Há 38 anos, começava o seminário que oficializa a existência do Grupo Tortura Nunca Mais, que luta pelos direitos de vítimas da ditadura no Brasil
Igor Natusch
Durante anos, e mesmo depois da redemocratização, as torturas sofridas pelos presos políticos durante a ditadura militar no Brasil não eram assunto na esfera pública nacional. Surgido no Rio de Janeiro a partir da indignação de ex-presos e familiares de desaparecidos, o Grupo Tortura Nunca Mais foi fundamental para que o tema surgisse na imprensa e nos debates políticos em nosso país. Oficializado a partir de um grande seminário, iniciado em 28 de outubro de 1985, o grupo da sociedade civil segue sendo uma das mais atuantes no sentido de que os crimes cometidos pelos governos militares não sejam esquecidos.
O Tortura Nunca Mais já existia, de forma extra-oficial, desde abril de 1985. À época, os Comitês Brasileiros pela Anistia, que desde a metade dos anos 1970 faziam a denúncia dos agentes da tortura na ditadura brasileira, articulavam uma reação contra a Lei da Anistia de 1979, que deixou esses agentes do governo livres de qualquer responsabilização na Justiça. O grande estopim foi a indicação do major Walter Jacarandá para o comando do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro – uma figura reconhecida por presos políticos como torturador. Em seguida, outros nomes ligados à esfera governamental, como o secretário estadual de Defesa Civil José Halfeld Filho e o assessor do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj) Riscala Corbaje (ou Dr. Najib, como era chamado nos porões), também foram denunciados por integrantes do Comitê pela Anistia do Rio como ex-agentes da repressão.
As reuniões de integrantes do Comitê ocorriam no Sindicato dos Jornalistas, e tinham como objetivo inicial achar caminhos para afastar essas pessoas do governo civil. Os encontros ganharam dimensão, começaram a receber atenção da imprensa e, no dia 28 de outubro daquele ano, teve início o I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais, na Faculdade Cândido Mendes, no Centro do Rio. O evento oficializou a existência do grupo, após lançamento à imprensa no mês de setembro.
Além de evitar a nomeação de Jacarandá para os Bombeiros e afastar Corbaje do Banerj, o Tortura Nunca Mais conseguiu outras vitórias concretas em seus primeiros anos. Em 1988, o médico Amílcar Lobo (torturador conhecido como Dr. Carneiro) teve seu registro cassado pelo Conselho Regional de Medicina do RJ por quase uma década, por pressão direta do grupo carioca. A partir de 1992, o Tortura Nunca Mais passou a receber financiamento da ONU para suas atividades, montando uma equipe de apoio médico e psicológico de ex-presos e familiares. O grupo desenvolveu pesquisas junto ao IML, a partir de 1990, catalogando ossadas e identificando desaparecidos políticos, e mergulhou em arquivos públicos para juntar dados sobre vítimas da ditadura. A pressão também motivou ações governamentais, em especial a formação da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, em 1996.
Atualmente, há núcleos do Tortura Nunca Mais em vários estados brasileiros, e a entidade é filiada à Federação Latino-Americana de Familiares de Desaparecidos, com sede na Venezuela, e ao SOS Torture, na Suíça. A partir de 1988, o grupo criou a Medalha Chico Mendes de Resistência, em homenagem a pessoas e grupos engajados na luta pelos Direitos Humanos. Em 2005, o Grupo Tortura Nunca Mais recebeu o Prêmio Vladimir Herzog, mais importante prêmio ligado aos Direitos Humanos do Brasil.