Há 80 anos, nascia o militante trotskista Rui Osvaldo Aguiar Pfützenreuter, vitimado pelos órgãos de repressão da ditadura militar
Igor Natusch
Nascido em 3 de novembro de 1942, na cidade catarinense de Orleans, Rui Osvaldo Aguiar Pfützenreuter é um dos muitos desaparecidos e mortos durante o tenebroso período da ditadura militar no Brasil. Um dos principais militantes do Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT) à época, ele atuava junto ao meio operário e estudantil na época em que foi raptado pelas forças de repressão – um dos casos investigados pela Comissão da Verdade, que ajudou a desnudar parte dos crimes cometidos durante os anos de ditadura.
Graduado em jornalismo e sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o militante mudou-se para São Paulo por volta de 1965, com o objetivo de atuar como dirigente do PORT – uma sigla que, apesar de nunca ter conquistado grande abrangência, tinha importância significativa na resistência ideológica à ditadura em vários estados brasileiros. Usando o codinome Marcos Vinícius, Pfützenreuter escrevia artigos para o jornal Frente Operária, que circulava na clandestinidade, e chegou a trabalhar durante algum tempo como metalúrgico, parte da estratégia do partido para disseminar ideias marxistas e trotskistas de forma direta junto à classe trabalhadora.
A prisão de Pfützenreuter ocorreu em 14 de abril de 1972. A detenção e tortura do militante trostkista foram determinadas pelo então chefe do Destacamento de Operações de Informações do 2º Exército (DOI) em São Paulo, o infame Carlos Alberto Brilhante Ustra. Os relatórios oficiais davam conta de que o jovem de 29 anos teria sido morto por agentes de segurança, após sacar uma arma durante resistência à prisão. A mentira, neste caso, é demasiado evidente: o PORT era notoriamente contra a luta armada, sendo altamente improvável que Pfützenreuter sequer possuísse um revólver, que dirá saber usá-lo. Resgatados no decorrer dos anos, os relatos de outros presos no DOI trazem uma história diferente: Pfützenreuter foi submetido a interrogatórios com espancamento e pau de arara, e acabou não resistindo à brutalidade de seus captores, falecendo no dia 15 de abril.
A morte de Pfützenreuter só seria descoberta pela família vários dias depois, após o pai do militante, Osvaldo, viajar até São Paulo e insistir longamente com os órgãos de governo e com o Instituto Médico Legal por algum esclarecimento. Em maio daquele ano, Osvaldo escreveu uma carta ao então presidente Emílio Garrastazu Médici – também enviada a jornais, igrejas e organismos ligados aos direitos humanos – descrevendo sua via crucis em busca de esclarecimentos e pedindo que o governo autorizasse a transferência do corpo para sua terra natal. Embora o pedido de necrópsia enviado ao IML pelo Exército paulistano identificasse nominalmente o falecido, Pfützenreuter tinha sido enterrado como indigente no cemitério de Perus, em São Paulo, no mesmo dia de sua morte. Uma fotografia do corpo, obtida pela família, mostra que o corpo trazia duas nítidas manchas escuras, sinais claros de que tinha sido submetido a torturas antes de morrer.
Em 2016, o médico legista Antonio Valentim foi denunciado pelo Ministério Público Federal de São Paulo por ter supostamente forjado o laudo necroscópico de Pfützenreuter, que atribuía a morte à perda de sangue por ferimentos de bala. De acordo com a procuradora da República Ana Letícia Absy, que assina a denúncia, o pedido de necropsia trazia anotada, a lápis, a letra “T”, utilizada por órgãos de repressão para indicar que o morto era um “terrorista” – ou, restabelecendo a verdade, uma pessoa morta pelo regime por motivos políticos. O nome de Valentim consta na lista de 377 indiciados pela Comissão Nacional da Verdade, em dezembro de 2014, como autores de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar.
Uma página da história do nosso país que jamais devemos rasgar. É preciso manter viva esta memória para que nunca mais se repita.