4ª revolução industrial e as mudanças no mercado de trabalho

O mundo do trabalho passa por grande transformação, desponta a quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0, caracterizada pela junção de tecnologias que permitem a fusão entre o mundo físico, digital e biológico.

Andresa Ramos de Lima

Fonte: Justificando
Data original da publicação: 09/03/2020

O mundo do trabalho passa por grande transformação, desponta a quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0, caracterizada pela junção de tecnologias que permitem a fusão entre o mundo físico, digital e biológico.

As tecnologias integrantes desse universo consistem na manufatura aditiva (3D), inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), biologia sintética (SynBio) e sistemas ciber-físicos (CPS).

O uso dessas tecnologias já vem mudando as relações sociais e os meios de produção e a tendência é que a implementação desses recursos se maximize com a completa modificação do ambiente laboral. 

O mapeamento dos setores a serem impactados aponta as plantas fabris como o modelo de negócio a ser beneficiado. 

A melhoria no controle do processo produtivo promete a potencialização da produtividade, gerando medidas mais eficientes, seja no uso dos recursos ou no controle de qualidade, o que segundo levantamento da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), acarretará economia na monta de 73 bilhões/ano.[1]

A conexão em rede sem necessidade de intervenção humana implicará em mudanças significativas, no entanto, faz eclodir questionamentos sobre a empregabilidade nesse novo cenário, mais interligado e robotizado.

Previsões nada otimistas indicam a probabilidade de redução de postos de trabalho em curto prazo, com o surgimento de uma nova classe de pessoas, “os inúteis”, conforme explica o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém – Yuval Noah Harari, em sua concepção: “são pessoas que não serão apenas desempregadas, mas que não serão empregáveis”.[2]

Conclusão semelhante foi emitida no Fórum Econômico Mundial, através da divulgação de relatório com a indicação de perda de mais de 5,1 milhões de empregos, em decorrência de mudanças disruptivas no mercado de trabalho, no período compreendido entre 2015 e 2020.

Mas, como auferir renda em um mundo sem emprego? 

Roncati, Silva e Madeira, discorrem sobre “duas ações preventivas com vistas a minorar o impacto da chegada dos robôs no mercado de trabalho.  A primeira delas é a incidência de impostos sobre os robôs e a IA para compensar perdas de empregos dos humanos, e a segunda é analisar uma possível introdução de uma renda básica mínima”.[3]

A solução estudada tem como pressuposto que o aumento da desigualdade produzida pela introdução das novas tecnologias no cenário juslaboral faz com que os resultados econômicos obtidos pelas empresas sejam passíveis de tributação, com o direcionamento de aportes à segurança social. Já a renda básica universal seria a medida adequada para lidar com situações de desemprego, de modo a garantir um padrão mínimo de dignidade às pessoas.

Contudo, há dúvidas sobre a disponibilização de renda sem a contrapartida pelos receptores, que poderiam ser absorvidos pelo comodismo ou até mesmo perderem a motivação de vida, desencadeando problemas depressivos, vez que o trabalho serve de sustento para a organização cotidiana dos indivíduos e integra a identidade de humanidade. 

Além disso, com a globalização, a distribuição de recursos poderia gerar um problema de difícil solução, é que o ganho com a implementação tecnológica poderia obter mais sucesso nos países desenvolvidos, ocorrendo nestes lugares a tributação.

A dúvida deriva da possibilidade de veto de redistribuição dos valores captados nos países desenvolvidos para atender as necessidades geradas pelos grupos de pessoas desocupadas, instaladas em países subdesenvolvidos, com pouca capacidade de evolução tecnológica, o que atiraria milhares de pessoas à completa instabilidade social.

Por outro lado, há quem diga que a renda básica universal promoverá o sustento dos trabalhadores, os quais implementarão esforços na realização de seus anseios de vida, com garantias de autorrealização individual, gerando ganhos à humanidade, em decorrência das novas criações daí derivadas. 

Não se sabe ao certo como as transformações no mercado laboral irão se adaptar a cada realidade geográfica e econômica, no entanto, novas formas de organização surgirão, basta olhar para o passado e comprovar que as sociedades antigas conseguiram prosperar, mesmo passando por problemas semelhantes, derivados de revoluções industriais, como se observou nos casos de introdução da mecânica, elétrica e automação.

Teresa Coelho Moreira menciona, inclusive, alguns entraves para que as modificações ocorram em curto prazo, bem como para o surgimento de novos postos: “não devemos ser tão pessimistas, nem generalistas, pois há de se ter em conta fatores que bloqueiam a automatização, nomeadamente as resistências culturais, os custos com esta automatização, assim como a criação de novos empregos com esta economia digital. ”[4] 

A análise se mostra verdadeira, vez que a revolução em curso e o uso das novas tecnologias já têm produzido o denominado “trabalho digital”, seja através do crowdwork, termo cunhado na Alemanha, onde cliente e fornecedor se encontram via internet; ou pelo trabalho por demanda via aplicativos, o que já exige uma nova abordagem dos profissionais que atuam na área.

