A alternativa de trabalho se consolida… no precariado

A prevalência de contratos temporários de curto prazo pode exacerbar o sentimento de insegurança dos trabalhadores, aumentando sua volatilidade de renda e frustrando suas carreiras profissionais. As evidências sugerem que a taxa de pobreza aumenta quanto menor a duração do contrato.

Eduardo Camín

Fonte: CLAE
Tradução: DMT
Data original da publicação: 10/08/2019

O tempo em que alguém se considerava sortudo pelo simples fato de ter um emprego já é coisa do passado. Pobreza não é mais sinônimo de desemprego. Também ocorre em muitos trabalhadores com trabalhos precários, que sofrem de uma carência material grave (atraso no pagamento da moradia, sem férias ou telefone) e baixa intensidade no emprego (trabalho de menos de duas horas por dia).

Os trabalhos temporários, os contratos de um dia, por tarefa e serviço ou salários precários podem ocorrer em qualquer uma dessas situações e é sabido que no mundo “desenvolvido” (na Espanha, por exemplo) há a caracterização dessa prática.

A negligência seletiva elimina da experiência os elementos que podem ser perturbadores caso tomarmos consciência deles. Esse é um mecanismo comum que protege o indivíduo contra a angústia cotidiana; “na fatura que não se encontra” ou “na tarefa desagradável que esquecemos”.

Essa negligência seletiva é uma resposta multiuso aos problemas cotidianos: não vejo o que não gosto, parece ser o slogan hoje estendido ao mundo político.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), especializada em questões trabalhistas, alerta para a mudança na tendência global de aumento do emprego vulnerável, que atinge 42,7% dos trabalhadores. São empregos por conta própria e empregos familiares não remunerados, com “altos níveis de precarização” e pior acesso à “proteção social. Parece que uma nova classe social nasceu ou está a caminho, a dos trabalhadores em risco de pobreza, sobre as bases do “precariado”, termo cunhado pelo economista britânico Guy Standing.

O que exatamente é o precariado?

Precariado é um termo moderno, conceituado em 2011 por Guy Standing, economista e ex-diretor do Programa de Segurança Socioeconômica da OIT, quando a crise econômica global se consolidou e se aprofundou no chamado Primeiro Mundo ou em economias desenvolvidas como Espanha, França e até Alemanha, motor econômico da Europa.

Guy Standing compõe a palavra reunindo “precário” (instável, inconsistente) e proletariado (classe trabalhadora). Mas essa outra classe é definida pela “inconsistência e fraqueza dos mecanismos que garantem sua subsistência”. De alguma forma, o precariado se destaca como uma nova classe emergente, um novo fenômeno de massa que requer, segundo especialistas, atenção urgente para resolver possíveis crises nas décadas seguintes.

Não é mais apenas uma questão de necessidades econômicas de pessoas individuais, mas a complexidade virá de não ser capaz de garantir o bem-estar social mínimo.

Já há algum tempo, a OIT insiste e alerta sobre os riscos crescentes da precarização. Depois de haver se estabilizado entre 2014 e 2016, a incidência do trabalho temporário volta a crescer na Europa. A porcentagem de trabalhadores temporários sobre o total está aumentando especialmente na Espanha, onde em 2017 atingiu 26,8%, o maior percentual desde 2008 ”, afirma o documento da OIT, colocando-o no ápice da pirâmide

A prevalência de contratos temporários de curto prazo pode exacerbar o sentimento de insegurança dos trabalhadores, aumentando sua volatilidade de renda e frustrando suas carreiras profissionais. As evidências sugerem que a taxa de pobreza aumenta quanto menor a duração do contrato.

Causas que deram origem ao fenômeno

Mesmo os diagnósticos mais conflitantes da atual crise de emprego concordam que se trata de um problema muito complexo. Aqueles que enfatizam as distorções e rigidez do mercado de trabalho, aconselham a aplicação da liberalização e consequentes reformas institucionais como o instrumento mais importante para melhorar a situação do emprego.

Por outro lado, aqueles que atribuem o problema do desemprego à uma demanda efetiva insuficiente, advogam uma ação macroeconômica corretiva. A dificuldade é que o fato de confiar exclusivamente em uma ou outra dessas teses “rivais” contribui para a persistência do problema.

