Há 199 anos, jovens tecelãs bloquearam fábricas em Pawtucket, na primeira greve promovida por mulheres nos EUA.
Igor Natusch
Embora presentes e decisivas desde os primeiros conflitos entre empregados e patrões, as mulheres tiveram, até pouco tempo atrás, seu papel nas disputas trabalhistas diminuído ou mesmo negligenciado pela história. Um dos marcos mais importantes da memória trabalhista dos Estados Unidos, a greve ocorrida em 1824 nas fábricas de tecidos de Pawtucket, em Rhode Island (EUA), recebeu pouca atenção da academia e do movimento sindical de seu país, em uma memória que apenas recentemente vem sendo resgatada. Atualmente, a paralisação promovida por jovens tecelãs é considerada a primeira promovida por mulheres de que se tem notícia nos EUA, e vai além: trata-se, possivelmente, da primeira greve fabril norte-americana da história.
A cidade de Pawtucket foi sede da primeira grande tecelagem dos EUA, construída em 1793. Foi lá, também, que a mecanização da produção de tecidos teve início no país, logo se espalhando pelo estado e, depois, por todo o país. A relação dos capitalistas com a comunidade local, porém, nunca foi tranquila. Irritados com os efeitos negativos da escalada industrial sobre o meio ambiente e o cotidiano, moradores pressionaram as prefeituras para que impusessem taxas e impostos aos recém-chegados, buscaram deter na Justiça a construção de moinhos e barragens e, em alguns casos, promoveram até mesmo sabotagens contra as fábricas. Além disso, nos primeiros anos de industrialização, as tecelagens faziam uso de trabalho infantil em larga escala, o que gerou crescentes manifestações de revolta. Com o tempo, essa série de insatisfações foi gerando um sentimento de classe em Pawtucket e nas cidades vizinhas.
A decisão de entrar em greve em 1824 foi consequência direta do anúncio, por parte dos patrões, de que todos os empregados teriam acréscimo compulsório de uma hora de trabalho, retirado das pausas para refeições que recebiam. A pesada nova rotina, adotada de forma conjunta por todos os proprietários de tecelagens da cidade, previa também a redução de 25% no pagamento de quem trabalhava nos teares mecânicos – empregadas que, dentro das acentuadas divisões nas fábricas de então, eram quase todas mulheres de menos de 30 anos de idade.
A reação foi imediata. Além de se recusarem a voltar ao trabalho, as grevistas bloquearam as entradas das tecelagens, em uma movimentação que contou com apoio de operários de outros setores e de boa parte da comunidade. Os primeiros piquetes foram registrados no dia 26 de maio daquele ano. Jornais impressos e diários mantidos por moradores da época relatam que mansões dos empregadores foram apedrejadas por populares, e um moinho chegou a ser incendiado por revoltosos. No dia seguinte a esse último incidente, os patrões concordaram em abrir uma mesa de negociação. No dia 3 de junho, depois da confirmação de que as mudanças de salário e carga horária estavam canceladas, todas as grevistas voltaram ao trabalho.
Os documentos que sobrevivem não registram os nomes das 102 trabalhadoras que deram início ao movimento grevista em Pawtucket, mas a revolta que promoveram disparou não apenas uma onda de ações semelhantes, mas também um veloz processo de organização operária na região. Ainda assim, a greve de 1824 não esteve entre as mais lembradas pelo movimento sindical norte-americano até recentemente, quando historiadores do trabalho e organizações feministas passaram a ressaltar a importância crucial da paralisação. Um resgate que recoloca as pioneiras tecelãs na memória trabalhadora dos EUA e de todo o mundo.