Há 183 anos, explodia a rebelião em Newport, um dos momentos decisivos do cartismo na Grã-Bretanha.
Igor Natusch
Surgido nos anos 1830, o movimento conhecido como cartismo surgiu no coração da classe trabalhadora britânica, usando mecanismos de pressão para provocar uma reforma política. Tendo como base intelectual a chamada Carta do Povo, redigida por um grupo liderado pelo pensador radical William Lovett, os cartistas exigiam voto anual, secreto e estendido a todos os homens acima de 21 anos, além da inclusão de representantes da classe operária e a garantia de que nenhum distrito eleitoral tivesse mais peso que outros na formação do parlamento. Durante cerca de vinte anos, as manifestações cartistas agitaram o cenário social da Grã-Bretanha, por vezes de forma explosiva. No dia 4 de novembro de 1839, a cidade de Newport, no País de Gales, viveu uma das mais violentas rebeliões ligadas ao cartismo, em um evento que causou 22 mortes.
A situação vinha em uma escalada de tensão. A Carta do Povo de 1838 havia sido rejeitada pela Casa dos Comuns em julho do ano seguinte, e um dos líderes cartistas, Henry Vincent, foi preso por conspiração em agosto de 1839. Boatos sobre um levante vinham se espalhando por Newport há semanas, e a informação (nunca efetivamente confirmada) de que alguns companheiros cartistas estavam aprisionados no Westgate Hotel da cidade disparou uma rápida convocatória entre os núcleos rebeldes de toda a região. Muitos trabalhadores das minas de carvão se juntaram aos cartistas, com relatos da época dando conta do uso de armas caseiras pelos revoltosos. Pouco antes da rebelião estourar, porém, o governo local tomou ciência das movimentações, e rapidamente reuniu tropas capazes de enfrentar os cartistas.
Calcula-se que, na segunda-feira fatídica, quase 10 mil pessoas tenham se reunido na praça em frente ao Westgate Hotel, exigindo que os prisioneiros fossem libertados. O contingente, em princípio, era para ser ainda maior, mas reforços que viriam da vizinha Pontypool não chegaram a tempo – uma espera que atrasou o avanço em Newport em algumas horas e que pode ter sido decisiva para o desfecho do confronto. Seja como for, as forças governamentais se colocaram à frente do hotel, e logo um grande tiroteio teve início. Alguns revoltosos chegaram a adentrar o prédio, mas foram rapidamente expulsos pelas tropas – que, mesmo em menor número, usaram de armamento pesado e treinamento militar para dispersar a multidão. O prefeito de Newport, Thomas Phillips, liderou a proteção ao edifício e acabou seriamente ferido, mas sobreviveu e, menos de dois meses depois, recebeu título de Cavaleiro diretamente da Rainha Victoria.
Há certa divergência sobre o total de rebeldes mortos, mas a maioria dos historiadores admite a certeza de que o conflito causou ao menos 22 vítimas fatais, além de mais de 50 feridos. Nas horas seguintes, pelo menos 200 cartistas foram presos, com 21 deles sendo identificados como incitadores da revolta e posteriormente acusados de alta traição. Desses, três líderes – John Frost, William Jones e Zephaniah Williams – foram condenados à morte por enforcamento e esquartejamento, a mais dura e brutal pena possível no império britânico de então. Eles foram alguns dos últimos a receberem semelhante sentença, mas não chegaram a passar pelo suplício: após uma ampla mobilização nacional, a pena foi transformada em exílio, com os condenados sendo degredados para a Austrália.
Tivesse triunfado, a rebelião em Newport poderia ter sido o sinal para um levante nacional dos cartistas. Seu fracasso, porém, lançou o movimento em um período de divisão interna. Tentativas semelhantes de revolta foram detidas em cidades como Sheffield e Bradford, mas as ações cartistas nunca pararam de ocorrer, com novas petições sendo enviadas ao parlamento inglês em 1842 e 1848. Com a recusa governamental em empreender as reformas exigidas, e diante de uma crescente repressão contra suas greves e manifestações, o movimento foi aos poucos perdendo fôlego, desaparecendo na reta final dos anos 1850. A revolta em Newport, porém, seguiu sendo comemorada pela classe trabalhadora britânica no decorrer das décadas, e continua recebendo lembranças e homenagens até os dias atuais. Atualmente, a cidade que viveu a manhã de conflitos conta com uma praça central batizada em homenagem a John Frost, um dos principais líderes da rebelião.