A globalização espalhou essa nova classe social pelo mundo, por suas políticas econômicas assimétricas, por suas condições de trabalho extremamente dolorosas em alguns casos e por sua política de livre circulação de pessoas: a migração é outro mecanismo de perpetuação do precariado.

O precariado é um grupo socioeconômico caracterizado por características distintivas: instabilidade trabalhista (não consegue obter contratos fixos), a remuneração por seu trabalho carece de garantias sociais (na maioria dos casos, são pagos abaixo do legal) e também são privados de alguns privilégios civis, como férias remuneradas ou dias de folga que o resto da sociedade desfruta.

Ao contrário da classe trabalhadora típica da época da revolução industrial, o precariado possui ainda menos segurança em encontrar trabalho, e as áreas em que eles podem começar a trabalhar são tão instáveis que, em questão de alguns anos, suas habilidades podem ser insuficientes para a posição que eles têm ocupado.

Em diferentes reuniões dos círculos econômicos, fóruns mundiais de desenvolvimento e outros eventos sociopolíticos, todos os governos nacionais admitem, de uma maneira ou de outra, não saber como enfrentar esse desafio. Alguns especialistas, economistas e analistas políticos apontam diretamente para o sistema capitalista em geral e para o sistema de globalização em particular.

É claro que a população mundial está aumentando, a força humana está se tornando dispensável e os recursos são escassos. E é nesse ponto que os políticos se encontram frente a um muro – frequentemente intransitável – ao abordar o problema e convencem as entidades financeiras e de negócios da necessidade de fazer uma mudança de modelo nos sistemas de produção: essa sim, uma mudança “lampedusiana” dentro do próprio sistema econômico que nos governa.

Não se deve esquecer que a globalização responde ao capitalismo, que ao mesmo tempo se apoia em uma ideologia neoliberal que promove feroz competitividade no nível nacional, em todas as áreas, sejam profissionais ou pessoais, o que resulta em salários mais baixos, maior jornada de trabalho e uma constante transformação do mercado de trabalho, o que implica na constante atualização, nem sempre possível, do trabalhador.

Nesse sentido, a OIT alerta que essas formas emergentes de emprego, ao mesmo tempo que oferecem maior flexibilidade e autonomia, também estão relacionadas ao agravamento das condições gerais de trabalho. Esses empregos (de trabalhadores autônomos e de familiares não remunerados) estão frequentemente sujeitos a altos níveis de precariezação e seus protagonistas têm menor probabilidade de acessar uma “renda regular” e “proteção social”, lembra a organização.

O setor de serviços também está ligado a essas “novas formas de emprego”, que incluem “trabalho autônomo economicamente dependente”, muito comum em plataformas digitais, como os distribuidores Deliveroo ou Uber, por exemplo. Entre seus possíveis riscos, indica maior intensidade de trabalho, excesso de horas de trabalho e acesso limitado ou inexistente à proteção social.

A verdade é que muitos devem se refletir nessa definição de precariado. Uma nova classe que enfrenta insegurança trabalhista sem precedentes, volatilidade no mercado de trabalho e falta de definição e classificação de uma identidade concreta como classe trabalhadora. Ou na qual Marx definiu como “lumpenproletariado”, o que significa outra classe abaixo do proletariado e que geralmente pode se referir a pessoas com muito poucos meios e desorganizadas, que são relegadas a ter que sobreviver como puderem.

Mas, independentemente de chamarmos as coisas como queremos, é inegável que essas classes existem. Embora a produção cresça de maneira gigantesca, ela não pode ser conduzida com êxito. É impossível, no âmbito do capitalismo, levar a bom termo o destino da humanidade, uma vez que reinam a propriedade privada, a concorrência e a rivalidade econômica sem piedade entre capitalistas e empresas.

Toda essa falta de planejamento leva à anarquia da produção, à desordem permanente na vida econômica, às suas guerras comerciais e, como consequência, às crises periódicas de superprodução. O desemprego aumenta e os trabalhadores não têm chance de comprar suas mercadorias.

Sob tais condições, as contradições que rasgam a sociedade capitalista levam à sua morte inexorável. E, à espera de que as coisas mudem, suspeitamos que eles chegaram para ficar por um tempo… Talvez por causa dessa negligência seletiva de não ver o que não gosto.

Eduardo Camín é jornalista uruguaio, correspondente de imprensa da ONU em Genebra. Associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

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