O surgimento de postos de trabalho sob uma roupagem totalmente diversa da usualmente analisada na justiça trabalhista tem demandado atenção não só dos operadores de direito, mas da sociedade como um todo, eis que implica em completa modificação nos modelos de negócios empresariais, serviços requeridos, bem como nas necessidades enfrentadas pelos trabalhadores, o que demanda um novo olhar para o direito do trabalho, exigindo mudanças normativas e hermenêuticas.

O rearranjo das relações laborais tem criado figuras de difícil caracterização, a dificuldade é enfrentada tanto pelos magistrados quanto pelos profissionais atuantes na área, o que faz vários pesquisadores apontarem para a existência de um novo tipo de subordinação. Teresa Coelho Moreira indica um tipo reforçado por “um espaço sem distâncias e um tempo sem demoras”.

O professor e jurista Nelson Mannrich destaca o nascimento de diferentes tipos de empresas, nas quais o direito do trabalho apresenta desafios diversos e nova caracterização, em suas palavras seria uma empresa sem precedentes: “sem fábricas, sem máquinas e sem trabalhadores”, alertando para a necessidade de firme  atuação sindical, a fim de “evitar que o empregado se transforme em instrumento da tecnologia, que em última instância ameaça sua própria qualificação: máquinas inteligentes, ao ditar tarefas para trabalhadores humanos, poderão terminar na verdade por desqualificar as forças de trabalho”, vislumbrado, ainda, o “aumento do trabalho autônomo dependente, do trabalho precário e da grande massa dos excluídos do mundo formal de trabalho. A globalização e internacionalização do capital determinaram novas estratégias de reestruturação das empresas e novas modalidades contratuais, com o fim de horários fixos e jornadas rígidas. ”[5]

Vê-se que o aumento dos postos de trabalho decorrente dessa nova realidade ao mesmo tempo em que oferece uma oportunidade para o indivíduo desempregado, não implica necessariamente em evolução positiva, visto o aumento de trabalho sob menor proteção 

Embora o fenômeno deva ser estudado com atenção, de modo a evitar a completa precarização e mercantilização do trabalho humano, as revoluções anteriores sinalizam para a possiblidade de adaptação positiva com o surgimento de novas funções sociais, o que implica, por lógica, no surgimento de legislação trabalhista mais adequada.

O que já fica claro é que as habilidades atualmente exigidas para obtenção de uma vaga no mercado de trabalho serão alteradas, mostrando-se necessário o mapeamento das exigências desse novo mundo, para o treinamento dos trabalhadores nessa realidade tão diversa.

Portanto, o maior desafio para a sociedade será enxergar que as referidas modificações já estão em curso e repensar, de forma conjunta – governo, empresas e trabalhadores –  que tipo de realidade deverá ser construída, a fim de que o ônus do processo evolutivo seja menos intenso do que a possibilidade de novas atuações, decorrentes do beneficiamento pelo uso das novas tecnologias.

Notas:

[1] Informação obtida no site do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços do Governo Federal. Disponível em: < http://www.industria40.gov.br/>. Acesso em 28 de junho de 2019.

[2] Informação obtida no site da Revista Época Negócios. Disponível em: < https://epocanegocios.globo.com/Vida/noticia/2018/01/uma-nova-classe-de-pessoas-deve-surgir-ate-2050-dos-inuteis.html >. Acesso em 08 de julho de 2019.

[3] RONCATI, João; SILVA, Mhileizer T. A.; MADEIRA, Felipe. O desafio dos empregos na quarta revolução industrial. In: SILVA, Elcio B. (coord.) et al. Automação e sociedade: quarta revolução industrial, um olhar para o Brasil. Rio de Janeiro: Brasport, 2018. cap. 13, p. 211-225

[4] MOREIRA, Teresa Coelho. Algumas questões sobre trabalho 4.0. In: MEDEIROS, Benizete Ramos de (coord.). O mundo do trabalho em movimento e as recentes alterações legislativas: um olhar luso-brasileiro. São Paulo: LTr, 2018. p. 191-201.

[5] MANNRICH, Nelson, 1947- Futuro do direito do trabalho, no Brasil e no mundo. Revista LTr : legislação do trabalho, São Paulo, v. 81, n. 11, p. 1287-1300, nov. 2017

Andresa Ramos de Lima é especialista em Direito do Trabalho pelo Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da FGV Direito SP (FGVLAW) e advogada trabalhista.

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