No dia 8 de março, as flores, os chocolates e os parabéns distribuídos nas ruas, via de regra, não reverberam o significado do Dia Internacional de Luta das Mulheres, que é mais verossímil do que apenas Dia das Mulheres. O 8M vem para lembrar o lugar imposto às mulheres e a luta diária destas para sobreviver a essa estrutura patriarcal, capitalista, racista e misógina.
Mais do que conceitos, as estatísticas descortinam o motivo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em fevereiro de 2019, nos últimos 12 meses, 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento, 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio, 42% dos casos de violência contra a mulher ocorreram no ambiente doméstico. Muitas vezes por medo ou por conhecer a negligência do Estado, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor. Mais do que dados, os relatos dão gênero, cor e classe para os corpos que são diariamente violentados num processo de naturalização do lugar do corpo da mulher.
Na busca por uma construção de uma articulação internacional feminista, Angela Davis, Cinzia Arruzza e Nancy Fraser lançaram um chamado: a Internacional Feminista. O manifesto do movimento já foi assinado por mais de 3.400 mulheres de destaque no meio artístico, intelectual e político, como Sueli Carneiro (Geledés Instituto da Mulher Negra, Brasil), Amelinha Teles (União de Mulheres de São Paulo, Brasil), Angela Davis (Founder of Critical Resistance, Estados Unidos), Antonia Pellegrino (escritora e ativista, Brasil), Marta Dillon (Ni Una Menos, Argentina), Sonia Guajajara (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Esther Solano (professora da Unifesp, Brasil) e Letícia Sabatella (atriz, Brasil).
Isa Penna, deputada estadual em São Paulo pelo PSOL e parte da Internacional Feminista, explica que a ideia é partir dos países onde o movimento feminista já está mais estruturado para pensar a necessidade de uma articulação transnacional diante do avanço da extrema-direita. “Estamos pensando em reuniões das principais referências do movimento internacional para chegar ao ponto de conseguir fazer eventos grandes em algum lugar do mundo para de fato ter sustentação”, afirma a deputada.
Segundo o manifesto da Internacional Feminista, o feminismo está transformando e ressignificando o significado da solidariedade internacional. “Nos últimos meses o movimento feminista argentino usou o evocativo nome de “Internacional Feminista” para se referir à prática da solidariedade internacional reinventada pela nova onda feminista, e em alguns países, como a Itália, o movimento está discutindo a necessidades de encontros transnacionais para melhor coordenar e compartilhar visões, análises e experiências práticas”, apresenta o documento.
A Internacional Feminista defende que o feminismo que vem da nova geração feminista, a linha de frente contra o fortalecimento das forças de extrema-direita, é moldado “pelo sul não só no sentido geográfico, mas também no sentido político”, que é a “periferia do mundo” e, por isso, é anticapitalista, antirracista e anticolonial. “Há coerência nesse feminismo moldado por esses três eixos porque o processo histórico dá coerência a esse tres eixos. O capitalismo precisou do colonialismo para se estruturar e este, por sua vez, da escravização. Logo, o antirracismo, o anticapitalismo e o anticolonialismo são eixos de luta intrínsecos uns aos outros. O patriarcalismo vem antes, mas foi reforçado e violentou de formas diferentes dos países colonizados”, afirma Penna.
Para ela, a extrema-direita depende de um programa econômico para se consolidar e vem acompanhada “de um casamento nefasto com aquilo que há de mais conservador e machista”. No Brasil, isso pode ser observado nas alianças entre políticos desse espectro ideológico com setores conservadores das igrejas evangélicas. Nas eleições presidenciais de 2018, Jair Bolsonaro teve apoio e votos de lideranças evangélicas conhecidas por suas faces conservadoras, como Edir Macedo e José Wellington Bezerra da Costa.
No entanto, a história mostra quem são os sujeitos políticos a fazer a resistência. “Na minha opinião, a última década vem mostrando que é e vem sendo o feminismo, são as lutas da negritude, são as lutas da comunidade LGBTI capazes de fazer resistência e de agregar as lutas por direitos sociais. As lutas não só de resistência, mas de uma agenda política de direitos concretos”, comenta.
“É preciso construir essa ponte entre as feministas e é a serviço disso que estamos construindo essa internacional feminista, não é uma internacional feminista autossuficiente, é uma internacional feminista cujo programa incorpora as lutas dos explorados e dos marginalizados mundo afora”, diz Penna.
Para assinar o manifesto feminista da Internacional Feminista, clique aqui.
Fonte: Justificando
Data original da publicação: 08/03/2019