a articulação política do Executivo com o Legislativo, representada pelo ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, ameaçam atravancar a tramitação. Eles querem, primeiro, o projeto que modifica o regime de aposentadorias e pensões de militares, prometido para chegar na Câmara daqui a um mês, até o dia 20 de março.

A Bovespa fechou a última quarta-feira em queda de 1,14%, enquanto do dólar encerrou cotado a R$ 3,7280, uma alta de 0,33%.

Fonte: Justificando
Texto: Caroline Oliveira
Data original da publicação: 22/02/2019

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