4,8 milhões desistiram de procurar emprego porque seu país desistiu deles

Leonardo Sakamoto

Fonte: UOL
Data original da publicação: 16/08/2018

O aumento no contingente de trabalhadores que desistiram de procurar emprego porque acreditam que não vão encontrar algo é um dos piores indicadores para um país. Isso vai além de desemprego, é o resultado da corrosão da esperança e da confiança na economia, na política, no governo e nas instituições. E a depender do nível dessa corrosão, a reconstrução não apenas é lenta, mas pode minar a já frágil e desorientada democracia.

De acordo com a Pesquisa por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, divulgada, nesta quinta (16), pelo IBGE, cerca de 4,8 milhões de pessoas, acima dos 14 anos, desistiram de procurar emprego no segundo trimestre deste ano por desalento.

Estão fora da força de trabalho por não acreditar que exista oportunidade ou espaço para no mercado, não contar com experiência ou qualificação, ser considerado muito jovem ou muito idoso, não encontrar serviço no local de residência ou não ter conseguido trabalho adequado. O valor é maior que os 4,6 milhões do primeiro trimestre deste ano e dos 4 milhões do último trimestre do ano passado.

A porcentagem da população em desalento, que vinha caindo paulatinamente desde o início da série histórica, em 2012, chegou a 1,5% da população, no segundo trimestre de 2014. Desde então, com a crise deflagrada no governo Dilma Rousseff, inverteu a tendência e passou a subir, atingindo 4,4% da população no segundo trimestre deste ano.

Alagoas (16,6%), Maranhão (16,2%), Paraíba (11,1%), Bahia (11%) e Piauí (10,9%) contam com os maiores percentuais. A região Nordeste figura como primeiro lugar, com média de 10,5%, seguida das regiões Norte (6,1%), Centro-Oeste (2,3%), Sudeste (2,1%) e Sul (1,2%). Na parte de baixo da tabela, estão Santa Catarina (0,7%) e um Rio de Janeiro (1,2%) – Estado que, aliás, se encontra em duras crises política e econômica.

Os desempregados somados às pessoas que gostariam de trabalhar mais e os que desistiram de procurar emprego chegam a 24,6% – o que representa uma força de trabalho de 27,6 milhões. No primeiro trimestre deste ano, a porcentagem era de 24,7% (27,7 milhões). Mas, no segundo trimestre de 2017, a taxa era de 23,8%. Ou seja, a subutilização da força de trabalho cresceu no prazo de um ano.

Para quem olha apenas para as taxas de desocupação (mesmo desconsiderando que, no primeiro trimestre, houve um repique do desemprego a 13,1%), vai achar que tudo está melhorando porque houve queda de 13% (segundo trimestre de 2017) para 12,4% (segundo trimestre deste ano). Combinando desemprego com subutilização, contudo, verifica-se que a situação é mais complicada do que pinta o governo federal.

O desalento da falta de emprego está relacionado ao desalento da política. A manutenção forçada de um governo cuja legitimidade, honestidade e competência são questionadas seria suficiente para levar o país às ruas. Mas não foi. Como já disse aqui, a sensação é de que boa parte da população – aturdida com o desemprego arrasador e com as quase 64 mil mortes violentas, somado às denúncias de corrupção que seguem galopantes e a promessas vazias de parte das elites política e econômica, de que correria leite e mel após o impeachment e a Reforma Trabalhista – está deixando de acreditar na coletividade e buscando construir sua vida tirando o Estado da equação.

Cada um por si e o sobrenatural por todos. O problema é que isso deixa o Estado livre para continuar servindo aos interesses de poucos.

Caídas em descrença, instituições levam décadas para se reerguer – quando conseguem. No meio desse vácuo, surge a oportunidade para seres que se consideram acima das leis se apresentarem como a saída para os nossos problemas, mesmo que empacotem de uma forma diferente a mesma retirada de direitos trabalhistas pregada pelos que estão no poder. Sim, o desalento continuado em uma democracia pode ser o ponto final dela própria.

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

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