31 de maio de 1930: Hong Kong passa a proibir o registro de Mui tsai, jovens mulheres vendidas para o serviço doméstico ou prostituição

Há 93 anos, Hong Kong passava a proibir o registro de Mui tsai, jovens mulheres vendidas para o serviço doméstico ou prostituição

Duas mui tsai e três crianças sob seu cuidado, aproximadamente 1910, Hong Kong. Fotografia: Ko Tim-Keung/Hong Kong Memory

Igor Natusch

O trabalho forçado assumiu muitas formas no decorrer dos séculos, sendo uma realidade verificada em diferentes culturas. Em países da Ásia Oriental, a prática de Mui tsai – basicamente, a venda de jovens mulheres para atuarem como empregadas domésticas e/ou concubinas de famílias mais abastadas – foi tolerada durante séculos e vista como alternativa  para famílias incapazes de sustentar muitas crianças, ainda mais em uma sociedade na qual a presença de filhos homens era grandemente valorizada.

A partir do século XIX, a prática passou a receber condenação pública, caindo gradualmente em desuso – embora, infelizmente, não seja possível dizer que foi definitivamente eliminada. Uma das poucas leis voltada especificamente para a questão do Mui tsai foi editada em Hong Kong, e tinha o dia 31 de maio de 1930 como data limite: a partir de então, tornou-se proibida qualquer negociação do tipo no país.

O acordo em torno do Mui tsai geralmente previa que a família que “comprava” a criança poderia usar dos serviços dela até o casamento, quando ela se tornaria “livre”. A única contrapartida, em princípio, era oferecer à jovem teto e comida – embora, nas instâncias em que o contrato fosse oficializado, um dote ou mesada pudesse ser incluídos na negociação. Não raro, as Mui tsai (um termo que pode ser traduzido para português como “irmãzinha”) acabavam casando com um homem escolhido por seu tutor, ou mesmo alguém que trabalhava na mesma propriedade – uma forma de mantê-las sob compromisso muito depois da entrada na vida adulta.

As sociedades nas quais o Mui tsai ocorria não enxergavam a prática como escravidão, embora as meninas não pudessem recusar o acordo e a fiscalização por parte dos governos fosse praticamente inexistente. Infelizmente, muitas dessas jovens acabavam tendo um destino ainda mais duro do que a servidão doméstica, sendo prostituídas e revendidas para bordéis – não raro com a conivência de governos locais ou de colonizadores europeus.

A partir das políticas contrárias à escravidão adotadas pelo império britânico, cresceu a pressão para que o Mui tsai desaparecesse nas colônias asiáticas, entre elas Hong Kong. O governo local, porém, seguiu aceitando registros e fazendo vista grossa para negociações do tipo, tratando o assunto como uma tradição familiar. 

Apenas em 1923, após pressão na imprensa britânica e ameaças de sanções internacionais, a legislação de Hong Kong foi alterada, proibindo transferências de guarda no modelo Mui tsai e exigindo que todas as jovens submetidas a esse tipo de servidão fossem registradas até 1930. Inspetores verificavam as condições de vida das mulheres registradas como Mui tsai, em uma forma de prestar contas à comunidade internacional e garantir que os direitos básicos dessas pessoas fossem respeitados. Depois de 1930, qualquer negociação do tipo passou a ser ilegal em Hong Kong – o que, infelizmente, não evitou que casos esporádicos fossem registrados, pelo menos, até o começo dos anos 2000.

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