Há 80 anos, iniciava uma greve geral em Luxemburgo, um dos principais gestos de resistência não-violenta da Segunda Guerra Mundial
Igor Natusch
Na luta da classe trabalhadora, a greve é uma das armas mais poderosas. Mas nem sempre ela se destina à busca de melhores salários ou condições decentes de trabalho: por vezes, a batalha é pela própria liberdade diante da opressão. Foi assim em Luxemburgo, onde corajosos homens e mulheres decidiram cruzar os braços diante dos ocupadores nazistas – um movimento iniciado em 31 de agosto de 1942 e que se transformou em uma das mais poderosas demonstrações de resistência não-violenta de toda a Segunda Guerra Mundial.
As tropas nazistas invadiram Luxemburgo em maio de 1940. Após um breve período de governo militar, o pequeno país europeu foi transformado em um distrito da Alemanha, no qual a população foi declarada alemã e se viu forçada a usar o alemão como única língua autorizada. O objetivo era eliminar os traços multiculturais associados durante séculos com a região, submetendo-a a um processo agressivo de germanização. Em resistência, os luxemburgueses tomaram iniciativas não-violentas como o Spéngelskrich, hábito de usar bottons com as cores de seu país, em desafio à ordem de que virassem alemães por decreto.
O estopim da greve geral veio nos últimos dias de agosto de 1942, quando Gustav Simon, que liderava a presença alemã na região, determinou que todos os homens de Luxemburgo, nascidos entre 1920 e 1927, deveriam se apresentar nas juntas militares, para alistamento compulsório às tropas da Wehrmacht. A indignação entre a população foi enorme, e disparou um rápido movimento contrário, no qual trabalhadores e trabalhadoras tiveram papel fundamental. Panfletos chamando para a greve foram impressos e distribuídos de forma clandestina nas fábricas e indústrias, com uma rapidez que parece ter pego as autoridades nazistas de surpresa.
A greve iniciou-se na manhã do dia 31, na localidade de Wiltz, e rapidamente se espalhou pelas principais vilas industriais do país, ganhando contornos nacionais a partir do dia seguinte. Calcula-se que praticamente todos os trabalhadores dos moinhos de Differdange se recusaram a ir trabalhar, e a principal área de mineração de Luxemburgo, Esch-sur-Alzette, ficou completamente paralisada. A distribuição de correspondência foi interrompida, o comércio teve dificuldade para funcionar pela escassez de produtos, e a maior parte das escolas não abriu as portas. Nos dias posteriores, os nazistas trataram de suprimir informações sobre a greve, de forma que é muito difícil saber, atualmente, qual foi sua real dimensão – mas é notório que Luxemburgo viveu pelo menos dois dias de paralisação generalizada, e as notícias da greve chegaram como uma lufada de esperança nos veículos de imprensa ligados aos Aliados.
A repressão aos grevistas foi cruel e assassina. Pelo menos 21 pessoas foram executadas pelos nazistas: um deles, Hans Adam, tinha origem alemã e foi considerado traidor, sendo condenado à decapitação. Ao todo, mais de 2 mil luxemburgueses foram presos em consequência da greve, e muitas famílias foram conduzidas a campos de trabalhos forçados. Para quebrar a moral da população e tentar evitar casos futuros de resistência, pôsteres foram espalhados por todo o país, trazendo os nomes dos executados pelos ocupadores.
As medidas, porém, não fizeram a resistência sumir. Ao contrário: protestos contra o alistamento forçado seguiram acontecendo, e milhares de luxemburgueses desertaram do exército nazista nas semanas seguintes. A liberação do país pelos Aliados, que iniciou em setembro de 1944, recebeu amplo apoio da população, o que facilitou o avanço das tropas dos EUA, que lideraram o assalto. Ao todo, cerca de 5.700 cidadãos de Luxemburgo morreram na Segunda Guerra Mundial, incluindo quase 700 judeus, deportados para campos de concentração. O número é quase 2% do total da população luxemburguense à época, o maior percentual de vítimas em todos os países da Europa Ocidental. Hoje, os executados pela greve de 1942 são lembrados como heróis em Luxemburgo, e a resistência daqueles dias é um dos maiores pilares do orgulho nacional.